19 novembro, 2011

Entrevista com o assessor eclesiástico da Pastoral Afro-Brasileira da Arquidiocese de Maringá - Padre Ivaldir Camaroti dos Reis

Blog da Lucia – O que significa o dia da Consciência Negra para o senhor?
Pe Ivaldir – Acima de tudo uma conquista do povo Negro. Foi pela sua luta e resistência que esse dia passou a ser lembrado, celebrado e instituído como feriado em muitas cidades do Brasil.

Blog da Lucia – Como viveram e como vivem os negros/as no Brasil?
Pe Ivaldir – Bom, o povo Negro chegou no Brasil, como sabemos, por meio da escravidão. Na escassez da mão de obra indígena, na maioria das vezes, dizimada pelas doenças trazidas com a presença dos os europeus os portugueses recorreram ao continente africano. Aqui, o Negro viveu na condição de escravo, sem liberdade, sem sua terra, sem seu povo, tendo que se superar a cada dia para sobreviver aos castigos. Mas, longe da idéia de que aceitou a escravidão de forma pacífica. O Negro resistiu o tempo todo, fugindo para os Quilombos, comprando quando possível sua alforria e de seus irmãos e até suicidando-se, como forma de libertar-se do sofrimento imposto.
Hoje, o Negro é a maioria da população, segundo dados do último senso (2010). Os que se identificaram como pretos e pardos(negros) somam 97 milhões, num total de 191 milhões de brasileiros. E podemos afirmar sem medo de errar que, os afrosdescendentes são os mais pobres entre os pobres, infelizmente essa é a realidade. No Brasil, ainda não se conseguiu superar as desigualdades sociais entre brancos e negros, fruto de um processo de “libertação” que não ofereceu condição à população de homens e mulheres, ex-escravos, inserirem-se na sociedade como cidadãos de direito. Porém, muito já se avançou e nos últimos anos temos visto cada vez mais jovens Negros nas universidades pesquisando e descobrindo sua verdadeira história, não contada por alguém, mas pelo próprio Negro.

Blog da Lucia – Qual a importância de Zumbi dos Palmares no contexto atual?
Pe Ivaldir – Zumbi é o símbolo da resistência do povo Negro. Seu sangue ainda corre nas veias de homens e mulheres que resistem às forças que tentam a todo custo apagar sua memória. Foi um mártir, e mártir é semente, outros sempre reviverão sua causa e sua luta. O bem plantado nunca morre, pode até ficar adormecido por um tempo, ora ou outra ele nasce. Zumbi ficou esquecido por séculos, mas o Movimento Negro o resgatou e no dia 20 de novembro celebra-se sua memória e sua luta como verdadeiro herói brasileiro.

Blog da Lucia – Qual é a contribuição do povo negro para a riqueza cultural de nosso país? O povo negro tem essa consciência?
Pe Ivaldir – O Negro é sujeito na formação da identidade, em construção, do Brasil, mesmo que a historiografia tenha negado e a educação tenha reproduzido essa negação em nossas mentes. Cada vez mais vemos essa consciência crescendo por meio da pesquisa, do Movimento Negro, da Pastoral Afro, e da própria escola, que começa a fazer um caminho diferente, mesmo que por força de uma lei governamental que obriga o ensino de História e Cultura Afro nas escolas (lei 10.639/2003). Como a consciência é algo a ser lapidado penso que o povo Negro está cada vez mais tomando consciência de sua beleza e riqueza de conhecimentos e costumes. Sua auto estima tem melhorado a cada ano, como conseqüência, tem se tornado visível na sociedade. Muitas empresas inclusive, descobriram que os Negros são uma fatia do mercado a ser explorado comercialmente.

Blog da Lucia – O que é preciso ser feito para que a cultura negra seja mais difundida?
Pe Ivaldir – Muita coisa já está sendo feita, como já mencionei, tanto por parte do governo, como par parte do próprio Negro. Creio que difundida ela está, só não aparece nos meios de comunicação que partem de um conceito quase único de beleza.

Blog da Lucia – Como o senhor vê a representação política dos negros/as?
Pe Ivaldir – Se somos mais da metade da população brasileira, infelizmente não é essa a representação no cenário político. Maringá por exemplo possui 25% da sua população composta de afrodescendente, no entanto não temos, salvo engano, nenhum vereador Negro. 25% da população 320 mil são 80 mil pessoas, é muita gente pra não ter nenhuma representatividade.

Blog da Lucia – Como o senhor vê o sistema de cotas para afro descendentes em universidades?
Pe Ivaldir – Sou a favor. Temos que encontra meios de equilibrar as oportunidades negadas desde a “abolição”.

Blog da Lucia – Como o senhor vê a questão do racismo?
Pe Ivaldir – Um pecado. Temos que superar mudando nosso comportamento começando por pequenas atitudes que deflagram ações que humilham e denigrem a imagem do outro, que é imagem e semelhança de Deus.

Blog da Lucia – O senhor é assessor da Pastoral Afro-Brasileira da Arquidiocese de Maringá, quais são os desafios?
Pe Ivaldir – A Igreja não está imune às influências da sociedade. Ela participou ativamente do processo de escravidão, mesmo que tenhamos tido na história muitos padres que tenham defendido a vida de muitos Negros e Indígenas. Como dizia Dom Helder Câmara, um bispo que colocou a causa do Negro em discussão na Igreja: “Não basta pedir perdão pelos erros do passado, temos que acertar os passos hoje”. A Pastoral tem apenas 2 anos na Arquidiocese de Maringá, mas temos plantados boas sementes que espero dar muitos frutos.

Blog da Lucia – Deixe uma mensagem para os/as visitantes do blog.
Pe Ivaldir - Eu creio que o povo Negro possui um patrimônio cultural ainda inexplorado por ele mesmo. Há muito que foi sufocado e está guardado, não esquecido, com nossos pais e avós. É preciso vasculhar, com jeitinho, esse ‘depósito’ para que, muito mais seja aprendido sobre a cultura afro no Brasil.
Um grande AXÉ (força vital) a todos que tiveram paciência de ler essa entrevista e parabéns a organizadora desse blog por estar a tanto tempo no ar trazendo boas informações a Maringá e oportunizando uma forma de comunicação onde temas que a grande mídia (patrocinada) não dá a devida relevância.

Um comentário:

Cinthia Cristina da Rosa Vilas Boas disse...

Muito legal a entrevista. Sou da Pastoral afro de Campinas.