23 abril, 2013

As grandes surpresas


Pe. JOSÉ MARINS reflete.
 
Durante semanas, desde o início de 2013, temos sido inundados por extraordinárias novidades eclesiais:

– A renúncia de Bento XVI. Desmistificando assim a imagem do Sumo Pontífice. Na nobreza do gesto, mostrou sua profunda humildade e realismo, como ele nos disse – “Eu cheguei onde eu pude. Sigam a caminhada com um novo Papa! ”
- O conclave de fevereiro chamou alguém lá dos confins da terra.
E a nossa Igreja se viu, empurrada pelo Espírito, a considerar-se a si mesma localizada, pela primeira vez, fora da Europa e do Mediterrâneo.
- Os “200 anos de atraso” denunciada pelo Cardeal Martini, 
pesaram na consciência do último conclave?

TER PRESENTE QUE:

-Estamos vivendo um tempo de esperança e desejos de reforma. Não se pode perder essa oportunidade histórica por tanto tempo sonhada.
-Os conservadores foram pegados de surpresa e ainda não tiveram suficiente para se articular e lutar de uma forma mais sistemática e eficaz. No entanto, não se deve subestimar que a maioria do episcopado foi cuidadosamente escolhida por João Paulo II e Bento XVI.

O MINI- MAGISTÉRIO DO PAPA FRANCISCO.
Ainda é cedo para configurar um novo modelo de Igreja. As dúvidas continuam: as novas sementes que Francisco está lançando, vão germinar? São suficientemente abundantes para permitir sonhar com uma nova colheita, apesar de a terra pisada pela burocracia dos que vão e vêm, o enredo de espinhos da cúria e as áreas de grandes estruturas de pedra e de cimento que estão aí ”para ficar” e não se mover facilmente …? Quanto sobra de terra boa não ressecada pelas decepções, não dominada pelas sementes ruins que foram caindo, século após século?

É verdade que se sente  um ar muito semelhante ao tempo do Concílio. De repente, o mundo inteiro, como nunca tinha sido possível nas últimas décadas, sentiu irromper uma abundância de gestos e mensagens surpreendentes, provenientes da autoridade suprema da Igreja. Estamos diante de um mini-magistério papal que orienta o futuro próximo da Igreja.


Resumimos em dez pontos:

1. VOLTAR ÀS FONTES : “EU FUI ESCOLHIDO BISPO DE ROMA”.
Desde o primeiríssimo momento em que o novo Papa se apresentou na Sacada de São Pedro, se auto-identificou como o bispo de Roma. Coerência teológica e pastoral. Ele é o “Primus inter pares” (primeiro entre iguais). É ele que também recebe o ministério de Pedro, de confirmar os seus irmãos e irmãs. A identidade papal se revela de corpo inteiro. O mito de um poder sobre todos, se apresenta como um servidor – o primeiro entre iguais – com a responsabilidade de a todos confirmar na fé e continuar a missão de Jesus. Ganha força a Igreja local. Surgem oportunidades privilegiadas para o ecumenismo entre “iguais”, com a ajuda do irmão, que é Bispo de Roma.

ENTÃO: O futuro pede uma leitura inteligente, comunitária e criativa do que estão dizendo os sinais dos tempos, e, ao mesmo tempo, uma constante  retomada de nossas fontes bíblicas, místicas e missionárias, a partir de uma visão menos europeia e mais universal. A Igreja na América Latina, por exemplo, precisa de integrar em sua caminhada atual “o que os seus antepassados lhe legaram”desdeBartolomé de las Casas, Pablo de la Torre, Diego de Medellín, Nóbrega, Anchieta, Helder, Romero, Luciano Mendes, os índios e escravos …, as mulheres anônimas …

2. A PARTIR DO SE QUE TOMAVA COMO PERIFERIA 
A Igreja não é Europa, não se reduz a um continente, a uma cultura, a uma geopolítica. São legítimas e necessárias as diferenças teológicas, buscando compreender e comunicar o conteúdo da Revelação. As diferentes línguas, tradições, símbolos,  gestos e músicas potencialmente “litúrgicas”, permitem a uma comunidade expressar e aprofundar a sua fé e seus valores fundamentais.
Nesse processo, as Igrejas locais não são secundárias, ou sucursais de Roma. Em cada uma delas acontece a totalidade da una, santa, católica e apostólica comunidade de Jesus. O que é alcançado em uma delas é patrimônio comum, em razão da comunhão radical que há entre todas elas. As diferenças não são ameaças, mas graças. Neste sentido, Ásia, Oceania, África, América Latina não são apêndices, mas o corpo da Igreja, juntamente com a Europa. Nem mais, nem menos.

3. A IGREJA LOCAL É A PROTAGONISTA
O esquema de pirâmide ainda não foi superado no imaginário pastoral e teológica. Temos um  Papa maravilhoso, que nos inspira e nos ama e um conjunto eclesial, muitas vezes medíocre em seu clero, em seus seminaristas e seus membros que estão deixando a Igreja Católica. A nova imagem do Pastor enche o horizonte eclesial contemporânea. Mas ainda não conseguimos, com igual intensidade e clareza, desenvolver uma comunidade crente.

O ministro, mesmo quando Papa, continua a ser mais importante que o povo de Deus. Negando o que Lumen Gentium diz no capítulo II.
Os bispos do Brasil estão discutindo sobre a paróquia, comunidade de comunidades. Mas as comunidades têm ainda de ser criadas. Não se trata de reunir todas as experiências de grupos existentes e lhes dar o nome da comunidade, mantendo as estruturas paroquiais de sempre.
As igrejas locais devem decidir sobre suas teologias e liturgias com a liberdade de acolher o que as outras experiências ao longo dos séculos conseguiram interpretar e comunicar. Todo nominalismo é desastroso. Sem igrejas menores na base, a paróquia nunca vai ser uma instância de articulação, inspiração e pastoral de conjunto.

4. VISÃO UNIVERSAL E AÇÃO COLEGIADA LOCAL.
Foram buscar Jorge M. Bergoglio na Argentina, para ele se tornar o pastor de todos. Já não pertence a um país, a uma ordem religiosa, ou a um movimento. Estritamente falando, não pode haver um papa polaco, alemão ou latino-americano. É o papa, nada mais. Isso é tudo. Ninguém se vai sentir alheio na frente dele. Foi colocada por Deus. Ele é, igualmente, o pastor de todos e de cada um.

Jesus, neste momento, nos deu um novo pastor. Com ele, houve uma sintonia global com essa figura branca de uma pessoa humilde, acolhedora e simples. Não foi a majestade, a manifestação de seu poder, a inteligência, a pompa que conquistou a gente. Rapidamente ele se tornou um ícone de um modelo de igreja que oferece sintonia única com o Jesus que a gente amou, escutou, sentiu, às margens do Mar da Galileia, pelos caminhos da sua terra, trazendo esperança para os mais necessitados, orientando os que buscavam os caminhos de Deus.
Muitos se perguntavam se, através de Bergoglio, também a contribuição da Igreja na América Latina chegava a todo o mundo.

ENTÃO:
Estamos com o dom de um pastor, simples, amável, nobre e com personalidade forte. Ele nos vem presenteando com gestos acompanhado também por palavras,  poucas, mas centrais: misericórdia, perdão, alegria, ir até às pessoas, caminhar, edificar, confessar, cheiro de povo, discernir, criar, nada de ”carreirismo” ou pompas, e mostrando que poder é serviço …  Se repete o que já se costuma repetir: “Gente simples, em lugares pouco importantes, continuam a causar grandes mudanças” (Provérbio Africano). Mas o importante agora é que os colegas e pastores do baixo clero também sigam seus exemplos no seu espaço local, coerentes com a visão papal que está a ser compartilhada com eles.


5. O NOME QUE É UMA BANDEIRA
Se dar o nome de Francisco é fazer uma declaração de intenções e um programa de vida. É não só deixar os sapatos vermelhos, mas caminhar descalço. Fazer-se povo, “um de nós”, como dizia a gente praça de S. Pedro depois de se encontrar com o pontífice recém-eleito. 

“Ele vai reconstruir a Igreja”, como aconteceu com São Damião, em Assis.
É urgente relançar o VATICANO II. O que se vislumbrou:

- uma Igreja samaritana, pobre e servidora dos mais necessitados, chegando aos últimos. Com a simplicidade, pobreza e coerência evangélica dos líderes e dos ministros. Comunidade que não se encerre em seus edifícios e estruturas (ou “fique doente”, segundo o Papa Francisco, no discurso de Quinta-feira Santa de 2013). Pastores da Igreja, que “têm o cheiro de povo”, por estarem com ele (idem)
- a pequena Igreja (LG 26), não ao lado dos movimentos, mas como primeira instância eclesial (Med 15,10). Na base da vida, onde os batizados são sujeitos e não meros membros passivos. Fermentos missionários da Boa Nova de Jesus.
- Comunidades presentes onde o Concílio não pôde chegar.
- A mulher com um protagonismo real e eficaz, presente nos ministérios.
- Uma igreja com um coração jovem acolhendo as multidões das novas gerações que já não se sentem saciadas com a mediocridade do consumismo, a vulgaridade sexo irresponsável e sem amor.

6. AS PESSOAS, NÃO O EDIFÍCIO
Nas paróquias e dioceses, estamos quase inteiramente dedicados ao atendimento dos fiéis. Esperando que as pessoas venham até nós, aos nossos edifícios. Esta prática tem se demonstrado não só inadequada, mas desastrosa. A Igreja é, por natureza, itinerante, deve mover-se em direção às direção das periferias.

A paróquia atual tornou-se uma meta de chegada, quando deveria ser ponto de partida. Sofre da síndrome do gueto.
A itinerância da Igreja não pode acontecer se as estruturas eclesiásticas são tão complexas e pesadas que se torna impossível se mover. As  superficiais reformas paroquiais estão traindo as esperanças de uma Igreja missionária. Ao mesmo tempo, se está perdendo a oportunidade histórica de apoiar a proposta das CEBs.

7. A GRAÇA SILENCIOSA
A devoção popular é a espiritualidade do povo cristão. Ela é particularmente mariana e permanece, apesar de todas as dificuldades que vem encontrando numa sociedade técnica, científica e auto-suficiente. É confundida com esoterismo, rituais cabalísticos, sincretismos religiosos.
Esta fé do povo, que não se separa de gestos de gratuidade e de profunda caridade silenciosa, humilde, perseverante, não depende da presença dos ministros ordenados. Vem sendo passada de geração em geração.

8. MÉTODO: O POVO QUE FAZ TEOLOGIA.
Desenvolve uma Teologia ascendente, a partir da vida. Não privilegia uma reflexão que parte dos dogmas para chegar à vida. E que acaba chegando tarde, respondendo a situações que já passaram. Em outras circunstâncias se concentra de tal maneira em salvar a pureza das verdades (o que obviamente é importante), mas descuidando de criar os meios e instrumentos para implementar os valores proclamados. Isto foi o que aconteceu com o Vaticano II que ajustou turbinas poderosas do Boeing 777 na fuselagem dos pequenos DC 3.

9. NICEIA III E VATICANO III
(Não mais a atitude de: “ou … ou”, mas a convicção de que tem de ser “, e …e”).

A Igreja não pode ser a apresentação de algo imutável, porque ela é “fermento” , está dentro do mundo. É como uma semente que, sendo coerente com o seu próprio ser, muda continuamente em contato com a terra. Continua sempre em perigo de transformar em verdade imutável ou  em Instituição Divina o que é o resultado de situações históricas. 

O Concílio de Niceia I nos apresenta o mistério de Deus e de Cristo, mas na língua grega. O que mais temos entendido do Deus Inesgotável, ao longo dos últimos 1.700 anos? Isso é o que diria o Concílio Niceia III.

O Vaticano III teria que pegar o que foi plantado pelo Concílio Vaticano II, e começou a se desenvolver ao longo dos  últimos 50 anos (Reino de Deus, povo de Deus, Colegiado, Igreja no mundo, teologia das realidades terrenas, liberdade de consciência, ecumenismo, diálogo com as religiões, etc.) e os novos desafios da história da humanidade.

10. O QUE SE ESTÁ PEDINDO DE NÓS
A PARTIR DO COMEÇO DO NOVO PONTIFICADO:
Não reduzir a Igreja a um Papa extraordinário, identificado com o modo do Jesus histórico. A igreja não é o Papa. Não se trata de uma pessoa, mas da Comunidade.
Somos todos nós, não só um papa dos pobres, simples, evangélico … ele é um ícone de uma igreja pobre e servidora.

Simplificar, deixar a burocracia, as pompas, a ostentação do poder.

Se abrir ao povo, sem elitismo de movimentos, de grupos especiais. O objetivo não é uma nova Igreja, mas um mundo segundo o coração de Deus, família humana pluralista na qual estamos para servir e não para conquistar.

Anunciar o que se vive e se ama. Com um diálogo real e ecumênico, dizendo ao mundo que é possível se aproximar dos diferentes e até mesmo daqueles que eram considerados inimigos.

Perdoar erros, pedir perdão pelos erros históricos, dar credibilidade. O objetivo é o Reino.

Os sujeitos mais importantes: não o clero, mas os pobres, os jovens, a mulher, a comunidade.

O método não tem por objetivo conquistar, dar mais poder ou o monopólio à Igreja Católica.

Estamos em Tempo de salvação.

Autor: Pe. José Marins
Tradução:  João Tavares

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