13 fevereiro, 2015

Guia de sobrevivência de Santa Teresa de Ávila para as mulheres católicas

"Teresa de Ávila testemunhou o sofrimento feminino numa Igreja que não valorizava os seus dons, então pôs-se a realizar mudanças. Como parte de suas reformas, escreveu um manual de oração ou, como eu gosto de pensar, um guia de sobrevivência feminista do século XVI", escreve Nicole Sotelo, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 12-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Nicole Sotelo é autora do livro “Women Healing from Abuse: Meditations for Finding Peace”, publicado pela Paulist Press e coordena o sítio womenhealing.com/.

Segundo ela, "Teresa exorta suas companheiras a acreditarem em suas próprias capacidades de reza e acesso a Deus. “Se alguém lhes dizer que a oração é perigosa, considerem esta pessoa o verdadeiro perigo e fujam dele”.

"A transformação da Igreja numa instituição onde verdadeiramente se valorizam as mulheres, no entanto, não está finalizada ainda - conclui Nicole Sotelo.  Quando o papa considera as mulheres “a cereja do bolo” e quando as católicas ainda carecem de plena igualdade, é útil voltarmo-nos novamente para Teresa de Ávila, a santa do século XVI que conhecida o valor das mulheres e que escreveu um guia poderoso para a prática de oração delas. A escrita de Teresa falou ao coração das mulheres a quase cinco séculos atrás.
E ainda fala hoje"

Eis o artigo.

Quando eu era jovem garota, apaixonada loucamente por Deus, uma freira me deu dois livros sobre Santa Teresa de Ávila. Mais tarde, descobri que Teresa e eu tínhamos uma outra coisa em comum além do amor a Deus: uma preocupação para com a igualdade das mulheres. Teresa testemunhou o sofrimento feminino numa Igreja que não valorizava os seus dons, então pôs-se a realizar mudanças. Como parte de suas reformas, escreveu um manual de oração ou, como eu gosto de pensar, um guia de sobrevivência feminista do século XVI.

Na época, as autoridades eclesiásticas não achavam que as mulheres eram capazes de acessar a Deus através da oração por si mesmas. A “oração mental”, ou oração contemplativa, era considerada uma prática perigosa se feita sem a orientação. A Inquisição tinha recentemente banido uma série de livros de orações, e a oração realizada pelas mulheres era particularmente suspeita.

Depois que o confessor de Teresa a proibiu de partilhar sua autobiografia com suas companheiras freiras, ela se pôs a escrever um outro livro: “Caminho da perfeição”. Hoje, este é considerado um clássico espiritual sobre oração. Eu também o considero um clássico espiritual sobre a libertação das mulheres católicas.

Teresa de Jesus, como também é conhecida, foi uma reformada par excellence. Ela sabia que não seria suficiente reformar as estruturas externas. Há também que se reformar internamente, as crenças que carregamos dentro de nós.

Assim, enquanto reformava a Ordem das Carmelitas, a que pertencia, ela também buscou transformar o entendimento que as mulheres têm de si mesmas.

Teresa escreveu um livro de orações para as suas companheiras reformadoras, as irmãs de suas novas comunidades. Ela parecia saber que é na oração mais profunda onde descobrimos a verdade sobre nós mesmas; que nesta oração as suas companheiras poderiam descobrir que elas, também, eram queridas por Deus.

No livro, Teresa embasa seus pensamentos nas Escrituras, proclamando: “Tampouco, tu, Senhor, quando andaste pelo mundo, desprezaste as mulheres; pelo contrário, tu sempre, com grande compaixão, as ajudaste. E encontraste mais amor e fé nelas do que encontraste nos homens”.

E ela recorda as suas irmãs companheiras que as autoridades daqueles tempos, os quais pronunciavam juízos contra as mulheres, não estavam de acordo com o Grande Juiz: “Já que os juízes do mundo são filhos de Adão e todos são homens, não há virtude de mulheres que lhes não lhes seja respeitosa”.

Teresa exorta suas companheiras a acreditarem em suas próprias capacidades de reza e acesso a Deus. “Se alguém lhes dizer que a oração é perigosa, considerem esta pessoa o verdadeiro perigo e fujam dele”.

Acima de tudo, ela encorajou suas contemporâneas a perseverarem na oração, apesar as injunções contra esta prática impostas pelas autoridades eclesiásticas: “Sigam firme, filhas, pois eles não podem lhes tirar o Nosso Pai e a Ave Maria”.

Esta afirmação foi retirada de um manuscrito depois que um de seus censores escreveu na margem: “Parece aqui que ela está repreendendo os Inquisidores que proibiram os livros sobre orações”. De fato.

Certamente Teresa sofreu por suas críticas ousadas. Desde autoridades eclesiásticas que diziam que sua “experiência era do demônio” à prisão domiciliar, ela enfrentou inúmeros processos. Em seu primeiro escrito, “Livro da Vida”, admite: “Houve eventos suficientes para me levar à loucura”.

Mas Teresa sabia que as coisas iriam acabar mudando: “Sim, realmente, vai chegar o dia, meu Rei, em que todos serão conhecidos pelo que são (...) Percebo que estes são tempos em que será errado subestimar almas virtuosas e fortes, muito embora elas são de mulheres”, escreveu em “Caminho de perfeição”.

Ela diz a suas companheiras que Deus vai lhes dar a coragem de que necessitam. Sugere que se “uma ou duas (...) fizerem, sem medo, o que é melhor”, as coisas irão começar a mudar.

Acima de tudo, ela pediu-lhes para continuar com confiança: “É difícil andar neste caminho com medo. É muito importante saberem que estão no caminho certo”.

Este “caminho certo” conduziu à transformação da ordem religiosa de Teresa de Ávila há muitos anos. Este é um dos motivos por que as carmelitas ao redor do mundo vão celebrar o 500º aniversário de seu nascimento no próximo mês.

A transformação da Igreja numa instituição onde verdadeiramente se valorizam as mulheres, no entanto, não está finalizada ainda. Quando o papa considera as mulheres “a cereja do bolo” e quando as católicas ainda carecem de plena igualdade, é útil voltarmo-nos novamente para Teresa de Ávila, a santa do século XVI que conhecida o valor das mulheres e que escreveu um guia poderoso para a prática de oração delas. A escrita de Teresa falou ao coração das mulheres a quase cinco séculos atrás. E ainda fala hoje.

Fonte: IHU