14 março, 2016

'O que é mesmo que estão querendo? - Linha de Tiro.'

A quem interessa criar um clima de guerra civil, no qual a Polícia já começa a interromper plenárias sindicais, violando frontalmente a Constituição ?
Esta trapalhada faz lembrar, também, a insensatez dos movimentos que pedem, ou a renúncia ou o impedimentos da Presidenta – por ódio político ou inconformidade com o resultado eleitoral – sem levar em consideração a instabilidade política e o aumento da crise econômica e social a que o país seria jogado, se isso acontecesse.

Eis o artigo de Tarso Genro

A denúncia feita pelos promotores de São Paulo, que contém o pedido de prisão preventiva do Presidente Lula – de um dos seus filhos e da dona Marisa – pareceu abrir um clarão de lucidez nos meios jurídicos, em setores políticos menos sectários e em boa parte da inteligência do país. Demonstra, também, o grau de partidarização daquele órgão de Estado, a tragédia de parte do nosso ensino jurídico e a escassa capacidade que vem demonstrando um setor daquela corporação, de compreender a importância das suas funções no Estado de Direito, que é diferente daquelas exercidas pela instituição num Estado policial, no qual, Governo e Estado, se confundem no monopólio da violência sem lei.

Qualquer um destes promotores aguentaria dez minutos de debate com Celso Antonio Bandeira de Mello, com Fábio Comparatto, com Dalmo Dallari, com Lenio Streck, com José Geraldo de Souza Junior, com Paulo Abrão, com Luiz Moreira, sem mandar algum deles “catar coquinhos”, como disse um dos brilhantes Promotores, ao responder pergunta de um jornalista sobre a parceria, até então desconhecida, de Marx diretamente com Hegel? Creio que não. Acho que perderiam a cabeça e provavelmente pediriam a solução do impasse de ideias, pelas “vias de fato”, numa mistura de “progrom” cultural, com uma Santa Inquisição pós-moderna.

Esta trapalhada faz lembrar, também, a insensatez dos movimentos que pedem, ou a renúncia ou o impedimentos da Presidenta – por ódio político ou inconformidade com o resultado eleitoral – sem levar em consideração a instabilidade política e o aumento da crise econômica e social a que o país seria jogado, se isso acontecesse.

Vejamos qual seria a sucessão de Dilma (sobre quem não pende nenhuma acusação criminal), sucessão que lembro sem afiançar qualquer uma das acusações que são feitas a estes políticos, já que não se conhece nada de oficial, até agora, sobre imputações que lhes estariam sendo feitas. Cordão sucessório: Vice-Presidente Michel Temer, na linha de tiro do Supremo; deputado Eduardo Cunha, na linha de tiro do Supremo, próximo ao cadafalso; Senador Renan Calheiros, com três inquéritos, na linha de tiro do Supremo. Depois vem o Presidente do STF e o Procurador Geral da República. (Bem, mas poderia ser Aécio, por alguma forma de golpismo institucional? Resposta: já na linha de tiro doSTF, por citação, entre outros, do próprio Senador Delcídio, festejado agora pela mídia como o “novo delator fundamental”).


Costumo consultar, quando tenho dúvidas sobre a estética da linguagem em situações difíceis, um precioso livro deJorge Luís Borges e José E. Clemente (“El Lenguaje de Buenos Aires”,1968), onde os autores compõem uma sinfonia de rejeição “do colonialismo idiomático das academias” e mostram o seu “aborrecimento”, perante “o que chamam “linguistas profissionais”. Lá na pg. 37 desta preciosidade está uma das sentenças lapidares de Borges: “Falam em voz mais alta, isto sim, com a postura dos que ignoram a dúvida.”

A arrogância autoritária destes jovens promotores, não vem somente de um cortejo à grande mídia, na expectativa de que o apoio imediato desta, à prisão de Lula, lhes permitisse suprimir “as dúvidas”, por falarem “mais alto” -através dela- majoritariamente comprometida com o golpismo. Sua arrogância vem, principalmente, da sua visão peculiar do Estado de Direito, como Estado-Polícia, a quem competiria solucionar os conflitos da ordem, a partir de juízos políticos por fora dos parâmetros da Constituição.

Os Promotores de São Paulo, todavia, não levaram em consideração que a sua aventura não seria incensada pela imprensa, não pela sua grosseira falta de juridicidade, mas por enfraquecer um outro “bunker” autoritário, que é - ele mesmo - o preferido do golpismo da grande mídia: a jurisdição ilegal do juiz Moro, instalada em Curitiba.

Os que pedem a deposição da Presidenta, o fazem na expectativa que, colocando um daqueles próceres políticos na Presidência, os inquéritos da “Lava-Jato” vão ser suspensos? Janot vai recolher as suas denúncias? Moro, vai se recolher ao seu trabalho comum? A Polícia Federal vai deixar de investigar? Os vazamentos vão cessar? Os que estão nas ruas, com intenções de denunciar a corrupção na Petrobras, vão voltar para casa? Ou, ao contrário, os movimentos populares da base da sociedade, vão radicalizar as suas mobilizações para que todos sigam o mesmo destino de “exceção”, que retiraria a Presidenta, do Governo? Pergunto: isso não seria criar uma situação de indeterminação política no país, próxima a uma situação revolucionária, sem possibilidades de revolução? Ou seja, o caos a ser resolvido pelos aventureiros da força? Ricardo Noblat – se é verdadeiro o “tuíte” que lhe é atribuído – aposta (e festeja) que a “Lava-Jato” é um instrumento político destinado à derrubada da Presidenta Dilma, o que – efetivamente – hoje ela se tornou. Mas, atenção, hoje ela também se tornou mais do que isso: é um instrumento de desidratação política da democracia que, com a suas imperfeições e misérias, mantém a capacidade orgânica de recuperar-se dentro da Constituição.

A verdade é que, se o impedimento da Presidenta se realizar sem causa legítima, conduzido por Eduardo Cunha como está proposto, este desfecho vai devastar o que tem de “ruim” e de “bom”, na ordem política, e nos legará um sistema de poder ainda mais corrupto e transgressor, que o atual. Isso já ocorreu com Berlusconi, na Itália, quando a moralidade desejada pelo resultado das “mãos limpas”, gerou a amoralidade absoluta das mãos berlusconianas.

Creio que seria melhor um “pacto político de responsabilidade democrática”, para enfrentar uma situação de crise, entre, de um lado, as forças políticas que não tem demonstrado condições suficientes para governar com estabilidade; e, de outro, aquelas forças que não são hegemônicas para substituir a Presidenta dentro da Lei. Este pacto de bom senso, poderia fundar uma solução do impasse dentro da Constituição, entre outras, com as seguintes preliminares: arquivamento dos processos de impedimento; os que querem governar o país, de novo, buscariam isso nas eleições de 2018; ficaria acordada uma unidade contra a destruição da esfera da política, em implantação por processos judiciais nitidamente de “exceção”, que estão em andamento; acordar-se-ia um plano emergencial de retomada do crescimento, para combater o desemprego; ajustar-se-iam cláusulas claras, para uma reforma política e eleitoral imediata, ainda que provisória, principalmente para acabar com a “dinheirização” da política, responsável por grande parte da corrupção no Estado.

O que devemos nos perguntar, neste momento, é a quem interessa criar no país, um clima de guerra civil, no qual a Polícia já começa — como ocorreu sexta à noite no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC- a interromper plenárias sindicais, violando frontalmente a Constituição, que diz todos poderem reunir-se sem armas, sem prévia autorização de qualquer autoridade? A quem interesse iniciar embates “de rua”, entre cidadãos com distintas posições políticas, às vezes vizinhos, às vezes da mesma família? A quem interesse suprimir a política como mediação dos conflitos para colocar, no lugar dela, a força de uma burocracia iluminada, que não responde a ninguém?

Pode interessar a alguém, mas certamente a poucos. Ao país interessa sair desta encalacrada mais forte e mais democrático. Com instituições mais respeitadas e um povo mais feliz, para assumir o seu destino em liberdade. Estamos, na verdade, à beira da hora de uma nova Constituinte, que virá, ou de forma acordada pelas forças políticas majoritárias, em desmoronamento, ou por implosão da ordem atual, com todos os riscos da imprevisibilidade que sucede a violência.

Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul – PT
Fonte: Carta Maior