24 fevereiro, 2017

Anistia Internacional: livre direito à manifestação sofre retrocesso com Temer


Durante o segundo mandato de Dilma Rousseff, manifestantes vestidos de verde e amarelo praticamente não saíam das ruas, protestando contra seu governo. Foi só Michel Temer assumir que o livre direito à manifestação sofreu um grave retrocesso, segundo aponta o relatório da Anistia Internacional sobre 2016, divulgado hoje. Sob Temer, segundo a Anistia, houve “excessivo e desnecessário” uso da força em vários estados para dispersar manifestações contra o governo e a proposta de emenda constitucional (PEC 241/55) que restringe os gastos públicos.
“Estudantes ocuparam pacificamente cerca de mil escolas públicas no país para questionar a reforma da educação e os cortes de investimento propostos pelo governo. Em junho, na cidade do Rio de Janeiro, a polícia usou força excessiva e desnecessária para acabar com o protesto de estudantes no prédio da Secretaria de Educação”, diz o relatório, que aponta “políticas de ódio” como causadoras de um “revés histórico” nos direitos humanos em todo o continente americano.
“Estamos enfrentando um dos ataques mais estruturados contra os direitos humanos nas últimas décadas”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional. “A retórica de ódio e anti-direitos permeou o discurso e as ações da maioria dos líderes políticos da região, colocando a segurança e a vida de milhões de pessoas em perigo. Partindo dos índices alarmantes de violência por parte das forças de segurança, até a crescente onda de ataques contra defensores dos direitos humanos, e a falta de medidas para deter a crise de refugiados, as Américas enfrentam um dos seus piores momentos quando se trata de direitos humanos e justiça.”

Democracia?

Além do ataque ao livre direito de manifestação, o relatório da Anistia Internacional mostra um retrocesso nos Direitos Humanos generalizado após a chegada de Temer ao governo. “O que vimos em 2016 foi o desmantelamento de estruturas institucionais e programas que garantiam a proteção a direitos previamente conquistados, além da omissão do Estado em relação a temas críticos, como a segurança pública”, afirmou a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck. “Nenhuma crise pode ser usada como justificativa para a perda de direitos.”
Em 2016, ataques, ameaças e assassinatos de defensores de direitos humanos aumentaram em comparação a 2015, quando Dilma Rousseff ocupava a presidência. De acordo com o relatório, pelo menos 47 defensores foram mortos entre janeiro e setembro no Brasil, incluindo pequenos agricultores, camponeses, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas, pescadores e ribeirinhos, em sua luta pelo acesso à terras e recursos naturais.
A Anistia mostrou preocupação de que o retrocesso nos direitos humanos se aprofunde ainda mais, com o anúncio, pelo governo Temer, de diversas medidas e propostas que podem ter impacto sobre os direitos humanos, inclusive a PEC que limita os gastos governamentais durante os próximos vinte anos, e que pode ter efeitos negativos nos investimentos em educação, saúde e outras áreas.
“No Congresso, várias propostas que prejudicariam os direitos das mulheres, povos indígenas, crianças, e lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) estavam em discussão. Em setembro, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou mudanças no Estatuto da Família para definir família como a união entre um homem e uma mulher”, criticou o relatório.
Veja a seguir os principais alvos das críticas da Anistia Internacional ao Brasil:

SEGURANÇA PÚBLICA:

As taxas de homicídio e a violência armada continuaram altas no país todo. Segundo as estimativas, o número de vítimas de homicídios em 2015 era de 58 mil. 70% das vítimas morreram atingidas por arma de fogo. A maioria das vítimas é masculina, jovem e negra. As autoridades falharam em propor um plano para abordar a situação. Em setembro, o governo federal autorizou o envio das Forças Armadas para o Rio Grande do Norte para dar apoio à polícia, após vários dias de ataques de grupos criminosos a ônibus e prédios públicos. Pelo menos 85 pessoas foram detidas sob a alegação de terem participado dos ataques. Em 18 de novembro, sete homens foram mortos a tiros em Imperatriz no Maranhão, depois que um policial militar foi alvo de uma tentativa de roubo e agressão quando estava fora de serviço.

JOGOS OLÍMPICOS 2016:

As autoridades e organizadores dos Jogos Olímpicos 2016 não implantaram as medidas necessárias para evitar violações de direitos humanos pelas forças de segurança antes e durante o evento esportivo. Isso levou à repetição das violações já testemunhadas em outros grandes eventos esportivos realizados na cidade do Rio de Janeiro (os Jogos PanAmericanos em 2007 e a Copa do Mundo em 2014). Dezenas de milhares de militares e agentes de segurança foram deslocados para o Rio de Janeiro. O número de pessoas mortas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro imediatamente antes dos Jogos, entre abril e junho, aumentou 103% em relação ao mesmo período de 2015. Os moradores relataram horas de tiroteios intensos e abusos contra os direitos humanos, como buscas domiciliares ilegais, ameaças e agressões físicas. A polícia admitiu ter matado pelo menos 12 pessoas durante os Jogos na cidade do Rio de Janeiro. Durante o trajeto da tocha olímpica por todo o país, protestos pacíficos em Angra dos Reis e Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, foram reprimidos com uso excessivo e desnecessário da força pela polícia. Balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo foram usados indiscriminadamente contra manifestantes pacíficos e pessoas que passavam pelo local, inclusive crianças.

EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS:

Os homicídios pela polícia continuaram numerosos e, em alguns estados, aumentaram. No estado do Rio de Janeiro, 811 pessoas foram mortas pela polícia entre janeiro e novembro. Houve relatos de diversas operações policiais que resultaram em mortes, a maioria delas em favelas. A maioria dos homicídios cometidos por policiais continuaram impunes.

CONDIÇÕES PRISIONAIS:

As prisões continuaram extremamente superlotadas, com relatos de tortura e outros maus-tratos. De acordo com o Ministério da Justiça, até o fim de 2015 o sistema prisional tinha uma população de mais de 620 mil pessoas, embora a capacidade total seja de aproximadamente 370 mil. Rebeliões de presos ocorreram pelo país. Em outubro, dez homens foram decapitados ou queimados vivos em Roraima, e oito morreram asfixiados numa cela durante um incêndio numa penitenciária em Rondônia. Em 8 de março, o Relator Especial da ONU para tortura relatou, entre outras coisas, as péssimas condições de vida e a ocorrência frequente de tortura e outros maus-tratos de presos por policiais e carcereiros no Brasil. Em setembro, um tribunal anulou o julgamento e as sentenças de 74 policiais pelo massacre no presídio de Carandiru em 1992, quando 111 homens foram mortos por policiais.

LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO:

O ano foi marcado por protestos majoritariamente pacíficos pelo país, sobre assuntos como o processo de impeachment, a reforma educacional, violência contra as mulheres, impactos negativos dos Jogos Olímpicos de 2016 e a redução de gastos públicos com saúde e educação. Com frequência, a resposta da polícia era violenta, com uso excessivo e desnecessário de força.

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS:

Os processos de demarcação e titulação dos territórios de povos indígenas continuaram a progredir muito lentamente, apesar do prazo para isso ter terminado há 23 anos. Uma emenda constitucional (PEC 215) que permite aos legisladores bloquear as demarcações — vetando, assim, os direitos dos povos indígenas previstos pela Constituição e pelo direito internacional — 86 Anistia Internacional Informe 2016/17 está em discussão no Congresso. Houve tentativas de bloquer a demarcação de terras, em alguns casos, por grandes fazendeiros.

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E MENINAS:

Em maio, com o afastamento de Dilma, o governo federal interino extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e o reduziu a uma secretaria, parte do Ministério da Justiça, o que causou uma redução significativa dos recursos e programas dedicados a salvaguardar os direitos das mulheres e meninas. Uma série de estudos durante o ano mostrou que a violência letal contra mulheres aumentou 24% durante a década anterior e confirmou que o Brasil é um dos piores países da América Latina para se nascer menina.

Fonte: Cynara Menezes, www.socialistamorena.com.br.

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