09 maio, 2017

O diálogo ecumênico é um dos grandes desafios do cristianismo. Reverenda Lucia Dal Pont- Por Luis Miguel Modino

“O Papa Francisco é um grande profeta, um grande companheiro na abertura para o ecumenismo.”


A Reverenda Lucia Dal Pont é clériga da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Desenvolve seu trabalho pastoral na Paroquia Anglicana São Lucas em Londrina, Pr, cidade que acolherá de 23 a 27 de janeiro de 2018 o 14º Intereclesial das CEBs, com quem tem um trabalho de colaboração em diferentes projetos. 
Nesta entrevista  concedida ao Pe Luis Miguel Modino  para  o  Religion Digital  da Espanha, a Reverenda Anglicana destaca o trabalho comum   entre as diferentes igrejas, sobretudo aquele que faz referência a promoção da vida. Acima de diferenças históricas, que em alguns casos permanecem de ambos os lados, tem que se destacar as tentativas de diálogo que se realizam e a importância da chegada de um Papa latino-americano.
Segue a entrevista:

Estamos no V Centenário da Reforma Luterana, um momento importante e que pode converter-se em decisivo para o diálogo ecumênico. O que se pode assumir nesse momento no caminho do diálogo?

Creio que pode ser muito importante as Igrejas se abrirem para estar juntas nesse processo de reflexão do que significou para o povo, para as pessoas, para nós, cristãos e cristãs do mundo inteiro, esse momento em que se inicia a Reforma Protestante.
Nesta reflexão vamos perceber a importância dos questionamentos e das posturas, de buscar novas formas de viver o cristianismo e olhar para isso como algo que pode trazer uma transformação nesse sentido e fazer que a própria Igreja Romana possa rever suas ações naquele momento. 
Este é um momento muito importante para que possamos fazer esse processo de reflexão, de buscar o que conduziu a essa reforma, quais foram as causas disso e o que trouxe de novidade para os cristãos e cristãs daquela época e nesse processo de quinhentos anos.
Creio que é necessário rever e refletir sobre isso e com muito carinho enquanto Igrejas diferentes da Igreja Luterana, o que está se dando através de diversos movimentos, reflexão, diálogo entre a Igreja Luterana, Romana, Anglicana...   Através de diferentes meios e formas, de encontros nesse sentido, para ver o que trouxe de benefício, o que aprendemos e as novas Igrejas que surgiram como novo modo de viver o cristianismo, pois não existe uma única reforma e sim várias reformas que nos leva a viver esse projeto de Jesus Cristo, o que creio que é muito importante para nossa caminhada.

Quais são as resistências que se encontram dentro da Igreja Romana e das diferentes Igrejas protestantes na hora de fazer avançar esse diálogo ecumênico?

As resistências que eu vejo estão mais na hierarquia das Igrejas, que tem medo de perder membros, de abrir-se ao novo, o qual assusta. Estamos comemorando quinhentos anos desse processo, no Brasil a Igreja Anglicana e Luterana já estão presentes a mais de cem anos e ainda percebemos a dificuldade para esta abertura.
Já tem mais de trinta anos, depois do Concilio Vaticano II, que veio essa abertura ao ecumenismo, em que as Igrejas Anglicanas e Luteranas começaram o diálogo com a Igreja Romana. Houve avanços nessa discussão, mas depois de certo tempo houve um retrocesso, um fechamento por parte das diferentes igrejas. 
Os líderes também influenciam, pois nas diferentes Igrejas, às vezes, existem bispos abertos ao diálogo, o que provoca um avanço. Mas em outros momentos aparecem bispos, clérigos, clérigas, pastores e pastoras mais fechados a essa abertura ecumênica, o que faz que se feche de novo.  Parece que sempre é um processo de idas e voltas, que depende muito de quem lidera e de como se leva adiante essa abertura, dentro de cada instituição religiosa, para com o outro, no sentido de reconhecer a outra Igreja, seja qual seja. 
Creio que o que mais impede esse processo são os próprios líderes, os lideres hierárquicos, bispos, clero, reverendos, reverendas, pastores e pastoras, como a liderança vê isso, a formação, a preparação, o meio de onde vem, como é visto esse diálogo ecumênico.

Pode ser decisivo a liderança do Papa Francisco na Igreja Romana e a vontade expressa que ele tem para avançar no diálogo ecumênico?

Vejo o Papa Francisco como um profeta, com esse novo jeito carinhoso latino-americano de ser, com essa abertura. Para nós da Igreja Anglicana, e também para os irmãos de outras Igrejas, nessa caminhada mais ecumênica, percebemos isso como um grande avanço para a Igreja Romana, essa abertura que ele tem, esse novo modo olhar para a vida, a partir de Roma, do Papa, essa busca do cuidado com a Criação, do cuidado com a vida, de acolher a mãe solteira, o pobre, o mendigo, as pessoas, acolher a vida de um modo geral.
Isso traz um grande avanço para a Igreja Romana e para a abertura ecumênica, pois, no ecumenismo devemos olhar para a vida, e não para as instituições, pois quando olhamos para as instituições vamos nos ficar fechados e voltados para nós mesmos. Quando começamos a ver a vida que sofre, que grita, que está cheia de necessidades, descobrimos o quanto podemos fazer juntos, e o Papa traz essa visão, apesar de que se percebe que esse olhar do Papa, ainda não chegou aos bispos e as dioceses.
Apesar disso, ele faz com que vejamos a Igreja Romana com outros olhos, com outra abertura. Por isso, para nós que formamos parte de outras Igrejas, o Papa Francisco vai ser um grande profeta, um grande companheiro nessa abertura para o ecumenismo, com essa visão de acolher a vida, de buscar as pessoas que sofrem. Isso eu creio que virá a ser um grande avanço, que já está sendo.

Como é a convivência entre os que fazem parte das diferentes Igrejas, entre Igreja Romana e a Igreja Anglicana, na base?

Temos uma convivência muito tranquila. Em Londrina temos o movimento ecumênico de Igrejas cristãs e temos o movimento macro ecumênico ou inter-religioso. A convivência é sempre boa, sobretudo quando tratamos de projetos de transformação da vida. Respeitamos muito a espiritualidade e a forma de viver essa espiritualidade em cada Igreja, cada um tem e vive a sua, mas nos momentos em que estamos juntos, nossas liturgias e celebrações são muito bonitas, participativas, criadas a partir do grupo ecumênico, não somente com uma Igreja preparando para todos.  Buscamos uma espiritualidade e projetamos trabalhos em conjunto.
Se falamos do Brasil, o diálogo entre Igreja Católica Romana e a Igreja Anglicana também é bom. Existe um grande trabalho em conjunto, pois estamos muito próximos a nível de liturgia, de trabalho sobretudo com as Comunidade Eclesiais de Base (CEBs).
Na Igreja   anglicana existe um trabalho que chamamos diaconia, através do qual nos envolvemos em movimentos em defesa da vida, com mulheres, nas periferias das cidades. Nesses trabalhos, quando vamos aos bairros com as pessoas da Igreja Romana, a convivência é muito boa.  
Eu faço parte do Conselho Nacional do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e por isso tenho muita facilidade para estar nesse ambiente ecumênico, A Igreja Romana, sobretudo a Igreja das CEBs, tem muita abertura a leitura popular da Bíblia, o que facilita a convivência, também com a Igreja Luterana, que são as mais unidas nesse processo.

O que o caminho ecumênico traz para sua vivencia de fé?

 Para mim, Reverenda Lúcia, o ecumenismo, essa espiritualidade ecumênica, e o que me dá força na resistência e na luta pela vida. Enquanto cristã, tenho um compromisso muito grande com o projeto de Jesus Cristo, que é muito claro em sua busca pela transformação da vida. Quando falamos disso, não podemos avançar sozinhos como Igreja.
Em primeiro lugar, minha Igreja é pequena, em poucos membros no Brasil, mas para mim o que me faz sentir, viver, é perceber que podemos transpor as paredes da Igreja Anglicana e colaborar com outras Igrejas, iluminados por essa espiritualidade bíblica, fazer trabalhos, ir ao mundo a partir da transformação da vida. A questão ecumênica é muito forte e creio que isso é o que me motiva a viver essa espiritualidade a partir do projeto de Jesus Cristo.

Um dos impedimentos para avançar no diálogo ecumênico entre Igreja Romana e Igreja Anglicana é o papel da mulher na Igreja Anglicana. O que a ordenação das mulheres poderia significar para a Igreja Romana?

Ao analisarmos o trabalho da Igreja Romana percebemos que quem está na base como lideranças são as mulheres, ainda que estão como executoras do trabalho e não dentro do processo discussão e de criação, que forma parte da hierarquia. 
Creio que o trabalho das mulheres, si houvesse maior abertura, acolhida e as mulheres estivessem também dentro desse processo da ordenação feminina, a Igreja Romana teria uma outra vivencia, outra energia para a vida da Igreja e também para o mundo.
Mas eu sei também que a ordenação feminina não é uma coisa fácil, como também não foi para a Igreja Anglicana. Estamos no Brasil a cento e quarenta anos e somente a trinta e cinco anos que a Igreja do Brasil ordena mulheres, porque a Igreja Anglicana é uma comunhão de Igrejas, cada província tem sua organização.
No Brasil celebramos trinta e cinco anos da ordenação feminina no ano passado, e não foi um processo fácil, foi muito difícil, de luta, de exclusão, de enfrentamento, para chegar a esse momento. Creio que isso também tem que acontecer na Igreja Romana, pois são processos que se fazem.
No Brasil, quando a ordenação feminina foi aprovada, foram nas três ordens: diaconisa, presbítera, e bispa, mas até agora, depois de trinta e cinco anos, não conseguimos eleger uma bispa no Brasil, por culpa desse patriarcalismo que está presente. Somos pessoas, em nossa Igreja somos todos iguais, mas na Igreja Anglicana existe um patriarcalismo muito forte, inclusive por parte das mulheres, que nem sempre tem clareza sobre seu papel e como podem se parte importante para essa transformação, e no momento em que acontece uma eleição, pois na Igreja Anglicana o bispo é eleito e não indicado, a própria mulher, que não tem essa consciência, acaba não votando numa mulher como bispa.  É uma prova de como é difícil isso no Brasil, e talvez no mundo inteiro, como consequência do patriarcalismo e sexismo. Temos que avançar muito enquanto mulheres. 

Na Igreja Católica, o Papa Francisco está confiando papéis de responsabilidade para algumas mulheres no vaticano. Ele também está fazendo a proposta da possível ordenação de diaconisas. Crê que é suficiente, importante, o primeiro passo para poder chegar mais longe um dia?

 Pode ser importante, mas creio que não seja o suficiente. Penso que tem que haver outra mobilização, outra luta. Se olharmos para a sociedade, todas as conquistas vieram da base, pois a conquista não é algo que vem de cima.  Se as mulheres se organizam, pois, do meu ponto de vista, se as mulheres na Igreja Romana fizessem um movimento de dizer que vão parar e exigir seus direitos, a Igreja Romana pararia, pois, as mulheres são essa força, essa energia, essa luta, essa organização, são elas que trabalham.
Porém, creio que não é suficiente e que a abertura não vira por aí, mas pela mobilização das mulheres, de exigir seus direitos. Já ouvi muitas mulheres da Igreja Romana dizerem que não vão sair, pois querem estar dentro para incomodar e defender o que pensam.  Mas enquanto não houver uma maior resistência, uma tomada de decisão da própria mulher nesta busca, creio que não acontecerá. 
Publicado em http://www.periodistadigital.com/religion/america/2017/04/13

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