01 setembro, 2017

Um lindo e abençoado final de semana a todas e a todos!

Um lindo e abençoado final de semana a todas e a todos!

"Podes cortar todas as flores 
mas não podes impedir 
a Primavera de aparecer."

Pablo Neruda

Chamar o Mal pelo nome

É preciso denunciar o que existe de diabólico, no Brasil e no mundo




O diabo é, na tradição cristã, a significativa encarnação do mal. Há variadas interpretações, religiosas e científicas, antigas e modernas, de como se dá a existência deste mal encarnado.

Muitas vezes ela é reduzida à imagem de uma entidade, representada de muitas formas, a depender da cultura e do clima social. Por isso as imagens variam de um homem vermelho, com tridente e rabo, a um galã elegante e sedutor, e são fonte de medo, de narrativas orais, teatrais ou cinematográficas, motivo de piadas ou de fantasia do Carnaval.

Recomendamos o livros Satanás e os demônios na Bíblia, de Ildo Bohn Gass.

Na teologia cristã, o diabo é, porém, muito mais do que uma entidade. Compreender isto é ir à origem do termo:

o grego diabolos, o hebraico, Satan, “aquele que divide“, “provocador de confusão, discórdia”. Nesse sentido, enquanto Deus, o Criador, age para unir, harmonizar, trazer paz, o diabo trabalha na oposição: divide, confunde, traz violência. Mais do que uma entidade, diabolos é uma postura, um caráter.

Descartadas aqui as possíveis discussões teológicas, importa, neste espaço, pensar como o significado de diabolos pode nos ajudar a refletir sobre as divisões e a falta de paz do nosso tempo presente. Expressões do muito o que temos visto, ouvido e vivido na próxima esquina ou em uma das telas que nos levam a tantos lugares.

É fato que temos de superar os binarismos certo-errado, legal-ilegal, bem-mal, entre outros. Em nome da vida, da paz e da justiça, precisamos, porém, chamar o mal pelo nome e denunciar o diabólico em curso.

É diabólico que Donald Trump, com poder sobre todo o arsenal bélico atômico dos Estados Unidos, faça uso de um discurso populista de incitação a uma cruzada militar contra não brancos e não cristãos no exterior, e acabe estimulando-a no seu próprio país.

É diabólico que as ações de grupos terroristas, que também o são, sejam usadas para se negar refúgio às massas de seres humanos sem nada que sofrem tanto os efeitos de abusos governamentais quanto de uma globalização econômica inumana.

É diabólico tratar as mudanças climáticas provocadas por este mesmo processo econômico devastador como um “devaneio de ecologistas”, enquanto Ilhas do Pacífico desaparecem, submersas por conta de erosão e aumento do nível do mar, desequilibrando o ambiente e desalojando populações inteiras.

É diabólico um governo que toma o poder para “devolver a dignidade ao Brasil” se revelar espúrio e ainda trabalhar para o capital financeiro conquistar espaços antes limitados e lucrar mais.

É diabólico que este governo e seus aliados usem de recursos públicos para negociar barreiras a investigações sobre si e restrinjam direitos de trabalhadores, reduzam ou extingam projetos que garantem o fundamental à população.

É diabólico propagar midiaticamente no Brasil que “a justiça é para todos”, quando juízes nas diferentes instâncias arbitram com base em compromissos familiares, políticos ou financeiros.

É diabólico que homens e mulheres de baixa renda e escolaridade sigam encarcerados de forma degradante, em unidades superlotadas deste mesmo país, sem as mínimas condições estruturais, tendo milhares deles já cumprido suas penas.

É diabólico decretar a pena de morte a jovens das periferias do Brasil pelo simples fato de terem a pele negra, assim como manifestar indiferença ou apoio a este extermínio.

Diabólicos são ainda a ganância, a extorsão, a propagação da mentira para sustentar o poder, linchamentos morais, racismo, xenofobismo, sexismo, homofobismo, aversão à religião do outro, campanhas para candidatos que encarnam tudo o que até aqui foi descrito.

Age diabolicamente quem promove e apoia estas ações. Nesse sentido, são diabólicas as grandes mídias, que negam ao público informação ampla e responsável, e tomam partido do poder inumano, incitando a confusão e promovendo ódio e negação do diálogo.

Estão também incluídas neste grupo, de forma contraditória, até mesmo lideranças religiosas que se apresentam como agentes de Deus e combatentes do Diabo nos espaços políticos e midiáticos. Já alertava Jesus de Nazaré: “Pelos frutos os conhecereis“. E os frutos que tais lideranças produzem na política, nas mídias, nas ruas, são divisão e confusão.

Mas sempre há chance de exorcizar o diabo: expeli-lo do processo. Por isso há que se ter esperança da presença de cidadãos e grupos, religiosos ou não, que atuam pela superação das ações diabólicas.

Há muita gente fazendo exorcismo com a produção de espaços de paz e diálogo, no oferecimento de fontes alternativas de informação, no chamado à paz com justiça. Esses indivíduos e grupos são, boa parte das vezes, invisíveis, por conta dos processos midiáticos diabólicos. A despeito disto eles/as estão por aí, como fermento na massa, tentando juntar e não dividir. Tentando in-formar (dar forma/dar liga) e não de-formar.  Não vou dar nome ao Bem desta vez. Fica o “trabalho de casa”, para quem ler este texto, de fazer o exercício de identificar quem são e se somar a elas.


Fonte: Texto de Magali do Nascimento Cunha, Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora e pesquisadora em mídia, religião e cultura da Universidade Metodista de São Paulo. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Publicado no blog Diálogos da Fé, de Carta Capital, 31/08/2017.

Fonte: site do CEBI

Síntese do Texto Base do14º Intereclesial: CEBs e os Desafios no Mundo Urbano

“Eu vi e ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7)




            Breve síntese do Texto Base que tem servido de estudo para o 14º Intereclesial a ser realizado em janeiro de 2018 em Londrina/PR, Brasil.

            Como se afirma na própria introdução do Texto Base (TB), escrito por muitas mãos, não se encontra no texto todas as possibilidades de reflexão em torno da questão urbana, mas oferece um caminho no qual se pode começar um aprofundamento. Uma síntese tem um caráter ainda mais limitado.

            De qualquer forma, podemos enfrentar o desafio urbano de modo diferente, mas não podemos deixar de enfrentar tal desafio se queremos, de fato, continuar a propor o Caminho de Jesus Cristo para o mundo de hoje.


VER


           O grande ícone da urbanidade sempre foi a cidade. E hoje, mais do que em qualquer outra época continua sendo. A cidade se configura por um espaço físico e pelas pessoas, com suas respectivas identidades, que constituem um território. Ao mesmo tempo, cada cidade é única. Chegamos a um grau de complexidade no qual o mundo urbano ultrapassa o espaço geográfico das cidades.

            Neste contexto, no Brasil, e praticamente no mundo, chegamos a uma taxa de urbanização em torno de 84%. Um crescimento que se deu em apenas algumas décadas. Tal crescimento trouxe no seu bojo uma enorme diversidade e, ao mesmo tempo, a possibilidade de muita exclusão social. Assim, o eixo fundamental do TB é o direito à cidade, no sentido de que todos os habitantes possam ser incluídos no seu planejamento e construção, sem discriminações e privilégios.

            A vivência religiosa não poderia deixar de ser influenciada por este processo de urbanização. No caso específico da Igreja Católica as Paróquias e Comunidades tem sofrido o impacto de tal dinâmica. As CEBs (Comunidade Eclesiais de Base) igualmente. Assim, torna-se fundamental pensar e viver a experiência de fé dentro de uma realidade de pluralismo religioso.

            A história brasileira do processo de urbanização, semelhante em outras partes do mundo, foi a transformação das cidades em mercadoria. A receita neoliberal abandonou as periferiais, e tem empurrado ainda mais as populações mais pobres para longe dos benefícios sociais, culturais e econômicos dos grandes centros e das grandes metrópoles. A marca ideológica profunda que caracteriza a urbanização, mesmo nos chamados governos progressistas, é o social-desenvolvimentismo, que coloca no centro o mercado e não as pessoas.


JULGAR



 Diante do desafio urbano como a Palavra de Deus e a tradição cristã podem se posicionar?
            A Ampliada Nacional das CEBs do Brasil (Fórum de articulação nacional) foi lá no livro de Êxodo e lembrou que Deus nunca abandona o seu Povo: “Eu vi…, eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7)

            Porém, para aproximar mais a reflexão de nossa realidade, o TB se inspirou no Apóstolo Paulo como o grande exemplo da escuta de Deus aos clamores de uma realidade de cidade. E fecha a reflexão recordando que Paulo, e hoje a Igreja, sobretudo com o que o Papa Francisco, tem nos orientado, estão em sintonia com o Caminho de Jesus Cristo: Aquele que saiu do interior (Galileia) e foi para a grande cidade (Jerusalém).

            Deus habita a cidade. Esta frase do Papa Francisco, dita ainda enquanto Cardeal Bergoglio em 2010 norteia todo o Julgar.

            E é muito interessante perceber como Paulo, formado pela cidade, reconhece Deus onde justamente se imagina que Ele não possa estar. Deus pode ser encontrado no caminho, na casa e na mesa. A Igreja (ekklesia) só tem sentido se é a casa que acolhe aqueles e aquelas que o império não reconhece. Assim Paulo faz uma profunda crítica ao modelo de cidade de então, mas não com o profetismo tradicional, que já não falava mais para um povo cansado de tanta dor e sofrimento, mas com uma profecia apocalíptica. A fé apocalíptica anima a resistir na luta, criando pensamento e práticas alternativas.

            Então, o que Paulo faz é recordar o Caminho de Jesus Cristo. Caminho que o próprio Deus escolheu fazer no humano Jesus de Nazaré, convocando-nos a se converter para uma lógica de inclusão, como está tão bem demonstrado quando Jesus cura o homem da mão seca no dia de sábado (Mc 3,1-6). “Vem para o meio”, diz Jesus. Vem que reconhecerei sua dignidade humana, ainda que nesta sala, não o reconheçam. O cuidado e a defesa da vida vai ser a característica central da BOA NOVA DE JESUS CRISTO.

            O TB vai recordar que a Igreja se manteve fiel ao Caminho de Jesus quando foi capaz de apontar para a necessidade de incluir a todos e todas em uma sociedade justa e fraterna. Somente assim é possível ver sinais do Reino de Deus na história humana.

            Finalmente é lembrado o já famoso “três T” de Francisco.  O Papa nos lembra de que o mundo de hoje não pode ser justo se não houver Terra, Trabalho e Teto digno para todos. E mesmo sendo uma síntese, vale a pena reproduzir uma parte do seu discurso em uma favela africana, em 2015, em Nairobi:

Neste sentido, proponho que se retome a ideia duma respeitosa integração urbana. Nem erradicação nem paternalismo, nem indiferença nem mero confinamento. Precisamos de cidades integradas e para todos. Precisamos ir além da mera proclamação de direitos que, na prática, não são respeitados, e promover ações sistemáticas que melhorem o habitat popular e projetar novas urbanizações de qualidade para acolher as futuras gerações. A dívida social, a dívida ambiental para com os pobres das cidades paga-se tornando efetivo o direito sagrado dos «três T»: terra, teto e trabalho. Isto não é filantropia, é um dever moral de todos.

AGIR




          Diante dos desafios no mundo urbano, o TB aponta 10 situações nas quais devemos estar atentos e atentas para fazer sinais do Reino, sempre na direção de uma lógica de inclusão, o que em termos políticos significa buscar políticas públicas: as questões relativas a moradia; a mobilidade urbana; a violência, ao meio ambiente e sustentabilidade; trabalho; saúde, educação; arte, cultura, esporte e lazer; tecnologias de informação e comunicação; afetividade e sexualidade.

            E evidentemente, cada CEB, integrada a uma rede de comunidades, em comunhão com a Igreja, deve sustentar a vida espiritual dos seus membros para que todos e todas possam manter viva a esperança de outro mundo possível. Possam encontrar força e consolo para viver os desafios do mundo urbano, o que não é nada fácil. Porém, a esperança de um mundo melhor deve estar sempre presente na vida cristã.

----------------

Celso Pinto Carias (assessor da Ampliada Nacional das CEBs do Brasil e do Setor CEBs da Comissão Episcopal para o Laicato da CNBB).


O artigo acima é parte da 4ª Edição do Jornal A Caminho Leia na integra:

 http://www.cebsdobrasil.com.br/2017/08/27/a-caminho-edicao-04-agosto-de-2017cc/


Mês da Bíblia