21 março, 2018

Confessar é envergonhar-se do que fez, afirma o papa


Confessar é envergonhar-se do que fez, afirma o papa

Papa Francisco, “Se eu pergunto: ‘Vocês são todos pecadores?’ – ‘Sim, padre, todos’ – ‘E para receber o perdão dos pecados?’- ‘Nos confessamos’ – ‘E como você se confessa?’- ‘Vou, digo meus pecados, o padre me perdoa, me dá três Ave Marias para rezar e vou embora em paz’.

Afirma o papa, “Você não entendeu! Fazendo assim, você foi ao confessionário fazer uma operação bancária ou um processo burocrático. Não foi lá envergonhado pelo que fez. Viu algumas manchas em sua consciência e errou, porque pensou que o confessionário fosse uma lavanderia para limpar as manchas. Você foi incapaz de envergonhar-se por seus pecados”.

O Santo papa reza pedindo a graça da vergonha diante de nosso Deus - "Peçamos hoje ao Senhor a graça de entender este “setenta vezes sete”. Peçamos a graça da vergonha diante de Deus. É uma grande graça! Envergonhar-se dos próprios pecados e assim receber o perdão e a graça da generosidade de dá-lo aos outros, porque se o Senhor me perdoou tanto, quem sou eu para não perdoar?”.

O poder de assassinar pessoas sem o risco de ser punido

"A diferença entre a opressão humana, como senhora da estrutura soberana socioeconômica, mandante dessa realidade, e a exclusão social da conjuntura que a expressa aparece clara nesses números, não exclusivos do meio rural, como se sabe, mas também do meio urbano", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

Eis o artigo.

O assassinato da vereadora negra Marielle está sendo objeto de opiniões as mais apaixonadas e controvertidas, como sempre acontece quando morre algum/a defensor/a de direitos humanos que tenha se notabilizado em defender gente pobre. A violência do chamado “sistema” sócio econômico e político vigente no Brasil, atualmente estreitando os laços históricos que o servem dentro do Estado, nem está mais preocupada em mostrar o seu poder de agressão ao direito alheio, especialmente se esse for considerado contrário a qualquer dos seus interesses.

Para essa outro tipo de PPP (política privado-pública), se for necessário eliminar a vida de pessoas ou grupos que a ela se oponham, utilizar de novo os métodos terroristas do Estado, torturando e matando como aconteceu em 1964, isso será feito. E agora, “de acordo com o devido processo legal”, como as infâmias da história “oficial” do país tentem convencer terem sido justificadas as mortes de muitas heroínas e heróis do passado brasileiro, verdadeiras/os ancestrais de Marielle. Como Zumbi, as/os líderes das revoltas de Queimados, o “Almirante negro” João Cândido da revolta da chibata, entre muitas/os mortos por se insurgiram contra a escravidão e abusos do Poder Público.

Por uma trágica coincidência, no mesmo dia 14 deste março em que Marielle foi assassinada, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) publicou nota em seu site, onde se pode identificar tanto as causas remotas e, de fato, praticamente inimputáveis da violência e da insegurança, ora crescendo no Brasil, quanto as causas próximas das injustiças presentes em uma e outra. Depois de denunciar o boicote de toda a política pública imposta desde o golpe institucional, no que se refere ao acesso à terra da multidão que à ela tem direito, diz a nota:

“A face mais cruel deste cenário é o crescimento dos conflitos e da violência no campo. Os números gritam. Em 2017, 65 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo(dados parciais), registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino(CEDOC) da CPT. O número mais elevado desde 2003. Quase metade deles em situações de massacres (3 mortos ou mais na mesma ocasião): 9 pessoas em Colniza (MT), 10 em Pau D’Arco (PA), 6 em Lençóis (BA) e 3 em Vilhena (RO). E ainda circularam notícias de massacres de mais de uma dezena de indígenas isolados que, por causa mesmo do seu isolamento, é muito difícil comprovar. Mas, se comprovados, dariam a 2017 um macabro recorde. Além dos assassinatos e massacres, outro expediente tem sido mais acionado para “liberar” as terras: expulsões de famílias diretamente pelo latifúndio e o agronegócio, e despejos de outras milhares de famílias em cumprimento a ações judiciais favoráveis a supostos proprietários e/ou grileiros. Entre os anos de 2012 e 2016 foram despejadas 52.737 famílias no campo brasileiro, segundos dados do CEDOC da CPT. Só na região Sul do Pará, no final de 2017, a Vara Agrária de Marabá determinou a execução de sentenças de reintegração de posse contra 2 mil famílias. Talvez por isso também Marabá tenha sido escolhida para o presidente golpista celebrar os números de sua anti-reforma agrária. Neste início de ano, já houve o despejo, entre outros, de 800 famílias em Canguaretama (RN), 400 em Iranduba, Manacapuru e Novo Airão (AM), 140 em Capitão Enéas (MG).” {...} “em 2017 não foi assentada nenhuma família sem-terra. Nenhuma! Continuam elas sendo cerca de 4,8 milhões, neste país continental, de maioria das terras sendo públicas e griladas e com a maior área ainda agricultável do planeta. E os povos indígenas e comunidades tradicionais continuam à espera de seus direitos constitucionais, dívida histórica mais uma vez postergada.”

A diferença entre a opressão humana, como senhora da estrutura soberana socioeconômica, mandante dessa realidade, e a exclusão social da conjuntura que a expressa aparece clara nesses números, não exclusivos do meio rural, como se sabe, mas também do meio urbano. Daí as reações “legais” literalmente armadas pela estrutura da opressão, no atacado, contra quem ousa, tem a coragem de contariá-la, no varejo, conjunturalmente, como fazia Marielle e fazem movimentos sociais populares como o MST e o MTST.

Disso dá exemplo o projeto de lei do deputado Jerônimo Goergen, aqui já criticado, enquadrando os protestos de um e outro desses movimentos como terroristas. Com o apoio da bancada ruralista, ele já conseguiu assinaturas suficientes para impor urgência na aprovação do mesmo.

Eis-nos devolvidos, nos termos desse projeto de lei, ao atraso da época em que a escravidão era considerada legal, a opressão política e a exclusão socialpremiadas como virtudes cívicas, e não punidas pelo Direito Penal. O assassinato de Marielle - basta a leitura de alguns comentários vergonhosos transitando pelas redes sociais - avisa e confirma o conselho do cineasta Marcos Manhãs Marins, publicado pela Editora Caros Amigos (”Revoltas populares no Brasil", fascículo 6), sobre a conveniência de se reexaminar as causas e os efeitos da “revolta da Chibata”, justamente por ela ter revelado, em pleno nascimento da nossa República, o que de pior havia na escravidão do negro durante o Império:

“Considero importante discutir a revolta. Ela remete a uma reflexão sobre a soberba com que algumas autoridades ainda tratam as pessoas, como se fossem senhores de escravos. Isso não se restringe à Marinha, a “chibata virtual” está presente em vários lugares: na turba de justiceiros (estes que lincham negros ao menor sinal de suspeita), no racismodos policiais (nas abordagens, nas prisões sem provas), nos autos de resistência (que justificam a morte de milhares de jovens negros), no racismo judiciário (que permitem que negros fiquem mais tempo presos e só 27% obtenham absolvição contra 67% de brancos), nos espancamentos e execuções sumários por policiais que prendem e matam mais negros do que brancos, e no assédio moral de diversas empresas e instituições privadas e públicas, ao negro e ao pobre.”

Marielle morreu pela mão desses poderes. Por mais que eles prossigam oprimindo politicamente (estrutura) e excluindo socialmente (conjuntura), ela vai ressuscitar em cada brasileira/o que seguir o seu exemplo.


Fonte: IHU