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O papa proferiu esta quinta-feira no Vaticano a
intervenção mais vigorosa e crítica sobre questões sociais, políticas e
económicos desde que foi eleito bispo de Roma, há pouco mais de dois
meses.
«Enquanto o rendimento de uma minoria cresce
exponencialmente, o da maioria enfraquece», afirmou no discurso aos
novos embaixadores de quatro países junto da Santa Sé
O «desequilíbrio» na distribuição dos rendimentos
deve-se às «ideologias que promovem a autonomia absoluta dos mercados e
a especulação financeira, negando assim o direito de controlo aos
estados em ordem a proverem o bem comum», salientou.
Este processo, prosseguiu, «instaura uma nova
tirania invisível, por vezes virtual, que impõe unilateralmente e sem
remédio possível a sua lei e a sua regra».
«O endividamento e o crédito» estão a distanciar
os países da sua economia real e os cidadãos do seu poder de compra
efetivo, disse.
Francisco vincou que o ser humano é hoje considerado «como um bem de consumo que se pode usar e deitar fora».
«A maior parte dos homens e mulheres do nosso
tempo continua a viver em precariedade diária», o que implica
«consequências psicológicas», como «o medo e o desespero», fenómenos
que ocorrem também «nos países consideradas ricos».
Ao mesmo tempo que diminui «a alegria de viver»,
cresce a «indecência e a violência», a par do crescimento da «pobreza»:
«Tem de se lutar para viver, e muitas vezes para viver de maneira que
não é digna».
O discurso denunciou a «adoração do antigo vitelo
de ouro [imagem pagã anteposta pelos judeus a Deus], que encontrou uma
nova e cruel imagem no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem rosto nem objetivo realmente humano».
«A crise financeira que estamos a atravessar
faz-nos esquecer a sua primeira origem, situada numa profunda crise
antropológica» e na «negação do primado» do ser humano, acrescentou.
Segundo Francisco «a solidariedade» a que chamou
«o tesouro dos pobres», é frequentemente considerada contraproducente,
contrária à racionalidade financeira e económica».
O discurso aos embaixadores apontou ainda a
«corrupção tentacular» e a «evasão fiscal egoísta» que tomaram
«dimensões mundiais», ao mesmo tempo que «a vontade de poder e de
possessão tornou-se ilimitada».
Este posicionamento perante o dinheiro, o poder e
os mais pobres revelam «a recusa da ética» e também «de Deus»,
considerado nos meios «financeiros, económicos e políticos» como
«perigoso» dado que «chama o homem à sua plena realização e à
independência de todo o género de escravidão».
A intervenção incluiu uma citação de São João
Crisóstomo: «Não compartilhar com os pobres os próprios bens é roubar
deles e tirar-lhes a vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas
deles».
Depois de apelar a uma «reforma económica
saudável» envolvendo «uma mudança corajosa das atitudes dos dirigentes
políticos», Francisco vincou que «o dinheiro deve servir, e não
governar».
«O papa gosta de todos, ricos e pobres; mas o
papa tem o dever, em nome de Cristo, de recordar ao rico que deve
ajudar o pobre, respeitá-lo e promovê-lo», declarou.
Nesta quarta-feira foi revelado
que o Instituto para as Obras de Religião, entidade financeira do
Vaticano, vai lançar um site e publicar anualmente as suas contas, com o
objetivo de aumentar a transparência da entidade.
Rui Jorge Martins
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