19 agosto, 2020

POR QUEM CHORAR?

O bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, divulgou artigo com o título “Por quem chorar?”. No texto, dom Joel recorda as vítimas da covid-19, as pessoas que passam fome, as vítimas do racismo, a criança estuprada e a criança abortada. “Diante de tudo isso, eu me pergunto: por quem chorar? Mas, ao mesmo tempo, eu me coloco a questão se as lágrimas possuem uma única direção, se o direito a ser chorado pertence apenas a uma pessoa ou um tipo de morte”, reflete o bispo. 

“Não podemos nos dar por satisfeitos porque postamos nossas opiniões nas redes sociais, enquanto aguardamos outras notícias para com elas interagir e deixar a vida seguir seu curso. Choro para que não anestesiemos nossas consciências achando que a morte é a solução para a morte. Quando um povo se dá por satisfeito com a morte, na verdade, ele se tornou, ao mesmo tempo, vítima e carrasco“, afirma o secretário-geral da CNBB. 

Leia o texto na íntegra: 

POR QUEM CHORAR? 

“Não vos conformeis com este mundo, 

mas transformai-vos…” (Rm 12,2) 

Abro os olhos para a vida e me deparo com a morte. Vejo os mais de 107 mil mortos pela covid-19. Vejo as mensagens que pedem alimento para quem enfrenta a fome. Fecho os olhos e recordo as vítimas do racismo. Volto a abri-los e vejo uma criança de dez anos estuprada, ao que foi informado, repetidamente, tendo-se encontrado no aborto a solução. Diante de tudo isso, eu me pergunto: por quem chorar? Mas, ao mesmo tempo, eu me coloco a questão se as lágrimas possuem uma única direção, se o direito a ser chorado pertence apenas a uma pessoa ou um tipo de morte. 

Choro, então, por todas as vítimas. Choro pelo bebê, cuja morte foi considerada a melhor das soluções. Choro pela menina-mãe, que, aos seis anos, como informam os noticiários, já tinha sua vida profanada por alguém que lhe deveria proteger. Choro pelos demais adultos que, em situações como aquela, não conseguem perceber que uma criança está sendo violentada. Choro pelas crianças abandonadas, algumas perambulando pelas ruas a pedir alimento e, com certeza, afeto. 

Choro por quem patologicamente se aproveita de uma criança. Choro por quem vergonhosamente se enriquece com o tráfico de drogas e pessoas ou por meio da corrupção em suas variadas formas. 

Choro pelos inúmeros brasileiros que não encontram atendimento nos hospitais porque lhes faltam respiradores e utis. Choro pelos desempregados, pelos famintos, pelos indígenas desrespeitados em sua história e sua saúde, pelos sem casa, sem escola, pelos deprimidos, os sem paz nem esperança. Choro pelos que são perseguidos e agredidos em razão de suas crenças, pelos que são obrigados a largar suas pátrias e se refugiar onde a morte não esteja tão próxima. Choro porque me dizem que tenho que escolher por quem chorar. 

Choro, enfim, por não contribuir como deveria para que não nos satisfaçamos com soluções imediatas para problemas crônicos. Não podemos nos dar por satisfeitos porque postamos nossas opiniões nas redes sociais, enquanto aguardamos outras notícias para com elas interagir e deixar a vida seguir seu curso. Choro para que não anestesiemos nossas consciências achando que a morte é a solução para a morte. Quando um povo se dá por satisfeito com a morte, na verdade, ele se tornou, ao mesmo tempo, vítima e carrasco. 

Não temos como recuperar a vida do bebê abortado. Não temos como devolver à menina-mãe tudo que lhe foi tirado. Não há como ter de volta os que o coronavírus levou embora, nem os mortos pelo preconceito, pela exclusão, a fome, as guerras e a violência. Temos, no entanto, a chance e o dever de manter viva a pergunta pelas razões de tudo isso. E, mais ainda, temos a oportunidade de, unidos, contribuirmos para um mundo onde todas as pessoas tenham suas vidas amparadas, defendidas. A vida é a única resposta que se pode esperar de uma sociedade madura. 

As vítimas das inúmeras formas de morte esperam de nós união de forças, diálogo, cooperação e partilha. Suas mortes chegam à nossa mente como impacto. Suas memórias permanecem entre nós como saudade. Seus legados devem nos conduzir ao enfrentamento pacífico, dialogal e solidário das causas mais profundas de uma sociedade que, no fim, escolhe a morte. 

Brasília-DF, 17 de agosto de 2020 

Joel Portella Amado 

Secretário-Geral da CNBB

Rezemos juntos

Rezemos juntos,

Pela cura de todos os tipos de vírus que gera morte, “Por um lado, é essencial encontrar uma cura para um pequeno mas terrível vírus que põe o mundo inteiro de joelhos. Por outro, temos de curar um grande vírus, o da injustiça social, desigualdade de oportunidades, marginalização e falta de proteção para os mais vulneráveis. Nesta dupla resposta de cura há uma escolha que, segundo o Evangelho, não pode faltar: é a opção preferencial pelos pobres. E isso não é uma opção política, não é uma ideologia, nem de partido, não. A opção preferencial pelos pobres está no centro do Evangelho. Jesus foi o primeiro a fazê-la. Sendo rico, se fez pobre, para nos enriquecer, fez-se um de nós.” (Papa Francisco)

Papa exorta a curar as epidemias causadas pelos pequenos vírus e pelas grandes injustiças sociais

“A pandemia é uma crise e de uma crise não se sai iguais: ou saímos melhores ou saímos piores. Nós deveríamos sair melhores, para melhorar as injustiças sociais e a degradação ambiental. Hoje temos uma oportunidade de construir algo diferente.", disse Francisco em sua catequese, afirmando que seria triste se uma vacina contra a Covid-19 "se tornasse propriedade desta ou daquela nação e não universal para todos."




Jackson Erpen – Vatican News

O Papa deu continuidade nesta quarta-feira na Biblioteca do Palácio Apostólico a sua série de catequeses dedicadas à pandemia, uma situação que nos oferece "a oportunidade para construir algo diferente". "Pandemia é uma crise e de uma crise não se sai iguais. Deveríamos sair melhores". No entanto, "se o vírus voltar a se intensificar em um mundo injusto em relação aos pobres e vulneráveis", devemos mudar este mundo. "Devemos agir agora para curar as epidemias causadas por pequenos vírus invisíveis, e para curar as que são provocadas pelas grandes e visíveis injustiças sociais", tendo como critério, o amor de Deus.


Curar um grande vírus, o da injustiça social

“A pandemia – ressaltou o Pontífice logo ao iniciar - acentuou a situação dos pobres e a grande desigualdade que reina no mundo. E o vírus, sem excluir ninguém, encontrou grandes desigualdades e discriminações no seu caminho devastador. E aumentou-as!” Diante deste quadro, é necessária uma dupla resposta:


“Por um lado, é essencial encontrar uma cura para um pequeno mas terrível vírus que põe o mundo inteiro de joelhos. Por outro, temos de curar um grande vírus, o da injustiça social, desigualdade de oportunidades, marginalização e falta de proteção para os mais vulneráveis. Nesta dupla resposta de cura há uma escolha que, segundo o Evangelho, não pode faltar: é a opção preferencial pelos pobres. E isso não é uma opção política, não é uma ideologia, nem de partido, não. A opção preferencial pelos pobres está no centro do Evangelho. Jesus foi o primeiro a fazê-la. Sendo rico, se fez pobre, para nos enriquecer, fez-se um de nós.”
Critério-chave da autenticidade cristã

Recordando a forma como Jesus viveu sua vida terrena - despojando-se e fazendo-se semelhante aos homens, vivendo sem privilégios na condição de servo, nascido numa família humilde e tendo trabalhado como artesão, estando no meio dos doentes, leprosos, dos pobres e dos excluídos, mostrando-lhes o amor misericordioso de Deus,– o Papa observou que se reconhece os seguidores de Jesus “pela sua proximidade aos pobres, aos pequeninos, aos doentes, aos presos, aos excluídos, aos esquecidos, a quantos estão sem comida e sem roupa. É o protocolo pelo qual seremos julgados" (Mateus 25). E este – acentuou Francisco - é um critério-chave de autenticidade cristã.

O Pontífice observa que “alguns pensam erroneamente que este amor preferencial pelos pobres é uma tarefa para poucos, mas na realidade é a missão de toda a Igreja”, como afirmou São João Paulo II em sua Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis. “Cada cristão e cada comunidade - afirmou, citando a Evangelii Gaudium - são chamados a ser instrumentos de Deus para a libertação e promoção dos pobres”.
Trabalhar em conjunto para curar as estruturas sociais doentes

“A fé, a esperança e o amor impulsionam-nos necessariamente para esta preferência pelos mais necessitados, que vai além da assistência necessária”, acrescentou, explicando:

“Trata-se de caminhar juntos, deixando-se evangelizar por eles, que conhecem bem Cristo sofredor, deixando-nos “contagiar” pela sua experiência de salvação, sabedoria e de sua criatividade. Partilhar com os pobres significa enriquecer-se uns aos outros. E se existem estruturas sociais doentes que lhes impedem de sonhar com o futuro, devemos trabalhar em conjunto para curá-las, para mudá-las. E a isto conduz o amor de Cristo, que nos amou ao extremo e chega até aos confins, às margens, às fronteiras existenciais. Trazer as periferias para o centro significa centrar as nossas vidas em Cristo, que «se fez pobre» por nós, a fim de nos enriquecer «através da sua pobreza».”
Deveríamos sair melhores da crise

Há uma expectativa para retomar as atividades econômicas e voltar à normalidade. As consequências sociais da pandemia preocupam a todos, "todos!" No entanto – chama a atenção o Papa – esta “normalidade” “não deve incluir injustiça social e degradação ambiental”:

“A pandemia é uma crise e de uma crise não se sai iguais: ou saímos melhores ou saímos piores. Nós deveríamos sair melhores, para melhorar as injustiças sociais e a degradação ambiental. Hoje temos uma oportunidade de construir algo diferente. Por exemplo, podemos fazer crescer uma economia de desenvolvimento integral dos pobres e não de assistencialismo. Com isso não quero condenar o assistencialismo, as obras assistenciais são importantes. Pensemos no voluntariado, que é uma das estruturas mais belas que tem a Igreja italiana. Isto sim, faz o assistencialismo, mas devemos ir além, resolver os problemas que nos levam a fazer o assistencialismo. Uma economia que não recorra a remédios que na realidade envenenam a sociedade, tais como rendimentos dissociados da criação de empregos dignos. Este tipo de lucro é dissociado da economia real, aquela que deveria beneficiar as pessoas comuns e é também por vezes indiferente aos danos infligidos à casa comum.”

A vacina contra a Covid-19 e os quatro critérios de juda às indústrias 

A opção preferencial pelos pobres – reitera o Santo Padre - esta necessidade ética e social que vem do amor de Deus, “dá-nos o estímulo para pensar e conceber uma economia onde as pessoas, e especialmente as mais pobres, estejam no centro. E também nos encoraja a projetar o tratamento dos vírus, privilegiando quem tem mais necessidade”:

“Seria triste se essa vacina contra a Covid-19 fosse dada a prioridade aos mais ricos! Seria triste se esta vacina se tornasse propriedade desta ou daquela nação e não universal para todos. E que escândalo seria se toda a assistência econômica que estamos a observar - a maior parte dela com dinheiro público - se concentrasse no resgate das indústrias que não contribuem para a inclusão dos excluídos, para a promoção dos últimos, para o bem comum ou para o cuidado da criação. São critérios para escolher quais são as indústrias a serem ajudadas: aquelas que contribuem para a inclusão dos excluídos, para a promoção dos últimos, para o bem comum e com o cuidado da criação. Quatro critérios!”
Mudar o mundo a partir do amor de Deus

Se o vírus se voltar a intensificar num mundo injusto em relação aos pobres e vulneráveis, devemos mudar este mundo, enfatiza o Pontífice. Neste sentido, a exemplo de Jesus, médico do amor divino integral, isto é, da cura física, social e espiritual - devemos agir agora para curar as epidemias causadas por pequenos vírus invisíveis, e para curar as que são provocadas pelas grandes e visíveis injustiças sociais.

Proponho – disse Francisco ao concluir - que isto seja feito a partir do amor de Deus, colocando as periferias no centro e os últimos em primeiro lugar. "Não esquecer o protocolo pelo qual todos seremos julgados, Mateus, capítulo 25. Coloquemo-lo em prática nesta retomada da pandemia. E, a partir deste amor concreto - como diz o Evangelho - , ancorado na esperança e fundado na fé, será possível um mundo mais saudável. Do contrário, sairemos piores da crise. Que o Senhor nos ajude, nos dê a força para sairmos melhores, respondendo às necessidades do mundo de hoje. Obrigado!".