19 junho, 2020

A MORTE NÃO PEDE LICENÇA - Celso Pinto Carias (“mendigo de Deus”)

"Que possamos, quando o vírus não mais nos assustar, abraçar as pessoas e dizer que a vida não se consume pelo ter, que a vida de todos os seres humanos e do planeta dependerá de nossa capacidade de encontrar um VIVER capaz de harmonizar todas as dimensões da vida." 

A MORTE NÃO PEDE LICENÇA 
Celso Pinto Carias (“mendigo de Deus”) 

Esta semana tive notícia de três mortes bem dramáticas. Um presbítero meu colega na PUC-Rio, que conhecia há anos, Pe. Marcos, 52 anos, levado pela COVID; uma criança, 7 anos, afilhada de um amigo, Larissa; e Caio, jovem de 28 anos, filho de um casal amigo. A criança fez um transplante que não deu certo, e o jovem estava à espera de um. 

Meu pai morreu aos 54 depois da quinta operação de hérnia, minha mãe aos 62 por um infarto dentro de um ônibus, e minha irmã mais nova aos 46. Uma amiga, com pouco mais de 40 anos, Rosangela, depois de ir a uma missão na África, morreu de malária, pois a identificação aqui no Rio do tipo de malária demorou. 

Finalmente, a COVID-19 já deixou enlutada quase 50 mil famílias. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se não fosse este desgoverno geral em suas várias instâncias. 

A morte sempre envolve muitos sentimentos. E, em muitos casos, dependendo da situação, tais sentimentos podem causar muito sofrimento. Quando o pai de Caio me ligou fiquei muito triste, pois não tinha muito que dizer para o meu amigo. 

O que tudo isso pode nos ensinar? São Francisco de Assis chamava a morte de irmã. Esta pandemia, por exemplo, pode mostrar para nós que uma sociedade com alto grau de empatia com o outro é capaz de superar muita dificuldade. É capaz até de vivenciar a morte como uma dor que deixa a marca profunda da saudade, mas que não nos impede de continuar buscando o real sentido da vida. E por isso, podemos olhar para ela e chamar de irmã. 

Porém, podemos passar pela pandemia continuando a construir uma sociedade que se isola da compaixão, e não da proteção, ou que pensa no sapato que deve comprar no shopping ou quinquilharias na Rua Uruguaiana no Centro do Rio, como substitutos do viver, como drogas que dão satisfação momentaneamente, e por isso, quando a morte chega, olhar para ela com grande medo. Uma sociedade assim está fadada a encontrar a morte como um terror, como uma experiência de individualismo tão grande que causará mais sofrimento ainda, que nenhum remédio é capaz de curar. 

Penso que nossas orações não devem implorar por não morrer, pois todos e todas morremos. Mas deve implorar por aprender a morrer. Ouvi muita dor na voz do meu amigo, mas ouvi algo muito edificante também: “quem sabe não seja o melhor, são anos de internações e sofrimentos”. 

Senhor, que possamos aprender a morrer. Que possamos estar do lado dos que sofrem com uma esperança que aponta para a plenitude da vida que começa aqui e agora em cada gesto de amor. Que possamos, quando o vírus não mais nos assustar, abraçar as pessoas e dizer que a vida não se consume pelo ter, que a vida de todos os seres humanos e do planeta dependerá de nossa capacidade de encontrar um VIVER capaz de harmonizar todas as dimensões da vida. E assim, poderemos olhar para a morte como parte de nosso processo existencial e poder abraça-la como irmã.