15 outubro, 2015

Ano Santo da Misericórdia

Um pequeno texto que escrevi para contribuir com a reflexão diante desta linda proposta do Ano Santo da Misericórdia.

Ano Santo da Misericórdia 

Como descobrir o rosto e o grito de quem pede compaixão?
Como “Eu” e “Você”, podemos descobrir e aproximar levando a misericórdia de nosso Deus?

Papa Francisco convoca o Jubileu da Misericórdia, e ao anunciar o ano jubilar disse: "Decidi convocar um Jubileu Extraordinário que tenha o seu centro na Misericórdia de Deus. Será um Ano Santo da Misericórdia."

Misericórdia significa ter capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente, aproximar seus sentimentos dos sentimentos de alguém, ser solidário com as pessoas. Misericórdia é também um grito de quem pede compaixão.

Ao anunciar o Ano Jubilar da Misericórdia, o papa justificou dizendo: “Pensei muitas vezes no modo como a Igreja pode tornar mais evidente a sua missão de ser testemunha da misericórdia. É um caminho que começa com uma conversão espiritual; e devemos fazer este caminho." – e cheio de ternura disse: “ninguém pode ser excluído da misericórdia de Deus” e que a Igreja “é a casa que acolhe todos e não recusa ninguém”. “As suas portas estão escancaradas para que todos os que são tocados pela graça possam encontrar a certeza do perdão. Quanto maior é o pecado, maior deve ser o amor que a Igreja manifesta aos que se convertem”.

Na bíblia misericórdia é o meio pelo qual nosso Deus age. Um olhar profundo no rosto leva a inserir na realidade da outra pessoa. O Ano da Misericórdia propõe ir ao encontro do outro, descobrir seu rosto. O rosto do outro é uma verdadeira manifestação, sair do eu para encontrar-se com o tu, uma relação real, vivido com participação viva, afetuosa, de dedicação, cuidados e de forma dinâmica. O rosto do outro revela o rosto de nosso Deus. A misericórdia de Jesus revela o que de mais humano existe em Deus e o que de mais divino existe na mulher e no homem.

Precisamos conhecer a carta do papa “Misericordiae Vultus (MV)” e deixar acender em nós a chama que não devemos deixar que nos roubem a alegria da Evangelização, que devemos nos aproximar mais do nosso povo, em primeiro lugar daquelas pessoas que se encontram à margem da sociedade.

Em nossas Paróquias, em nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na rua em que moramos como descobrir o rosto e o grito de quem pede compaixão? Como “Eu” e “Você”, podemos descobrir e aproximar levando a misericórdia de nosso Deus?

O grito dos que pedem compaixão está muito presente nos doentes, idosos, dependentes químicos, desempregados, nos que cometem erros, nos afastados e de seus familiares; no posto de saúde, comércio e nos colégios em nosso bairro.

Devemos nos aproximar com a misericórdia que nos leva a entrar na vida das pessoas, sentir suas dores, seus sonhos, suas alegrias, angustias, para juntos nos deixarmos surpreender por Deus e encontramos caminhos de superação, fraternidade e justiça: “A igreja sentir-se-á chamada ainda mais a cuidar das feridas  (das pessoas), aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-los com a misericórdia e tratá-los com solidariedade e atenção devidas. Não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na comodidade que anestesia o Espírito e impede de descobrir a novidade, no animo que destrói” (MV 15).

Misericordiae Vultus apresenta um caminho de peregrinação em direção da Misericórdia. A proposta desse ano jubilar precisa ser prolongado pela vida toda, porque nunca se esgota a experiência do perdão e a necessidade da presença amiga da Igreja.

O Ano da Misericórdia terá início no dia 8 de dezembro desde ano, na solenidade da Imaculada Conceição, neste dia celebra-se também o 50º aniversário da conclusão do Concílio Vaticano II.  O encerramento do Ano Santo será no dia 20 de novembro de 2016, na Solenidade litúrgica de Jesus Cristo Rei do Universo . 

E se o “egoísmo humano” for um mito interesseiro?

Novas pesquisas sugerem: nossa espécie é majoritariamente colaborativa, altruísta e solidária. Ideia da ganância coletiva pode ser projeção ideológica dos que concentram poder e capital.

O artigo é de George Monbiot, jornalista e ambientalista inglês, publicado por Outras Palavras, 14-10-2015.  A tradução é de Inês Castilho.

Eis o artigo.

Você se debate contra os sinais de indiferença e egoísmo humanos? Sente-se oprimido pela sensação de que, enquanto se preocupa com o mundo, ao contrário de muitos outros? Julga que a indiferença de pessoas iguais a você está esvaziando o que resta da civilização e da vida na Terra? Se assim é, você não está sozinho. Mas também não está certo.

Um Estudo da Fundação Causa Comum a ser publicado em novembro, revela duas descobertas transformadoras. Aprimeira é que a grande maioria das 1000 pessoas pesquisadas – 74% – identifican-se mais fortemente com valores altruístas do que com valores egoístas. Significa que estão mais interessadas em gentileza, honestidade, perdão e justiça do que em dinheiro, fama, status e poder. A segunda é que uma maioria semelhante – 78% – acredita que os outros são mais egoístas do que realmente são. Ou seja, cometemos um terrível erro sobre o comportamento das outras pessoas.

A revelação de que a característica humana dominante é, digamos, a humanidade, não é surpresa para quem acompanhou o recente desenvolvimento das ciências sociais e do comportamento. As pessoas, sugerem essas descobertas, são basica e intrinsecamente boa gente.

Um artigo de revisão  no jornal Fronteiras em Psicologia (Frontiers in Psychology) afirma que nosso comportamento em relação a membros de nossa espécie que não são nossos parentes é “espetacularmente incomum, comparado ao de outros animais”. Enquanto chimpanzés aceitam partilhar comida com membros do seu próprio grupo, embora geralmente só depois de importunados por pedidos agressivos, com estranhos eles tendem a reagir violentamente. Chimpanzés, observam os autores, comportam-se mais como o Homo economicus da mitologia neoliberal do que as pessoas.

Os humanos são, ao contrário, ultrassociais. Possuem uma elevada capacidade de empatia, sensibilidade sem paralelos para as necessidades do outro, um nível incomparável de preocupação com o bem-estar deste e capacidade de criar normas morais que generalizam e fazem valer essas tendências.

Esses traços emergem tão cedo em nossas vidas que parecem inatos. Ou seja, parece que evoluímos para nos tornarmos assim. Por volta dos 14 meses, as crianças começam a ajudar umas às outras — por exemplo pegando coisas para aquelas que não as conseguem alcançar. Quando chegam aos dois anos, passam a compartilhar objetos que valorizam. Aos três, começam a protestar contra a violação das normas morais por outras pessoas.

Um texto fascinante do jornal Infância (Infancy) revela que isso não tem nada a ver com recompensa. Crianças de três a cinco anos mostram-se menos propensas a ajudar alguém pela segunda vez se foram recompensadas ao fazê-lo pela primeira vez. Ou seja, recompensas externas parecem minar o desejo intrínseco de ajudar. (Pais, economistas e governos, anotem, por favor.)

O estudo descobriu também que crianças dessa idade estão mais inclinadas a ajudar pessoas que percebem estar sofrendo, e que desejam ver tal pessoa amparada, seja ou não por elas próprias. Isso sugere que são motivadas por um interesse genuíno no bem-estar da outra pessoa, ao invés do desejo de posar de benevolentes.

Por que razão? Como a árdua lógica da evolução produziria tais resultados? A questão é objeto de debates acalorados. Uma escola de pensamento defende que altruísmo é a resposta lógica à vida em pequenos grupos de parentes próximos, e a evolução, distraída, não foi capaz de perceber que agora vivemos em grandes grupos, a maioria composta por estrangeiros. Uma outra argumenta que grandes grupos, com grande número de altruístas, irão superar grandes grupos com grande número de egoístas. Uma terceira hipótese insiste em que a tendência à colaboração melhora a  sobrevivência de cada um, independentemente do grupo em que se encontre. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é motivo para celebrar.

Se é assim, por que conservamos uma visão tão sombria da natureza humana? Em parte, talvez, por razões históricas. Filósofos, de Hobbes a RousseauMalthus a Schopenhauer, cujo entendimento da evolução humana limitava-se aoLivro de Gênesis, produziram relatos persuasivos, influentes e catastroficamente equivocados sobre o “estado de natureza” (nossas características inatas, ancestrais). Suas especulações sobre esse assunto deveriam há muito ter sido colocadas numa prateleira alta, etiquetada de “curiosidades históricas”. Mas de alguma forma elas ainda parecem exercer controle sobre nossas mentes.

Outro problema é que – quase por definição – muitos daqueles que dominam a vida pública têm fixação incomum em fama, dinheiro e poder. Seu extremo autocentramento faz deles uma pequena minoria. Mas, como estão em todo lugar, achamos que são representativos da humanidade.

A mídia idolatra riqueza e poder, e às vezes lança ataques furiosos contra pessoas que se comportam altruisticamente. Vale atentar para o espaço dado, nos jornais e TVs, a pessoas que falam e escrevem como se fossem psicopatas.

As consequências desse pessimismo indevido sobre a natureza humana são notáveis. Como revelam as entrevistas e a pesquisa da Common Cause Foundation, os que têm visão mais sombria da humanidade são os que tendem a votar menos. Por que razão o fariam, raciocinam, se todos os outros votam apenas segundo seus próprios interesses egoístas? De modo interessante, e que pode alarmar pessoas da minha sensibilidade política, também descobriram que as pessoas de ideias libertárias tendem a ter uma visão das outras pessoas mais sombria que a dos conservadores. Você quer que as ideias de transformação social avancem? Se é assim espalhe a notícia de que as pessoas, em sua grande maioria, são bem-intencionadas.

A misantropia abre campo para a minoria gananciosa, e alucinada pelo poder, que tende a dominar nossos sistemas políticos. Se soubéssemos quanto são anormais, estaríamos mais inclinados a rejeitá-los e buscar líderes melhores. Isso contribui para o perigo real que enfrentamos: não um egoísmo generalizado, mas uma passividade generalizada. Bilhões de pessoas decentes balançam suas cabeças enquanto o mundo pega fogo, imobilizadas pela convicção de que ninguém mais quer saber de nada.

Você não está só. O mundo está com você, ainda que não tenha encontrado sua voz.

1% da população mundial concentra metade de toda a riqueza do planeta

Desigualdade aumentou desde da crise de 2008 e chega ao ápice em 2015. 
2015 será lembrado como o primeiro ano da série histórica no qual a riqueza de 1% da população mundial alcançou a metade do valor total de ativos. Em outras palavras: 1% da população mundial, aqueles que têm um patrimônio avaliado em 760.000 dólares (2,96 milhões de reais), possuem tanto dinheiro líquido e investido quanto o 99% restante da população mundial.
A reportagem é de Ignacio Fariza e publicada por El País, 14-10-2015.
Essa enorme disparidade entre privilegiados e o resto da Humanidade, longe de diminuir, continua aumentando desde o início da Grande Recessão, em 2008. A estatística do Credit Suisse, uma das mais confiáveis, deixa somente uma leitura possível: os ricos sairão da crise sendo mais ricos, tanto em termos absolutos como relativos, e os pobres, relativamente mais pobres.
No Brasil, a renda média doméstica triplicou entre 2000 e 2014, aumentando de 8.000 dólares por adulto para 23.400, segundo o relatório. A desigualdade, no entanto, ainda persiste no país, que possui um padrão educativo desproporcional, e ainda a presença de um setor formal e outro informal da economia, aponta o relatório.


Em O Preço da Desigualdade, um dos últimos livros de Joseph E. Stiglitz, o Nobel de Economia utilizou uma poderosa imagem da Oxfam para ilustrar a dimensão do problema da desigualdade no mundo: um ônibus que por ventura transporta 85 dos maiores multimilionários mundiais contém tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial.
Hoje, essa impactante imagem, plenamente em voga, ganha a companhia de outras que deixam latente a crescente desigualdade entre os privilegiados e o resto do mundo: um de cada 100 habitantes do mundo tem tanto quanto os 99 restantes; 0,7% da população mundial monopoliza 45,2% da riqueza total e os 10% mais ricos têm 88% dos ativos totais, segundo a nova edição do estudo anual de riqueza publicado na segunda-feira pelo banco suíço Credit Suisse, feito com dados do patrimônio de 4,8 bilhões de adultos de mais de 200 países.
O que causou esse novo aumento da disparidade? A entidade financeira aponta a melhora dos mercados financeiros: a riqueza dos mais ricos é mais sensível às subidas de preço de ações de empresas e outros ativos financeiros que a do restante da população. No último ano, os índices de referência dos mercados das principais bolsas europeias e norte-americanas, o Eurotoxx 50 e o S&P 500, subiram mais de 10%.
Outro dado dá base à tese do aumento da desigualdade: ainda que o número dos muito ricos (aqueles que têm um patrimônio igual ou superior aos 50 milhões de dólares [195 milhões de reais]) tenha perdido aproximadamente 800 pessoas desde 2014 por conta da força da moeda norte-americana frente ao resto das grandes divisas, o número de ultrarricos (aqueles que têm 500 milhões de dólares [1,95 bilhão de reais]) ou mais aumentou “ligeiramente”, segundo o Credit Suisse, para quase 124.000 pessoas. Nem sequer o ajuste pela taxa de câmbio é capaz de neutralizar o aumento. Por país, quase a metade dos muitos ricos vive nos EUA (59.000 pessoas), 10.000 deles vivem na China e 5.400 vivem no Reino Unido.
Com esses dados, não é de se estranhar a satisfação mostrada na segunda-feira pelo responsável pela Gestão de Patrimônios do Credit Suisse para a Europa, o Oriente Médio e a África, Michael O’Sullivan: seu negócio não deixou de crescer desde o estouro da maior crise desde a Segunda Guerra Mundial. “Nossa indústria está em pleno crescimento, a riqueza seguirá com sua trajetória de subida”. Suas previsões não podem ser mais eloquentes. O número de pessoas com um patrimônio superior a um milhão de dólares (3,9 milhões de reais) crescerá 46% nos próximos cinco anos, até chegar aos 49 milhões de indivíduos.
Toda a riqueza mundial em seu conjunto, por outro lado, crescerá até 2020 um robusto, mas inferior, índice de 39%. NaEspanha, o número de pessoas com patrimônio superior a um milhão de dólares (3,90 milhões de reais) chegou em 2015 a 360.000 pessoas, 21% a menos do que no mesmo período em 2014. A Espanha é o nono país que mais perdeu milionários no último exercício. Da mesma forma que o restante da zona do euro, a evolução é distorcida pela fragilidade do euro frente à moeda norte-americana.