09 janeiro, 2019

Saiba mais sobre a Aldeia Maracanã, alvo de ataques no Rio

Aliado de Bolsonaro, deputado estadual eleito fez declarações de ódio contra indígenas na última semana.


Você já ouviu falar na Aldeia Maracanã? Localizada na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a aldeia urbana foi erguida por indígenas de diferentes etnias, em 2006, no terreno onde era abrigado o antigo Museu do Índio. Muito se falou sobre a aldeia, em 2013, quando o terreno foi alvo de disputa a partir da intenção do governo do estado do Rio de derrubar o prédio para construção do Complexo do Maracanã, que receberia partidas da Copa do Mundo de 2014.

Após o anúncio da medida polêmica, indígenas e inúmeros movimentos populares resistiram. A reação, que gerou diversas ocupações e desocupações do terreno, fez o ex-governador Sérgio Cabral voltar atrás e prometer a implantação de um centro cultural do índio. Mas, quatro anos depois, recheados de escândalos de corrupção no estado, nada foi feito. Os indígenas permanecem no local e aguardam o resultado de um processo judicial para que consigam a posse definitiva do terreno. O julgamento deve acontecer em fevereiro.

O cacique José Urutau é uma das lideranças que segue em resistência. Em 2013, ele chamou a atenção do país ao ficar em cima de uma árvore por pelo menos 26 horas como um dos protesto contra a desocupação da Aldeia Maracanã. O cacique chama atenção para importância da aldeia: único espaço de referência indígena que restou na cidade do Rio de Janeiro.

“Vieram mexer com a nossa espiritualidade, esse local é um patrimônio espiritual para a gente. Aqui viviam os povos Maracanã e Tupinambá, era um grande aldeamento. Nós não viemos até o Maracanã, a cidade que veio até nós. A cidade é um grande cemitério indígena que nos engoliu. Nós aqui não temos estrutura nenhuma, mas seguimos lutando”, explica.

CRIME DE ÓDIO

Nas últimas semanas, populações indígenas vem sofrendo uma série de ataques e ameaças das mais diferentes esferas dos governos. Um dos ataques foi feito pelo deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), o mesmo que destruiu uma placa em homenagem a Marielle Franco em um ato de campanha. Ele afirmou que a Aldeia Maracanã é "lixo urbano" e defendeu que a área seja utilizada com atividades que visem lucro.

“É uma declaração racista e fascista, que representa acima de tudo a incitação ao ódio. Estamos vivendo ataques institucionais nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Essa fala acirra o ódio que as pessoas que não entendem a questão indígena tem. É no mínimo irresponsável um representante do povo agir dessa maneira”, exclama o cacique.

Para Leif Grünewald, antropólogo e professor visitante do programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a declaração reflete a forma mais perversa de racismo que existe.

“Mostra o total desconhecimento do que é o Brasil e o que são os povos tradicionais. Mais grave ainda é dizer não os considera como gente, isso reforça o caráter fascista desses políticos. Na Alemanha o que aconteceu foi justamente isso: não considerar os judeus humanos foi justificava para todo tipo de atrocidade e violência contra essas pessoas”, explica.

O deputado eleito ainda declarou que, "quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que além de ser comunista ainda é presidida por um índio". Em seguida, autoridades bolivianas também reagiram com indignação às declarações, inclusive o presidente Evo Morales.

"Lamentamos o ressurgimento da ideologia de supremacia racista. Perante a intolerância e a discriminação, nós povos indígenas promovemos o respeito e a integração. Temos os mesmos direitos porque somos filhos da mesma Mãe Terra", escreveu Morales em sua conta de Twitter.

De acordo o advogado da Aldeia Maracanã, Araão Araújo, dois processos estão sendo registrados contra o deputado eleito: um criminal e outro de danos morais. Também estão sendo organizadas ações de apoio, como um abaixo assinado que já tem adesão de diversas organizações internacionais.  

“Ele cometeu crimes gravíssimos com essa declaração. É crime de intolerância, crime de ódio. Enquanto servidor público ele tem a obrigação de promover a dignidade humana, não atacar e promover o ódio”, explica o advogado.

DESMONTE DA FUNAI

O ataque aos indígenas também veio de forma institucional como um dos primeiros atos de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) na Presidência. Na última semana, Bolsonaro assinou uma medida provisória em que autoriza que a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país seja feita pelo Ministério da Agricultura, não mais pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão tinha essas como umas de suas principais atividades nos últimos 30 anos.

“Essa medida é uma bomba atômica. Ela legitima e autoriza a violência, que já existe, mas também impede e mobiliza populações de acionarem determinados mecanismos que funcionavam para eles. É golpe cruel e violento demais com populações que sofrem muito. Esse novo contexto vai exigir muita mobilização política dos índios. De qualquer modo, o estrago a curto prazo pode ser enorme”, avalia o antropólogo Leif Grünewald.

A Funai foi criadaem 1967 em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio, fundado em 1910.

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A aldeia urbana foi erguida por indígenas de diferentes etnias, em 2006, no bairro Maracanã, na zona Norte do Rio de Janeiro / George Magaraia.

Fonte: Brasil de fato
Mariana Pitasse,9 de Janeiro de 2019  
Edição: Eduardo Miranda  

O que é o Pacto Global para Migração, que Bolsonaro decidiu abandonar?


Antes mesmo da posse do novo governo, o capitão reformado fazia críticas ao documento da ONU

O Pacto Global para Migração, documento internacional debatido no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), tem sido alvo recorrente de Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe governamental. Nesta terça-feira (8), o Ministério das Relações Exteriores pediu a diplomatas brasileiros que comunicassem à Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil saiu do acordo. A informação foi divulgada pela rede de notícias BBC e ainda não foi oficializada pelo Itamaraty.

O Pacto, que começou a ser discutido em 2017, estabeleceu diretrizes para o acolhimento de imigrantes. Os países signatários se comprometem a dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, a colaborar para que a garantia de direitos humanos não seja atrelada nacionalidades, e a adotar restrições à imigração somente como último recurso.

Estima-se que 258 milhões de pessoas vivam em um país diferente do seu país de nascimento – um aumento de 49% desde 2000 –, de acordo com números divulgados pelas Nações Unidas no mês passado.

Antes mesmo da posse, Ernesto Araújo, agora chanceler, afirmou que o Brasil deixaria o Pacto sob o novo governo. Na ocasião, em 10 de dezembro de 2018, o governo Temer (MDB) e representantes de outros 164 países aderiram ao acordo. Nove dias depois, a Assembleia Geral da ONU se posicionaria favoravelmente aos termos do Pacto por maioria: 152 foram favoráveis ao endosso da instância, 24 não se posicionaram, 12 se abstiveram e 5 foram contrários. 

O último bloco foi formado por Estados Unidos, Hungria, Israel, República Tcheca e Polônia, todos países governador por conservadores. Já empossado, Bolsonaro prometeu ao secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que a saída brasileira se efetivará. O enfraquecimento simbólico do Pacto interessa ao governo republicano de Donald Trump, que tem como uma das propostas a construção de um muro na fronteira com o México. 

O novo governo brasileiro argumenta que o Pacto violaria a soberania nacional. O secretário-geral da ONU, António Guterres, rebateu o argumento, utilizado por diversos países contrários ao Pacto, afirmando que o documento não permite que as Nações Unidas imponham políticas ou sanções aos países signatários. 

Catia Kim, advogada e integrante do Projeto Migrantes Egressas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), explicou ao Brasil de Fatopontos polêmicos em relação ao Pacto. O primeiro deles é que, formalmente, o documento não tem status de tratado internacional, portanto, não gera obrigações para o país no direito internacional e tampouco integra o ordenamento jurídico nacional. 

“O pacto é uma carta de princípios, não tem um caráter vinculativo, como outros tipos de documentos, como tratado internacional. Ele não cria novos direitos, isso é muito importante destacar”, diz.

O objetivo do documento, segundo ela, é o de estabelecer “diretrizes e objetivos para políticas públicas locais para concretizar tratados que já existem”, tendo dois grandes eixos: o compartilhamento de informações e dados entre os países – incluindo para casos de tráfico de pessoas – e o aproveitamento do potencial social e econômico da migração para o desenvolvimento. 

Como não há obrigações formais, também não há sanções. Entretanto, Kim alerta que a saída brasileira pode gerar “desconforto diplomático” e reações no campo da política internacional que podem afetar os interesses brasileiros nas relações exteriores. 

“Abandonando, nós podemos, por exemplo, ter dificuldades para a vinda de mão de obra especializada de outros países [um dos temas do Pacto]. Se isso se tornar uma questão diplomática complexa, com parte dos países signatários pressionando para que o Brasil se mantenha, pode ser que haja eventuais problemas para brasileiros em outros países”, conjectura. 

O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que as posições do governo Bolsonaro sobre o Acordo Climático de Paris, também criticado pelo novo governo, poderiam inviabilizar um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. 

Antes de tomar posse, o capitão reformado do Exército utilizou a França como suposto exemplo negativo do impacto da imigração. A mensagem foi rebatida pelo embaixador Francês nos EUA, o que pode indicar que a relação diplomática com o país europeu pode ser tensionada pelas opções de Bolsonaro e sua diplomacia.

Fonte: Brasil de Fato
Rafael Tatemoto ,8 de Janeiro de 2019 

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira  

Em nota CIMI aponta medidas inconstitucionais do governo Bolsonaro sobre direitos indígenas



O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou no último dia 4 de janeiro uma nota na qual repudia as medidas que pretendem gestar o país a partir de propósitos que visam desqualificar os direitos individuais e coletivos de comunidades e povos tradicionais, atacar lideranças que lutam por direitos, ameaçar e criminalizar defensores e defensoras do meio ambiente, indigenistas, entidades e organizações da sociedade civil. Conheça, abaixo, a íntegra do documento.

O presidente da República Jair Bolsonaro, minutos depois de sua posse, em 01 de janeiro de 2019, editou a Medida Provisória 870/2019. A MP tem a finalidade de estabelecer a estrutura do governo, os objetivos e funções de seus ministérios e órgãos e as medidas a serem adotadas pela administração pública federal.

Dentre as medidas está a transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai), que até então encontrava-se no Ministério da Justiça (MJ), para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Concomitante a isso, retirou da Funai as suas principais atribuições, de proceder aos estudos de identificação e delimitação de terras, promover a fiscalização e proteção das áreas demarcadas, bem como aquelas onde habitam povos que ainda não estabeleceram contato com a sociedade nacional.

O governo, além de esvaziar as funções legais do órgão de assistência aos povos e comunidades indígenas, transferiu para o Ministério da Agricultura, comandado por fazendeiros que fazem oposição aos direitos dos povos, a atribuição de realizar os estudos de identificação, delimitação, demarcação e registro de áreas requeridas pelos povos indígenas. Em suma, o governo decretou, em seu primeiro ato no poder, o aniquilamento dos direitos assegurados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, carta magna do país. Bolsonaro atacou severamente os povos indígenas, seus direitos fundamentais a terra, a diferença, o de serem sujeitos de direitos e suas perspectivas de futuro.

Entregar a demarcação de terras indígenas e quilombolas aos ruralistas – transferindo tal responsabilidade da Funai e do Incra ao Ministério da Agricultura – o governo desrespeita as leis e normas infraconstitucionais, bem como afronta a Constituição Federal. Fere, de pronto, o Art. 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – sobre povos indígenas e tribais, promulgada pelo Decreto n 5051, de 19 de abril de 2004, bem como afronta o Art. 1º do Decreto 1775/1996, Art. 19 da Lei 6001/1973 e os Arts. 1º e 4º do Decreto nº 9010/2017. A medida fere ainda os direitos culturais dos Povos Indígenas com fundamento no Art. 129, inciso V, da Constituição Federal.

O Conselho Indigenista Missionário vem a público repudiar tais medidas e denuncia-las como sendo componente de um conluio articulado pela bancada ruralista, empresários da mineração e da exploração madeireira com o objetivo desencadear um intenso processo de esbulho das áreas demarcadas, entregá-las a empreendimentos da iniciativa privada do país e do exterior e, além disso, inviabilizar novas demarcações de terras tradicionais.

No entender do Cimi, o governo recém-empossado pretende gestar o país a partir de propósitos que visam desqualificar os direitos individuais e coletivos de comunidades e povos tradicionais, atacar lideranças que lutam por direitos, ameaçar e criminalizar defensores e defensoras do meio ambiente, indigenistas, entidades e organizações da sociedade civil, ou seja, todos aqueles que se colocarem contra o projeto de exploração indiscriminada das terras e dos recursos nelas existentes. Não é à toa que a mesma medida provisória, determina que uma Secretaria de Governo, chefiada por um militar, faça o monitoramento de atividades e ações de organismos internacionais e organizações não governamentais no território nacional.

Nos discursos de posse do presidente e de seus ministros houve a sinalização de que o governo agirá de modo autoritário, haja vista afirmações de que não se pretende ouvir propostas que não as dos segmentos políticos e econômicos que o governo defende. Os pronunciamentos do ministro-chefe da Casa Civil dão sinais de que teremos um governo sectário, que atuará sem ouvir a sociedade civil organizada.

O Cimi confia que os Poderes Legislativo e Judiciário, quando forem chamados a avaliar e a se manifestar acerca do que está sendo deliberado e proposto, agirão com imparcialidade, prudência e sobriedade para desfazer todas proposições consideradas ilegais, tais como o deslocamento da competência da demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura e a ausência de consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades originárias e tradicionais estabelecidas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada pelo Estado Brasileiro, portanto aceita e incorporada ao ordenamento Jurídico do país.

Acreditamos que, a partir do protagonismo dos povos indígenas, das demais comunidades e grupos sociais afetados pelas medidas arbitrárias do governo Bolsonaro, serão desencadeadas intensas articulações, campanhas e mobilizações – no país e no exterior – com o objetivo de chamar a atenção de organismos e sociedades para a desastrosa política posta em prática no Brasil, conclamando a todos a se manifestarem junto às autoridades, na perspectiva de que a Medida Provisória 870/2019 seja rejeitada pelo Congresso Nacional assegurando então que os direitos individuais e coletivos tornem-se prioritários frente aos interesses políticos e econômicos corporativos.

Brasília, 04 de janeiro de 2019

Conselho Indigenista Missionário