06 junho, 2019

Pra você que correu pra linha do pênalti pra inocentar Neymar de estupro

Você aí que correu pro gol pra chamar Neymar de menino e a moça de vagabunda, você está ajudando a difundir o que nós chamamos de cultura de estupro. Uma cultura que sempre culpa a vítima e que faz com que um grande número de mulheres não denuncie. Porque sabemos que o que está acontecendo com a moça que acusou Neymar acontece com todas as vítimas", escreve Lola Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará - UFC, em artigo publicado no seu blog 'Escreva Lola Escreva', 03-06-2019.

Eis o artigo.

Estou um pouco sem tempo e nem ia escrever sobre o caso Neymar, mas depois de ver que um grupo de agentes de segurança pública está dizendo que ele deveria imitar o goleiro Bruno, e depois de um troll comentar "eu sabia que você não iria falar daquela vagabunda", decidi arranjar um tempinho e escrever.
A esta altura todo mundo que não vive numa caverna sabe que, na sexta-feira, noticiou-se um boletim de ocorrência com uma denúncia de estupro contra Neymar. O caso aconteceu no dia 15 de maio, quando o staff do jogador pagou as despesas para que uma modelo brasileira se encontrasse com ele em Paris (ela voltou ao Brasil no dia 17).
Anteontem, o pai de Neymar foi recebido por Datena em seu programa de TV (Brasil Urgente). Disse que o sexo foi consentido e que houve uma tentativa de extorsão por parte de um advogado em nome da vítima. Datena, que foi acusado de assédio sexual por uma jornalista, chamou o jogador de 27 anos de "menino" (três vezes), "moleque" (quatro vezes), "jovenzinho" e "garoto" e, não preciso nem dizer, o defendeu.
O apresentador ainda se queixou que essas notícias de acusação têm muita repercussão, mas, "se você for considerado inocente lá na frente", pouco se noticia. Dois pontinhos, antes de seguir em frente. Um, essas acusações têm tanta repercussão justamente por causa de programas sensacionalistas como o dele. Dois, um escroque que tem um programa em rede nacional há décadas reclamando que não tem espaço para repercutir sua "inocência" é muita cara de pau.
Para "provar" sua inocência, Neymar colocou as mensagens trocadas e as imagens sensuais que a moça mandou pra ele. Nem precisava! Pra grande maioria das pessoas que imediatamente inocentam o jogador e condenam a mulher, só o fato d'ela ter ido pra Paris se encontrar com ele num hotel já mostra que ela queria transar com ele. E, se ela queria, então não houve estupro, né? Essa gente provavelmente não acredita que existe estupro marital. E crê que uma prostituta não pode ser estuprada -- afinal, ela vive de fazer sexo. É só o cara pagar que pode fazer o que quiser com ela!
Luciana Bugni lembrou que Neymar tem 119 milhões de seguidores, e que, entre eles, há inúmeras crianças. O vídeo que ele divulgou teve mais de 20 milhões de visualizações antes de ser removido. Além da exposição típica de pornografia da vingança -- Neymar está sendo investigado pelo vazamento das fotos --, seu vídeo é bastante didático. Como diz Luciana, "Mostrar essas conversas parte da premissa machista de que a mulher que manda nudes é uma vagabunda. E, se mandou nudes, 'merece ser comida'. [...] E estimula o pensamento de que a mulher que demonstra desejos sexuais é uma piranha, mas o homem que faz isso é o comedor".
Eu já fui essa pessoa que crê que, se uma mulher vai ao quarto de um cara à noite, é obviamente porque ela quer dar pra ele; logo, se houve sexo, foi consentido. Eu, que sou feminista assumida desde criança, achei a maior bobagem quando o Mike Tyson foi acusado de estupro, em 1991. Afinal, Desiree Washington, concorrente a Miss Black America, entrou porque quis no quarto de hotel de Tyson, então um jovem mito do boxe. Se ela entrou no quarto era porque queria transar, né? (felizmente, o júri não pensou como eu, e Tyson foi condenado a seis anos de prisão).
Como eu disse lá em cima, agentes de segurança pública estão compartilhando esta imagem num grupo, sugerindo que Neymar deveria tratar sua "Maria Chuteira" como o goleiro Bruno tratou a sua. Mas não é sério, claro, é só brincadeirinha, nós feministas é que não temos senso de humor quando não rimos de piadas sobre estupro e feminicídio. Depois o pessoal estranha por que uma mulher não denuncia a violência contra ela. Vai denunciar pra quem? Pro agente de segurança pública que "brinca" com o caso de uma mulher que foi assassinada e cujo corpo foi devorado por cachorros?
Um blog do MBL (não vou por o link aqui, não dou ibope pra reaças) estampou que você precisa apoiar Neymar nessa "treta ridícula". O blog dá o nome completo da vítima e diz que mulheres acusam homens famosos injustamente de estupro para se promoverem. Assim, "criminalizam a masculinidade" (note que quem associa masculinidade a estupronão sou eu, uma feminista -- é um misógino). E conclui que "Neymar foi corajoso em expor sua intimidade para defender sua honra". Nossa, que coragem a do "garoto"! Expor mensagens em que uma mulher diz que quer transar com ele!
Não entendi bem de onde deduzem que a moça que acusou Neymar quer a fama. Ela foi à polícia denunciar. Não apareceu em programa de TV. Não divulgou vídeo na internet. Não é ela que está divulgando seu nome. Pelo contrário, o caso corre em segredo de justiça. Quem está divulgando nome e fotos da moça é a trupe que defende o jogador. E ele mesmo. E Neymar, que pagou R$ 8 milhões num acordo com a Receita Federal(não é verdade que o governo Temer perdoou uma dívida de 200 milhões do jogador, mas é verdade que Neymar sonegou impostos, assim como vários outros atletas), não é qualquer um. Ele tem muito poder, muita fama.
Outra coisinha: se a mulher quisesse mesmo armar pro pobre menino Neymar, teria deixado um monte de mensagens "comprometedoras", antes e depois do ato?
Segundo o Uol Esporte apurou, a moça entregou à polícia um dossiê com imagens e documentos que não constam no BO. Quatro fontes que tiveram acesso às imagens dizem que o jogador foi agressivo e estava alterado antes do suposto estupro.
A moça realizou exames no dia 21 de maio, e o laudo médico aponta "hematomas, problemas gástricos, perda de peso e sintomas de stress pós-traumático". A reportagem do Uol viu e verificou as imagens anexadas no laudo (feito por um profissional de um hospital de renome), e constatou que há "hematomas grandes e escuros na região das nádegas e das pernas".
Agora o pai de Neymar já mudou um pouco a versão. Disse que Neymar viu que o celular da moça estava de pé, "como se estivesse carregando. Ele viu que estava filmando e aí pediu para ela ir embora. Ele emitiu a passagem de volta dela. O Neymar até tenta filmar, tenta gravar, mas ele erra. Coloca no bolso e não consegue". Bem confusa essa versão, não?
Porém, apesar dos indícios de que houve estupro sim, muita gente (mulheres inclusive, até feministas) acham que as mensagens que a mulher mandou pro jogador já são provas incontestáveis de que o sexo foi consensual.
É uma coisa assustadora, mas boa parte das mulheres transa com o mesmo cara depois de ser estuprada. Há muitos casos de mulheres que são estupradas e se encontram com o sujeito outra vez, e são estupradas de novo. Quem não entende como isso é frequente deve pensar que estupro só é cometido pelo total estranho numa rua deserta à noite. 70% dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima. Na maior parte das vezes a vítima não corta contato com o marido, namorado, chefe, pai, tio, amigo etc que a estuprou. É até um mecanismo de defesa: ela transa com ele novamente para tentar se convencer que não foi estupro.
No excelente Eu Nem Imaginava que era Estupro, de Robin Warshaw, um livro publicado em 1988, baseado numa pesquisa feita pela revista Ms. em 32 campi dos EUAcom 6.100 estudantes universitários, homens e mulheres, revelou números aterradores.
Se as mulheres fossem apenas atacadas por um homem estranho numa rua escura à noite, reconheceriam aquilo como estupro. Mas quando é por um conhecido, fica mais confuso. Portanto, uma das primeiras reações das vítimas é negação ("não, eu não fui estuprada").
A segunda é dissociação (a vítima se afasta psicologicamente, se vê à distância. Na ótima série Big Little Lies, uma mulher que é estuprada se imagina assistindo à cena do banheiro. Ela deixa seu corpo).
A terceira reação é a auto-acusação (a vítima sente-se culpada).
A quarta reação: ignorar a “voz interior”. Todxs nós temos instintos e intuições. Talvez mulheres mais que homens, por uma questão de sobrevivência. Mas muitas vezes ignoramos esses instintos (recomendo o livro Virtudes do Medo, de Gavin de Becker, especialista em segurança).
Quinta reação: não se defender. Somos educadas para não fazer escândalo. E muitas vezes não nos defendemos pelo medo de sermos ainda mais machucadas fisicamente. Além de homens costumarem ser mais fortes, altos e pesados, eles aprendem a brigar desde cedo. Mulheres não.
Sexta reação: não denunciar. Não preciso nem explicar isso. Todas nós conhecemos mulheres que já foram agredidas, estupradas, espancadas, e não levaram as acusações adiante, por uma série de motivos.
Sétima reação: tornar-se uma vítima novamente. Um dos números mais perturbadores da pesquisa explicada por Warshaw é que 42% das mulheres que foram estupradas disseram que fizeram sexo de novo como o estuprador. Como não viram o que aconteceu como estupro, tenderam a pensar “É paranoia minha”, “Eu o entendi mal”, “Vou dar uma segunda chance”. Há também um outro dado terrível: 41% das mulheres estupradas acham que serão estupradas novamente.
E aí: deixa de ser estupro porque a mulher se encontra com o cara de novo? Deixa de ser estupro porque a mulher escreveu numa mensagem que queria vê-lo outra vez? Deixa de ser estupro porque a mulher pediu pra que ele trouxesse um presente para o filho dela?
A moça que acusa Neymar pode estar mentindo? Pode (as imagens dos hematomas do laudo médico desfavorecem esta versão). E, se ela fez acusação falsa de estupro, pode ser presa por isso. Ela pode ter tentado extorquir Neymar? Pode.
Mas você aí que não viu a linha do impedimento e correu pro gol pra chamar Neymar de menino e a moça de vagabunda, você está ajudando a difundir o que nós chamamos de cultura de estupro. Uma cultura que sempre culpa a vítima e que faz com que um grande número de mulheres não denuncie. Porque sabemos que o que está acontecendo com a moça que acusou Neymar acontece com todas as vítimas (vale a pena ler este post que mostra como jogadores de futebol quase nunca são punidos pelos estupros que cometem. Ou você acha que quem tem fama e dinheiro "não precisa" estuprar?).
Fica a dica: em vez de se preocupar com as falsas acusações de estupro, que são mínimas, que tal se preocupar com o número baixíssimo de estupros que são denunciados, julgados, e acabam em condenação? E, mais uma vez, pare de atacar a vítima.
Fonte: IHU

"Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade", afirma Papa Francisco

"O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, geralmente é utilizado para minar os processos políticos emergentes e propor a violação sistemática dos direitos sociais. Para garantir a qualidade institucional dos Estados é fundamental detectar e neutralizar esse tipo de práticas que resultam da imprópria atividade judicial em combinação com operações multimidiáticas paralelas", afirma o papa Francisco, em intervenção na Cúpula Pan-Americana de Juízes, em 04-06-2019, promovida pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais, no Vaticano sobre o tema: "Direitos sociais e doutrina franciscana”. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.


Eis o discurso.

Senhoras e senhores, é motivo de alegria e também de esperança encontra-los nessa Cúpula, na qual deram uma citação que não se limite somente a vocês, mas sim que evoca o trabalho que realizam conjuntamente com advogados, assessores, fiscais, defensores, funcionários e evoca também aos seus povos com o desejo e a busca sincera para garantir a justiça, e especialmente a justiça social, para que possa chegar a todos. Vossa missão, nobre e pesada, pede para se consagrar ao serviço da justiça e do bem-comum com o chamado constante a que os direitos das pessoas e especialmente dos mais vulneráveis sejam respeitados e garantidos. Dessa maneira, vocês ajudam aos Estados que não renunciem a sua mais excelsa e primária função: fazer-se serviço do bem-comum do seu povo. “A experiência ensina que – assinalava João XXIII – quando falta uma ação apropriada dos poderes públicos no econômico, o político ou o cultural, se produz entre os cidadãos, sobretudo em nossa época, um maior número de desigualdades em setores cada vez mais amplos, resultando assim que os direitos e deveres da pessoa humana carecem de toda eficácia prática” (Pacem in Terris, 63).

Celebro essa iniciativa de se reunir, assim como a realizada o ano passado na cidade de Buenos Aires, na qual mais de 300 magistrado e funcionários judiciais deliberaram sobre os Direitos Sociais, à luz da Evangelii Gaudium, Laudato Si’ e o discurso aos Movimentos Populares em Santa Cruz de la Sierra. Dali saiu um conjunto interessante de vetores para o desenvolvimento da missão que tem entre mãos. Isso nos recorda a importância e, porque não, a necessidade de se encontrar para enfrentar os problema de fundo que vossas sociedades estão atravessando e, como sabemos, não podem ser resolvidos simplesmente por ações isoladas ou atos voluntários de uma pessoa ou de um país, mas sim que reivindica a geração de uma nova atmosférica; isso é, uma cultura marcada pelas lideranças compartilhadas e valentes que saibam envolver outras pessoas e outros grupos até que frutifiquem em importantes acontecimentos históricos (cf. Evangelii Gaudium, 223) capazes de abrir caminhos às gerações atuais, e também às futuras, semeando condições para superar as dinâmicas de exclusão e segregaçãode modo que a desigualdade não tenha a última palavra (cf. Laudato Si’,53.164). Nossos povos reivindicam esse tipo de iniciativas que ajudem a deixar todo tipo de atitude passiva ou espectadora como se a história presente e futura tivesse que ser determinada e contada por outros.

Me preocupa constatar que se levantam vozes, especialmente de alguns “doutrinários”, que tratam de “explicar” que os direitos sociais já são “velhos” - Papa Francisco

Nos toca viver uma etapa histórica de transformações onde se põe em jogo a alma de nossos povos. Um tempo de crise – crise: o caráter chinês, riscos, perigos e oportunidades, é ambivalente, muito sábio isso – tempo de crise – na qual se verifica um paradoxo: por um lado, um fenomenal desenvolvimento normativo, por outro uma deterioração no gozo efetivo dos direitos consagrados globalmente. É como início dos nominalismos, sempre começam assim. É mais, cada vez, e com maior frequência, as sociedades adotam formas anômicas de fato, sobretudo em relação às leis que regulam os direitos sociais, e o fazem com diversos argumentos. Essa anomia está fundamentada por exemplo em carências orçamentárias, impossibilidade de generalizar benefícios ou o caráter-programático mais que o operativo dos mesmos.

Me preocupa constatar que se levantam vozes, especialmente de alguns “doutrinários”, que tratam de “explicar” que os direitos sociais já são “velhos”, estão fora de moda e não tem nada que contribuir a nossas sociedades. Desse modo, confirmam políticas econômicas e sociais que levam a nossos povos à aceitação e justificativa da desigualdade e da indignidade. A injustiça e a falta de oportunidades tangíveis e concretas por trás de tantas análises incapazes de se colocar aos pés do outro – e digo pés, não sapatos, porque em muitos casos essas pessoas não têm –, é também uma forma de gerar violência: silenciosa, porém violenta ao fim. A normatividade excessiva nominalista, independentista, desemboca sempre na violência.

“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades – orgulhosas de sua revolução tecnológica e digital – que oferecem inumeráveis prazer e bem-estar para uma minoria feliz..., porém os nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e se os chama, elegantemente, 'pessoas em situação de rua'. É curioso como no mundo das injustiças, abundam os eufemismos” (Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 28-10-2014). Parecia que as Garantias Constitucionais e os Tratados Internacionais ratificados, na prática, não tem valor universal.

Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade - Papa Francisco

 A “injustiça social naturalizada” – ou seja, como algo natural – e, portanto, invisibilizada que somente recordamos ou reconhecemos quando “alguns fazem barulho nas ruas” e são rapidamente catalogados como perigosos ou molestados, termina por silenciar uma história de postergações e esquecimentos. Permitam-me dizer, isso é um dos grandes obstáculos que encontra o pacto social e que debilita o sistema democrático. Um sistema político-econômico, para seu desenvolvimento saudável, necessita garantir que a democracia não seja somente nominal, mas sim que possa se ver moldada em ações concretas que velem pela dignidade de todos os seus habitantes sob a lógica do bem-comum, em um chamado à solidariedade e uma opção preferencial pelos pobres (cf. Laudato si’, 158). Isso exige os esforços das máximas autoridades, e por certo do poder judicial, para reduzir a distância entre o reconhecimento jurídico e a prática do mesmo. Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade.

Quantas vezes a igualdade nominal de muitas das nossas declarações e ações não faz mais que esconder e reproduzir uma desigualdade real e subjacente, que esconde que se está diante de uma ordem fictícia. A economia dos papeis, a democracia adjetiva, e a mídia concentrada geram uma bolha que condiciona todos os olhares e opções desde o amanhecer até o pôr do sol [1]. Ordem fictícia que iguala em sua virtualidade, porém que, no concreto, amplia e aumenta a lógica e as estruturas da exclusão-expulsãoporque impede um contato e compromisso real com o outro. Impede o concreto, a tomada do controle do que é concreto.

Nem todos partem do mesmo lugar na hora de pensar a ordem social. Isso nos questiona e nos exige pensar novos caminhos para que a igualdade ante a lei não degenere na propensão da injustiça. Em um mundo de virtualidades, mudanças e fragmentação – estamos na época do virtual -, os Direitos sociais não podem ser somente exortativos ou apelativos, nominais, mas sim sejam farol e bússola para a estrada porque “a saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no meio ambiente e na qualidade de vida humana” (Laudato si’, 142).

Se nos pede lucidez de diagnóstico e capacidade de decisão diante o conflito, se nos pede não nos deixarmos dominar pela inércia ou pela atitude estéril como quem os olha, os nega ou os anula e segue adiante, como se nada passasse, lavam as mãos para poder continuar com suas vidas. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem horizontes e projetam nas instituições as próprias confusões e insatisfações. O convite é olhar de frente para o conflito, sofrê-lo e resolvê-lo transformando-o no enganche de um novo processo (Evangelii Gaudium, 227).

Assumindo que o conflito é claro que o nosso compromisso é o de nossos irmãos para dar operacionalidade aos direitos sociais com o compromisso de buscar a desmantelar todos os argumentos que prejudicam a sua concretude, e isso através da aplicação ou a criação de uma legislação capaz de levantar as pessoas no reconhecimento da sua dignidade. As lacunas legais, tanto em termos de legislação adequada como de acessibilidade e cumprimento, desencadearam círculos viciosos que privam as pessoas e as famílias das garantias necessárias para o seu desenvolvimento e bem-estar. Essas lacunas são geradoras de corrupção que encontram nos pobres e no meio ambiente os primeiros afetados.

Aproveito essa oportunidade para manifestar minha preocupação por uma nova forma de intervenção exógena nos cenários políticos dos países através do uso indevido dos procedimentos legais e tipificações judiciais - Papa Francisco

Nós sabemos que o direito não é apenas a lei ou as regras, mas também uma prática que configura as ligações, o que os transforma de algum modo, "praticantes" do direitosempre que confrontado com as pessoas e realidade. E isso convida a mobilizar toda a imaginação legal para repensar as instituições e lidar com as novas realidades sociais que estão sendo vivida [2]. É muito importante neste sentido, que as pessoas que alcançam as mesas de você e seus bancadas sentir que vieram antes deles, que você vir em primeiro lugar, que você conhecê-los e entendê-los na sua situação particular, mas especialmente reconhecê-los em sua plena cidadania e em seu potencial para serem agentes de mudança e transformação. Nunca perca de vista os setores populares não são primariamente um problema, mas uma parte ativa da face de nossas comunidades e nações, eles têm todo o direito de participar na busca de soluções e construindo inclusive. "O quadro político e institucional não é apenas para evitar más práticas, mas também para incentivar as melhores práticas, estimular a criatividade buscando novas maneiras de facilitar as iniciativas pessoais e coletivas" (cf. Laudato si', 177).

É importante incentivar que desde o início da formação profissional, os operadores legais possam fazer contato real com as realidades, conhecendo em primeira mão e compreendendo as injustiças quais um dia terão de enfrentar. É também necessário encontrar todos os meios e mecanismos para que os jovens em situações de exclusão ou marginalização possam ser treinados para que possam desempenhar o papel necessário. Muito tem sido dito para eles, também precisamos ouvi-los e dar-lhes voz nessas reuniões. O leitmotiv implícito de todo o paternalismo jurídico-socialvem à mente: tudo para o povo, mas nada com o povo. Tais medidas nos permitirão estabelecer uma cultura do encontro "porque nem conceitos nem ideias se amam [...]. A entrega, a verdadeira entrega, surge do amor de homens e mulheres, crianças e idosos, povos e comunidades ... rostos, rostos e nomes que enchem o coração "(II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015).

O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, geralmente é utilizado para minar os processos políticos emergentes e propor a violação sistemática dos direitos sociais - Papa Francisco

Aproveito esta oportunidade de reunir-me convosco para manifestar a minha preocupação por uma nova forma de intervenção exógena nos cenários políticos dos países através do uso indevido de procedimentos legais e tipificações judiciais. O lawfare, além de colocar a democracia dos países em sério risco, é geralmente usado para minar os processos políticos emergentes e tender para a violação sistemática dos direitos sociais. A fim de garantir a qualidade institucional dos Estados, é fundamental detectar e neutralizar este tipo de práticas que resultam de uma atividade judicial imprópria em combinação com operações multimídia paralelas. Sobre isso eu não paro, mas o julgamento anterior da mídia é conhecido por todos.

Isso nos lembra que, em muitos casos, a defesa ou a priorização dos direitos sociaissobre outros tipos de interesses, vocês vão lidar não apenas com um sistema injusto, mas também com um sistema de comunicação poderoso, que distorce muitas vezes o âmbito de suas decisões, vai questionar a sua honestidade e também a sua probidade, eles podem até mesmo julgá-lo. É uma batalha assimétrica e erosiva em que para superá-lo é necessário manter não só a força, mas também a criatividade e uma elasticidade adequada. Quantas vezes os juízes enfrentam na solidão as paredes da difamação e da reprovação, se não da calúnia! Certamente, requer uma grande força para lidar. "Felizes são aqueles que são perseguidos por praticar a justiça, porque a eles pertence o Reino dos Céus" (Mt 5,10), disse Jesus. A este respeito, estou satisfeito que um dos objetivos desta reunião é a criação de um Comitê Permanente Pan-Americano de Juízes e Juízas pelos Direitos Sociais, que tenha um dos objetivos superar a solidão na magistratura, fornecendo apoio e assistência mútua para revitalizar o exercício de sua missão. A verdadeira sabedoria não é alcançada com um mero acúmulo de dados - que é enciclopedismo - uma acumulação que acaba saturando e obscurecendo uma espécie de poluição ambiental, mas com a reflexão, o diálogo e o generoso encontro entre as pessoas, aquele confronto adulto, saudável, faz nós todos crescermos (cf. Laudato Si', 47).

Em 2015, eu dizia aos membros dos movimentos populares: “Vocês têm um papel essencial, não apenas exigindo e reivindicando, mas fundamentalmente criando. Vocês são poetas sociais: criadores de obras, construtores de casas, produtores de alimentos, especialmente para os descartados pelo mercado mundial" (II Encontro Mundial de Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Queridos magistrados: Você tem um papel essencial: deixem-me dizer-lhe que também são poetas, são poetas sociais quando não têm medo de "serem protagonistas na transformação do sistema judicial, baseado na coragem, na justiça e na primazia da dignidade da pessoa humana"[3] sobre qualquer outro tipo de interesse ou justificativa. Eu gostaria de concluir dizendo: "Felizes são aqueles que têm fome e sede de justiça; felizes são aqueles que trabalham pela paz "(Mt 5,6,9). Muito obrigado!


Fonte: IHU

Uma síntese didática do emprego de LAWFARE no Brasil

" Na esteira do mimetismo, o inimigo cresceu. As teses liberais encontraram eco no viralatismo; o abandono da perspectiva nacional viu no entreguismo seu espelho de Narciso. Semeando em solo fértil, onde o moralismo, a ideologia liberal colonizada, vantagens do corporativismo das carreiras jurídico-policiais, levaram ao momento perfeito de se atacar o Estado, as oligarquias políticas e os direitos sociais - tudo ao mesmo tempo junto", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.


Eis o artigo.

Vou retomar o assunto neste artigo, e em função de algumas boas conversas que tive com pessoas experientes e nada simpatizantes do golpe jurídico-midiático-parlamentar, todos estes colegas me sugeriram esta síntese. O tema não é fácil e como fiz nos dois anteriores, reforço a cautela nas afirmações categóricas (em função da falta de provas materiais) e o ponto de partida. Parto de um lugar (o famoso local de fala) à esquerda do lulismo, bem à esquerda eu diria, com ênfase numa proposta mesclada entre o igualitarismo e o ideal de libertação popular latino-americano (próximo do chamado campo nacional popular nos países Hermanos). Assim, tenho pouca ou nenhuma confiança em pactos de classe e vejo o colonialismo interno e a fraqueza ideológica do andar de cima do Brasil como uma das causas determinantes para o enfraquecimento de todo o país e o empobrecimento de nossa sociedade. Dito isso, seguimos adiante. 

O tema central e a sequência inequívoca

Voltando ao tema central, o importante, na minha modesta opinião, é fazer a narrativa de forma inequívoca, sem cair em armadilhas intelectuais de tipo monocausalidade. Ou seja, na vida real, na vida em sociedade, nada tem uma só causa, embora por vezes, relações de força têm uma ação que determina a outra. Travemos assim algumas comparações de evidências. 
Afirmar que a Força Tarefa da Lava Jato é uma invenção da CIA seria leviandade; não levar em conta que o acionar descontrolado deste grupo operacional com autoridade judicial e sem supervisão direta alguma, além das costas quentes e do “tudo pode” do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4a Região, com sede em Porto Alegre) seria de uma inocência criminosa.

Sigo nas comparações. A corrupção endêmica e estrutural das relações do Estado com o que resta de oligopólios de ponta no Brasil é nefasta. O oligopólio da mídia, o mais poderoso politicamente, o que marca ideologicamente a sociedade brasileira contemporânea - tipo, padrão William Bonner de expectativas de vida - é o mesmo que subordina os demais oligopólios no simbólico, ainda que estes tenham mais poder do que os grupos de mídia operando no Brasil sob o controle de famílias brasileiras. Assim, o poder da Globo inverte a lógica do interesse nacional pelo interesse do "cidadão de bem", policlassista, não importando seu padrão material de vida ou origem étnico-cultural. É como o núcleo do “bem” de novela das nove; nas narrativas de fábulas urbanas e contemporâneas, as contradições da vida privada são mais relevantes do que a estrutura social que as condiciona. O inverso seria a regra básica de qualquer sociologia séria, mas afirmar esta manipulação grosseira soa como teoria conspiratória diante da desinformação estrutural.

Afirmo o parágrafo acima porque, para o cálculo de realidade no Sistema Internacional (SI) – e infelizmente digo isso - os Estados apoiados em seus conglomerados empresariais observam potenciais hostilidades ainda no nascedouro. Assim como o Pacto ABC (Argentina, Brasil e Chile) ajudou ao envolvimento da Embaixada dos EUA na derrubada de Vargas em 24 de agosto de 1954, o mesmo se deu no posicionamento do Brasil dentro dos BRICS (o bloco informal de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nosso país, ainda que seja um dos sócios menores e em segunda escala de grandeza é de suma importância para o SI. Somos ainda um pivô geopolítico, mas éramos até pouco atrás, aspirantes a agente geoestratégico.

Logo, o alvo visível, o cluster (em escala nacional, estou ampliando o conceito) das empresas de construção pesada e seus conglomerados subsidiados pelo Estado – as campeãs nacionais, no chamado Bismarckismo Tropical - formam o Complexo de Óleo e Gás, o complexo subsequente da Indústria Naval e o ativo de exportação da expertise em construção pesada, engenharia estrutural e complexa. Isso o país tem - tinha - para projetar no plano interno-externo e gera (pode gerar, chegou a gerar) um Excedente de Poder que entra nas estruturas decisórias dos países da América do Sul,América Latina e África. Logo, quando um Estado e suas empresas líderes, aliadas ao co-governo de coalizão (sendo que o partido líder ganha quatro eleições consecutivas), opera com este nível de expressão internacional – alinhando-se parcialmente com o Eixo Eurasiano de poder – imediatamente torna-se alvo de hostilidade. Como afirma qualquer manual de estratégia, o primeiro passo para vencer um conflito é retirando as condições de entrar em choque de um dos competidores. No caso brasileiro, esta observação mais acurada teve como Cavalo de Tróia o Projeto Pontes, iniciado em fevereiro de 2009 (ver e rever sempre). Ou seja, imediatamente após a posse de Barack Hussein Obamae com Hillary Rodham Clinton como secretária de Estado, teve início o projeto embrionário que culmina na Conferência Regional de uma semana de duração e alcance nacional de convidados brasileiros.

Esta é a hostilidade observada da parte dos EUA e cujo combate se deu - supostamente estaria se dando - na forma de LAWFARE (sugiro a leitura deste blog financiado pelo centenário think tank de Washington Brookings Institution) ou seja, o uso do Direito como arma de guerra. A difusão deste emprego opera através da captura de corações e mentes de uma espécie de "tenentismo de toga" (mesclando modernização conservadora e idealização patética dos sistemas liberais doutrinários, vide ‘propinocracia’) da geração cujos expoentes públicos se encontram também na Força Tarefa da Lava Jato.

A dimensão da presença dos EUA e a prepotência do Império como “polícia seletiva” do mundo corporativo impressionam pela franqueza. Vejam estas declarações na nota oficial (na íntegra aqui) do Departamento de Justiça dos Estados Unidos:

“This case illustrates the importance of our partnerships and the dedicated personnel who work to bring to justice those who are motivated by greed and act in their own best interest,” said Assistant Director Richardson. ‘The FBI will not stand by idly while corrupt individuals threaten a fair and competitive economic system or fuel criminal enterprises. Our commitment to work alongside our foreign partners to root out corruption across the globe is unwavering and we thank our Brazilian and Swiss partners for their tireless work in this effort’.”

E também o reconhecimento que o volume e a dimensão destas punições – sobre Odebrecht e Braskem – são sem precedentes:

““No matter what the reason, when foreign officials receive bribes, they threaten our national security and the international free market system in which we trade,” said Assistant Director in Charge Sweeney. “Just because they’re out of our sight, doesn’t mean they’re beyond our reach. The FBI will use all available resources to put an end to this type of corrupt behavior.”

Um resumo plausível da derrota interna que atende os interesses do Império

Estaríamos por tanto diante de uma nova elite do Estado; em ascensão e surpreendentemente anti-Estado. Tal elite, ou frações de classe dentro da tecnocracia togada, das carreiras jurídico-policiais, estaria de forma direta ou indireta, racional (intencional) ou não, atendendo e tornando partícipe aos EUA dentro do processo clássico de tipo “revolução colorida” ou na mudança de regime no Brasil. Tentamos abaixo, na linha conclusiva deste breve texto, expor em termos conceituais o que está acontecendo na internalização de interesses imperialistas no país.

O Brasil teve nos treze anos de governos de Lula e Dilma um tipo de crescimento econômico que não chegou a ser desenvolvimento, mas aprofundou as vantagens comparativas que o país já tinha. Neste processo, e com todas as falhas possíveis, o governo de coalizão tentou realizar uma aliança Estado-Empresa e como tal apontar uma estratégia de inserção autônoma no Sistema Internacional.

Tal acionar, do ponto de vista militante, igualitário, decolonial e porque não, socialista, este arranjo do governo anterior foi pífio. O partido de governo, de forma absurda hipotecou as chances de resistência ao custo de uma aliança de classe que resultou em derrota ideológica do PT, seus aliados e movimentos de apoio, subordinando tudo diante da lógica do lulismo: pacto conservador com melhoria de condições materiais de vida.

Dentro da expectativa militante, embora previsível, houve um avanço pífio. Mas, esta percepção é que para quem milita e vive no Brasil. No plano externo, as realizações do lulismo já deram motivos suficientes para ser visto como potencial hostilidade pelos EUA. Logo, na gestão de Hillary Clinton à frente do Departamento de Estado e no primeiro governo de Obama, se aprofunda a solução de tipo "revoluções coloridas e mudanças de regime". Sim, em parte a ação midiática dos EUA reforça tema importantes (como o dúbio e suspeitíssimo papel da Open Society, por exemplo), mas ao mesmo tempo, opera como desestabilização. Em nenhuma hipótese afirmo que a rebelião de 2013 é responsável pela queda do governo, e sim ao contrário; ao não atender as demandas da rebelião de 2013, o primeiro governo Dilma abriu espaços para a direita, aprofundados com o austericídio de Joaquim Levy e a traição ao segundo turno plebiscitário.

Com um enorme senso de oportunidade e já com setores de Estado comprando as teses liberais, os EUA teriam agido de forma diversionista, buscando entradas por "todos os lados". Obviamente e mais uma vez, vejo que a análise de Luis Nassif está correta: entraram pelo Mercado (na vinculação ideológica com lideranças empresariais e corporativas no Brasil), pela Cooperação Internacional e pela guerra midiática ampliada (aí entram as redes sociais e os grupos da nova direita cibernética). Enfim, conflito assimétrico, Guerra Irregular de 4ª Geração, mas como vetor principal o emprego da versão civil da LAWFARE.

Venho demonstrando que houve descontrole e autonomização de instâncias do aparelho de Estado, onde os EUA enfiaram núcleos de sua confiança (MPF, Judiciário Federal, DAT/PF, MRE). Tudo isso se deu no embalo das viagens e intercâmbios de “reguladores”, com funcionários de carreiras das agências de “regulação” indo aos EUA para apreender experiências de gestão de conflitos. Na esteira do mimetismo, o inimigo cresceu. As teses liberais encontraram eco no viralatismo; o abandono da perspectiva nacional viu no entreguismo seu espelho de Narciso. Semeando em solo fértil, onde o moralismo, a ideologia liberal colonizada, vantagens do corporativismo das carreiras jurídico-policiais, levaram ao momento perfeito de se atacar o Estado, as oligarquias políticas e os direitos sociais - tudo ao mesmo tempo junto.

Pelo partido de governo e o setor de centro-esquerda da coalizão, pouco ou nada se fez. Em algum momento da história recente, a atenção para o acionar da superpotência no Brasil, de baixo ou pequeno, virou nenhum. Falando com pesar afirmo: percebe-se muito discurso e pouca ou nenhuma operação de contra inteligência. Talvez seja por isso mesmo que a maior parte dos titulares do governo deposto não queira mexer nisso, para não serem também responsabilizados pela derrota. O buraco é profundo como um poço no Campo de Libra. O problema não é mais o da perda da virtude política e as suspeitas de corrupção, mas sim a possível acusação impactante de terem agido como omissos e fracos dirigentes políticos.

Teremos um longo caminho pela frente para demonstrando o absurdo desta situação e o acionar de instituições que de fato operam contra os interesses do país e da maioria.


Fonte: IHU

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