03 novembro, 2020

Tem um monstro na floresta...

Live Musical com Antônio Cardoso


 

Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e Amizade Social Capítulo IV (continuação)


Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Santo Padre FRANCISCO sobre a Fraternidade e Amizade Social. 

Leitura da Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Santo Padre FRANCISCO sobre a Fraternidade e Amizade Social. 

Capítulo IV: Um coração aberto ao mundo inteiro. 


nn.133-136. Título 2: Os dons recíprocos. 
nn.137-138. Título 2: Os dons recíprocos. Subtítulo 1: O Intercâmbio fecundo. 
nn. 139-141. Título 2: Os dons recíprocos. Subtítulo 2: Gratuidade que acolhe. 


CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL 


Capítulo IV 

UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO 

Os dons recíprocos 

133. A chegada de pessoas diferentes, que provêm dum contexto vital e cultural distinto, transforma-se num dom, porque «as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral para todos».[115] Por isso, «peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano».[116] 

134. Entretanto quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento. As várias culturas, cuja riqueza se foi criando ao longo dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre. Isso, porém, sem deixar de as estimular a que permitam surgir de si mesmas algo de novo no encontro com outras realidades. Não se pode ignorar o risco de acabarem vítimas duma esclerose cultural. Para isso, «precisamos de comunicar, descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos. Torna-se necessário um diálogo paciente e confiante, para que as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias».[117] 

135. Retomo aqui um exemplo que dei há tempos: a cultura dos latinos é «um fermento de valores e possibilidades que pode fazer muito bem aos Estados Unidos (…). Uma intensa imigração acaba sempre por marcar e transformar a cultura dum lugar. (…) Na Argentina, a forte imigração italiana marcou a cultura da sociedade e, no estilo cultural de Buenos Aires, é muito visível a presença de aproximadamente 200.000 judeus. Se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção, uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer».[118] 

136. Numa perspetiva mais ampla, eu e o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb lembramos que «o relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas. O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade, da cultura e da civilização oriental; e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente, evitando o uso da política de duas medidas».[119] 

O intercâmbio fecundo 

137. Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos. Um país que progride com base no seu substrato cultural original é um tesouro para toda a humanidade. Precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos dum lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão todo o planeta. Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies, deveria afligir-nos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou doutros limites estruturais. É que isto acaba por nos empobrecer a todos. 

138. Se isto foi sempre verdade, hoje a certeza é maior do que nunca devido à realidade dum mundo tão interconectado pela globalização. Precisamos que um ordenamento jurídico, político e económico mundial «incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos».[120] Isto redundará em benefício de todo o planeta, porque «a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres» trará «criação de riqueza para todos».[121] Do ponto de vista do desenvolvimento integral, isto pressupõe que se conceda «também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns»[122] e procure «incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza e pelo subdesenvolvimento».[123] 

Gratuitidade que acolhe 

139. Todavia não quero limitar esta abordagem a qualquer forma de utilitarismo. Existe a gratuitidade: é a capacidade de fazer algumas coisas, pelo simples facto de serem boas, sem olhar a êxitos nem esperar receber imediatamente algo em troca. Isto permite acolher o estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis. Mas há países que pretendem receber apenas cientistas ou investidores. 

140. Quem não vive a gratuitidade fraterna, transforma a sua existência num comércio cheio de ansiedade: está sempre a medir aquilo que dá e o que recebe em troca. Em contrapartida, Deus dá de graça, chegando ao ponto de ajudar mesmo os que não são fiéis e «fazer com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45). Por isso, Jesus recomenda: «Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). Recebemos a vida de graça; não pagamos por ela. De igual modo, todos podemos dar sem esperar recompensa, fazer o bem sem pretender outro tanto da pessoa que ajudamos. É aquilo que Jesus dizia aos seus discípulos: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). 

141. A verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar não só como país, mas também como família humana; e isto comprova-se sobretudo nos períodos críticos. Os nacionalismos fechados manifestam, em última análise, esta incapacidade de gratuitidade, a errada persuasão de que podem desenvolver-se à margem da ruína dos outros e que, fechando-se aos demais, estarão mais protegidos. O migrante é visto como um usurpador, que nada oferece. Assim, chega-se a pensar ingenuamente que os pobres são perigosos ou inúteis; e os poderosos, generosos benfeitores. Só poderá ter futuro uma cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito. 

______________ 

[115] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019), 93. 

[116] Ibid., 94. 

[117] Idem, Discurso no Encontro com as autoridades e o corpo diplomático (Sarajevo – Bósnia-Herzegovina 6 de junho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 3. 

[118] Francisco em diálogo com Reyes Alcaide, Latinoamérica. Conversaciones con Hernán Reyes Alcaide (Buenos Aires 2017), 105. 

[119] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22. 

[120] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 67: AAS 101 (2009), 700. 

[121] Ibid., 60: o. c., 695. 

[122] Ibid., 67: o. c., 700. 

[123] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 447.

Para refletir


 

Segunda Catequese: "Teologia que sustenta a Jornada Mundial dos Pobres"