29 julho, 2020

Num instante imagino


A vida verdadeira - Thiago de Mello

A vida verdadeira - Thiago de Mello

Pois aqui está a minha vida. Pronta para ser usada.
Vida que não guarda nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço da vida. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor
Ainda que o gesto me doa Não encolho a mão: avanço Levando um ramo de Sol Mesmo enrolada de pó Dentro da noite mais fria A vida que vai comigo É fogo: está sempre acesa
Vem da terra dos barrancos o jeito doce e violento da minha vida:
esse gosto da água negra transparente.
A vida vai no meu peito, mas é quem vai me levando: tição ardente velando,
girassol na escuridão.
Carrego um grito que cresce Cada vez mais na garganta,
cravando seu travo triste na verdade do meu canto.
Canto molhado e barrento de menino do Amazonas
que viu a vida crescer nos centro da terra firme.
Que sabe a vinda da chuva pelo estremecer dos verdes  e sabe ler os recados que chegam na asa do vento.  Mas sabe também o tempo da febre e o gosto da fome.
Nas águas da minha infância perdi o medo entre os rebojos. Por isso avanço cantando
Estou no centro do rio estou no meio da praça. Piso firme no meu chão sei que estou no meu lugar, como a panela no fogo e a estrela na escuridão.
O que passou não conta ?, indagarão as bocas desprovidas. Não deixa de valer nunca. que passou ensina com sua garra e seu mel.
Por isso é que agora vou assim no meu caminho. Publicamente andando Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar.
Aprendi (o que o caminho me ensinou) a caminhar cantando como convém
 a mim e aos vão comigo. Pois já não vou mais sozinho.
Aqui tenho a minha vida: feita à imagem do menino que continua varando os campos gerais e que reparte o seu canto como o seu avô repartia o cacau e fazia
da colheita uma ilha do bom socorro.
Feita à imagem do menino mas a semelhança do homem: com tudo que ele tem de primavera de valente esperança e rebeldia.
Vida, casa encantada, onde eu moro e mora em mim, te quero assim verdadeira cheirando a manga e jasmim. Que me sejas deslumbrada como ternura de moça rolando sobre o capim.
Vida, toalha limpa vida posta na mesa, vida brasa vigilante vida pedra e espuma alçapão de amapolas, sol dentro do mar, estrume e rosa do amor: a vida.
Há que merecê-la.

Comunidades de Base para o século atual - Por Pedro A. Ribeiro de Oliveira

O artigo de Pedro Ribeiro, publicado inicialmente no IHU, e agora reproduzido pelo Portal das CEBs do Iser Assessoria, é uma boa oportunidade para continuar refletindo sobre a ressignificação das Comunidades de Base. O debate dos últimos anos tem procurado avaliar a situação social e eclesial na qual as comunidades estão vivendo sua experiência de seguimento de Jesus de Nazaré. Assim, recomendamos a leitura para continuar buscando pistas para a caminhada das CEBs.

A seguir o artigo na íntegra.

Em artigo sobre uma comunidade de Santiago do Chile que durante a pandemia se dedica a alimentar pessoas necessitadas, Jorge Costadoat s.j. aborda um tema fundamental para as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs –: “Poderia se pensar que se a Igreja vive nas catacumbas, partilha seus bens, reza e canta como os primeiros cristãos, não há porque se preocupar. O problema é que esses cristãos habitam galerias não conectadas umas com as outras. Se ninguém as representa, nunca saberão o que as une” (em tradução livre, o original, em espanhol, está disponível neste link).

Pensando a realidade do Brasil, cabe perguntar o que une, por exemplo, uma comunidade da Baixada Fluminense, uma comunidade de bairro popular de Minas Gerais e uma comunidade rural do Ceará. Provavelmente as três – e muitíssimas outras mais – se sentem como o “pequeno resto” que ficou das CEBs: teimaram em seguir na Caminhada proposta pelo Concílio Vaticano II recebido à luz de Medellín, e agora se sentem isoladas da grande Igreja. Contando apenas com o apoio do padre local e/ou a coesão de sua equipe de animação, elas mantém viva a Espiritualidade Libertadora que alavancou grandes conquistas populares, mas sentem a tristeza de não mais receber o reconhecimento eclesiástico que tiveram em outros tempos.

A situação é grave, porque não se vislumbra sinais de mudança no horizonte eclesiástico. Apesar de pronunciamentos e gestos de Francisco indicarem seu apreço pelas CEBs, a estrutura eclesiástica continua pautada pelo Direito Canônico restaurado por S. João Paulo II, e ali as CEBs não têm espaço próprio. A recente Instrução sobre a “comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, redigida pela Congregação para o Clero e aprovada pelo Papa, pede “uma mudança de mentalidade e uma renovação interior”, mas não altera a estrutura canônica da paróquia. Por isso vem recheada de desejos piedosos como se a paróquia pudesse tornar-se “comunidade de comunidades” e ser “uma casa em meio às casas”… Desconsidera a realidade sociológica da paróquia que se confunde com o templo onde o sacerdote celebra a Missa para pessoas que participam como o público assiste um espetáculo.

Fica então o impasse: inúmeras comunidades movidas pela Espiritualidade libertadora e convictas de serem verdadeiramente concretizações locais da única Igreja católica, não são reconhecidas como tais pela instituição eclesiástica. Isoladas cada em seu espaço local, não conseguem se ver como “célula inicial de estruturação eclesial”, como afirma o documento de Medellín. Sobrevivem institucionalmente graças à atuação de diferentes agentes de pastoral – religiosas, padres, teólogos leigos e leigas, alguns bispos – mas sem gozar a plena cidadania eclesiástica. Encontros regionais, nacionais e até continentais são momentos importantes de revitalização das CEBs, mas não suprem o reconhecimento oficial de sua eclesialidade.

Foi numa realidade similar que, em 1975 Dom Luiz Fernandes, bispo-auxiliar de Vitória, decidiu convidar outros bispos, agentes de pastoral e lideranças de comunidades para refletirem sobre sua experiência de Igreja. Com a ajuda de Frei Betto, realizaram-se então, naquela arquidiocese, os dois primeiros encontros de CEBS, que logo vieram a ser qualificados como intereclesiais: Igrejas de base que se encontravam em clima fraterno. O êxito desses encontros intereclesiais foi tão grande que a Conferência dos Bispos – CNBB – assumiu a corresponsabilidade por sua realização, tendo produzido em 1982 um Documento (nº 25) em que reconhece as CEBs como nova forma de ser Igreja.

Quando tudo parecia indicar que esta seria a nova forma de toda Igreja ser – como queria o bispo Pedro Casaldáliga – retornou com força o Código de Direito Canônico e com ele a estrutura paroquial que reduz as CEBs a capelas cuja função é descentralizar a catequese e as celebrações estabelecidas pela paróquia. Perdeu-se assim a oportunidade histórica de se constituir uma forma legitimamente latino-americana de Igreja católica.

Hoje, porém, o isolamento físico provocado pela pandemia de covid-19 e o consequente recurso a encontros virtuais via internet pode possibilitar uma nova forma de relação entre Igrejas locais: a sinodalidade permanente, na qual cada Igreja de base confirme a eclesialidade das demais. Se for retomado o espírito dos primeiros encontros intereclesiais – encontro entre Igrejas de base que buscam uma nova forma de viver o seguimento de Jesus nas periferias do sistema de mercado – será possível tirar as CEBs de seu isolamento atual. Isso poderá acontecer em âmbito regional, nacional ou continental, desde que não se prenda a imposições como a necessidade de participação de todas as dioceses, reconhecimento oficial, e outras obrigações que inibem a emergência dessa nova forma de ser Igreja. Livre desses constrangimentos institucionais, ela poderá reconfigurar-se como autêntica Rede de comunidades inserida nos moldes do século atual.


Rezemos juntos

Rezemos juntos, 
Para que "O perigo de ser infectado por um vírus deve nos ensinar outro tipo de "contágio", o do amor..." (Papa Francisco) 

Projeto "Caminhos de Santidade: A Vida dos Santos” Santa Marta, Santa Ma...