09 maio, 2017

O diálogo ecumênico é um dos grandes desafios do cristianismo. Reverenda Lucia Dal Pont- Por Luis Miguel Modino

“O Papa Francisco é um grande profeta, um grande companheiro na abertura para o ecumenismo.”


A Reverenda Lucia Dal Pont é clériga da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Desenvolve seu trabalho pastoral na Paroquia Anglicana São Lucas em Londrina, Pr, cidade que acolherá de 23 a 27 de janeiro de 2018 o 14º Intereclesial das CEBs, com quem tem um trabalho de colaboração em diferentes projetos. 
Nesta entrevista  concedida ao Pe Luis Miguel Modino  para  o  Religion Digital  da Espanha, a Reverenda Anglicana destaca o trabalho comum   entre as diferentes igrejas, sobretudo aquele que faz referência a promoção da vida. Acima de diferenças históricas, que em alguns casos permanecem de ambos os lados, tem que se destacar as tentativas de diálogo que se realizam e a importância da chegada de um Papa latino-americano.
Segue a entrevista:

Estamos no V Centenário da Reforma Luterana, um momento importante e que pode converter-se em decisivo para o diálogo ecumênico. O que se pode assumir nesse momento no caminho do diálogo?

Creio que pode ser muito importante as Igrejas se abrirem para estar juntas nesse processo de reflexão do que significou para o povo, para as pessoas, para nós, cristãos e cristãs do mundo inteiro, esse momento em que se inicia a Reforma Protestante.
Nesta reflexão vamos perceber a importância dos questionamentos e das posturas, de buscar novas formas de viver o cristianismo e olhar para isso como algo que pode trazer uma transformação nesse sentido e fazer que a própria Igreja Romana possa rever suas ações naquele momento. 
Este é um momento muito importante para que possamos fazer esse processo de reflexão, de buscar o que conduziu a essa reforma, quais foram as causas disso e o que trouxe de novidade para os cristãos e cristãs daquela época e nesse processo de quinhentos anos.
Creio que é necessário rever e refletir sobre isso e com muito carinho enquanto Igrejas diferentes da Igreja Luterana, o que está se dando através de diversos movimentos, reflexão, diálogo entre a Igreja Luterana, Romana, Anglicana...   Através de diferentes meios e formas, de encontros nesse sentido, para ver o que trouxe de benefício, o que aprendemos e as novas Igrejas que surgiram como novo modo de viver o cristianismo, pois não existe uma única reforma e sim várias reformas que nos leva a viver esse projeto de Jesus Cristo, o que creio que é muito importante para nossa caminhada.

Quais são as resistências que se encontram dentro da Igreja Romana e das diferentes Igrejas protestantes na hora de fazer avançar esse diálogo ecumênico?

As resistências que eu vejo estão mais na hierarquia das Igrejas, que tem medo de perder membros, de abrir-se ao novo, o qual assusta. Estamos comemorando quinhentos anos desse processo, no Brasil a Igreja Anglicana e Luterana já estão presentes a mais de cem anos e ainda percebemos a dificuldade para esta abertura.
Já tem mais de trinta anos, depois do Concilio Vaticano II, que veio essa abertura ao ecumenismo, em que as Igrejas Anglicanas e Luteranas começaram o diálogo com a Igreja Romana. Houve avanços nessa discussão, mas depois de certo tempo houve um retrocesso, um fechamento por parte das diferentes igrejas. 
Os líderes também influenciam, pois nas diferentes Igrejas, às vezes, existem bispos abertos ao diálogo, o que provoca um avanço. Mas em outros momentos aparecem bispos, clérigos, clérigas, pastores e pastoras mais fechados a essa abertura ecumênica, o que faz que se feche de novo.  Parece que sempre é um processo de idas e voltas, que depende muito de quem lidera e de como se leva adiante essa abertura, dentro de cada instituição religiosa, para com o outro, no sentido de reconhecer a outra Igreja, seja qual seja. 
Creio que o que mais impede esse processo são os próprios líderes, os lideres hierárquicos, bispos, clero, reverendos, reverendas, pastores e pastoras, como a liderança vê isso, a formação, a preparação, o meio de onde vem, como é visto esse diálogo ecumênico.

Pode ser decisivo a liderança do Papa Francisco na Igreja Romana e a vontade expressa que ele tem para avançar no diálogo ecumênico?

Vejo o Papa Francisco como um profeta, com esse novo jeito carinhoso latino-americano de ser, com essa abertura. Para nós da Igreja Anglicana, e também para os irmãos de outras Igrejas, nessa caminhada mais ecumênica, percebemos isso como um grande avanço para a Igreja Romana, essa abertura que ele tem, esse novo modo olhar para a vida, a partir de Roma, do Papa, essa busca do cuidado com a Criação, do cuidado com a vida, de acolher a mãe solteira, o pobre, o mendigo, as pessoas, acolher a vida de um modo geral.
Isso traz um grande avanço para a Igreja Romana e para a abertura ecumênica, pois, no ecumenismo devemos olhar para a vida, e não para as instituições, pois quando olhamos para as instituições vamos nos ficar fechados e voltados para nós mesmos. Quando começamos a ver a vida que sofre, que grita, que está cheia de necessidades, descobrimos o quanto podemos fazer juntos, e o Papa traz essa visão, apesar de que se percebe que esse olhar do Papa, ainda não chegou aos bispos e as dioceses.
Apesar disso, ele faz com que vejamos a Igreja Romana com outros olhos, com outra abertura. Por isso, para nós que formamos parte de outras Igrejas, o Papa Francisco vai ser um grande profeta, um grande companheiro nessa abertura para o ecumenismo, com essa visão de acolher a vida, de buscar as pessoas que sofrem. Isso eu creio que virá a ser um grande avanço, que já está sendo.

Como é a convivência entre os que fazem parte das diferentes Igrejas, entre Igreja Romana e a Igreja Anglicana, na base?

Temos uma convivência muito tranquila. Em Londrina temos o movimento ecumênico de Igrejas cristãs e temos o movimento macro ecumênico ou inter-religioso. A convivência é sempre boa, sobretudo quando tratamos de projetos de transformação da vida. Respeitamos muito a espiritualidade e a forma de viver essa espiritualidade em cada Igreja, cada um tem e vive a sua, mas nos momentos em que estamos juntos, nossas liturgias e celebrações são muito bonitas, participativas, criadas a partir do grupo ecumênico, não somente com uma Igreja preparando para todos.  Buscamos uma espiritualidade e projetamos trabalhos em conjunto.
Se falamos do Brasil, o diálogo entre Igreja Católica Romana e a Igreja Anglicana também é bom. Existe um grande trabalho em conjunto, pois estamos muito próximos a nível de liturgia, de trabalho sobretudo com as Comunidade Eclesiais de Base (CEBs).
Na Igreja   anglicana existe um trabalho que chamamos diaconia, através do qual nos envolvemos em movimentos em defesa da vida, com mulheres, nas periferias das cidades. Nesses trabalhos, quando vamos aos bairros com as pessoas da Igreja Romana, a convivência é muito boa.  
Eu faço parte do Conselho Nacional do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) e por isso tenho muita facilidade para estar nesse ambiente ecumênico, A Igreja Romana, sobretudo a Igreja das CEBs, tem muita abertura a leitura popular da Bíblia, o que facilita a convivência, também com a Igreja Luterana, que são as mais unidas nesse processo.

O que o caminho ecumênico traz para sua vivencia de fé?

 Para mim, Reverenda Lúcia, o ecumenismo, essa espiritualidade ecumênica, e o que me dá força na resistência e na luta pela vida. Enquanto cristã, tenho um compromisso muito grande com o projeto de Jesus Cristo, que é muito claro em sua busca pela transformação da vida. Quando falamos disso, não podemos avançar sozinhos como Igreja.
Em primeiro lugar, minha Igreja é pequena, em poucos membros no Brasil, mas para mim o que me faz sentir, viver, é perceber que podemos transpor as paredes da Igreja Anglicana e colaborar com outras Igrejas, iluminados por essa espiritualidade bíblica, fazer trabalhos, ir ao mundo a partir da transformação da vida. A questão ecumênica é muito forte e creio que isso é o que me motiva a viver essa espiritualidade a partir do projeto de Jesus Cristo.

Um dos impedimentos para avançar no diálogo ecumênico entre Igreja Romana e Igreja Anglicana é o papel da mulher na Igreja Anglicana. O que a ordenação das mulheres poderia significar para a Igreja Romana?

Ao analisarmos o trabalho da Igreja Romana percebemos que quem está na base como lideranças são as mulheres, ainda que estão como executoras do trabalho e não dentro do processo discussão e de criação, que forma parte da hierarquia. 
Creio que o trabalho das mulheres, si houvesse maior abertura, acolhida e as mulheres estivessem também dentro desse processo da ordenação feminina, a Igreja Romana teria uma outra vivencia, outra energia para a vida da Igreja e também para o mundo.
Mas eu sei também que a ordenação feminina não é uma coisa fácil, como também não foi para a Igreja Anglicana. Estamos no Brasil a cento e quarenta anos e somente a trinta e cinco anos que a Igreja do Brasil ordena mulheres, porque a Igreja Anglicana é uma comunhão de Igrejas, cada província tem sua organização.
No Brasil celebramos trinta e cinco anos da ordenação feminina no ano passado, e não foi um processo fácil, foi muito difícil, de luta, de exclusão, de enfrentamento, para chegar a esse momento. Creio que isso também tem que acontecer na Igreja Romana, pois são processos que se fazem.
No Brasil, quando a ordenação feminina foi aprovada, foram nas três ordens: diaconisa, presbítera, e bispa, mas até agora, depois de trinta e cinco anos, não conseguimos eleger uma bispa no Brasil, por culpa desse patriarcalismo que está presente. Somos pessoas, em nossa Igreja somos todos iguais, mas na Igreja Anglicana existe um patriarcalismo muito forte, inclusive por parte das mulheres, que nem sempre tem clareza sobre seu papel e como podem se parte importante para essa transformação, e no momento em que acontece uma eleição, pois na Igreja Anglicana o bispo é eleito e não indicado, a própria mulher, que não tem essa consciência, acaba não votando numa mulher como bispa.  É uma prova de como é difícil isso no Brasil, e talvez no mundo inteiro, como consequência do patriarcalismo e sexismo. Temos que avançar muito enquanto mulheres. 

Na Igreja Católica, o Papa Francisco está confiando papéis de responsabilidade para algumas mulheres no vaticano. Ele também está fazendo a proposta da possível ordenação de diaconisas. Crê que é suficiente, importante, o primeiro passo para poder chegar mais longe um dia?

 Pode ser importante, mas creio que não seja o suficiente. Penso que tem que haver outra mobilização, outra luta. Se olharmos para a sociedade, todas as conquistas vieram da base, pois a conquista não é algo que vem de cima.  Se as mulheres se organizam, pois, do meu ponto de vista, se as mulheres na Igreja Romana fizessem um movimento de dizer que vão parar e exigir seus direitos, a Igreja Romana pararia, pois, as mulheres são essa força, essa energia, essa luta, essa organização, são elas que trabalham.
Porém, creio que não é suficiente e que a abertura não vira por aí, mas pela mobilização das mulheres, de exigir seus direitos. Já ouvi muitas mulheres da Igreja Romana dizerem que não vão sair, pois querem estar dentro para incomodar e defender o que pensam.  Mas enquanto não houver uma maior resistência, uma tomada de decisão da própria mulher nesta busca, creio que não acontecerá. 
Publicado em http://www.periodistadigital.com/religion/america/2017/04/13

Nota Oficial da 55ª Assembleia Geral dos Bispos - O GRAVE MOMENTO NACIONAL

O GRAVE MOMENTO NACIONAL

“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, por ocasião de sua 55ª Assembleia Geral, reunida em Aparecida-SP, de 26 de abril a 5 de maio de 2017, sente-se no dever de, mais uma vez, apresentar à sociedade brasileira suas reflexões e apreensões diante da delicada conjuntura política, econômica e social pela qual vem passando o Brasil. Não compete à Igreja apresentar soluções técnicas para os graves problemas vividos pelo País, mas oferecer ao povo brasileiro a luz do Evangelho para a edificação de “uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (Bento XVI – Caritas in Veritate, 9).
O que está acontecendo com o Brasil? Um País perplexo diante de agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem mão dos princípios morais, base indispensável de uma nação que se queira justa e fraterna. O desprezo da ética leva a uma relação promíscua entre interesses públicos e privados, razão primeira dos escândalos da corrupção. Urge, portanto, retomar o caminho da ética como condição indispensável para que o Brasil reconstrua seu tecido social. Só assim a sociedade terá condições de lutar contra seus males mais evidentes: violência contra a pessoa e a vida, contra a família, tráfico de drogas e outros negócios ilícitos, excessos no uso da força policial, corrupção, sonegação fiscal, malversação dos bens públicos, abuso do poder econômico e político, poder discricionário dos meios de comunicação social, crimes ambientais (cf. Documentos da CNBB 50– Ética, Pessoa e Sociedade – n. 130)
O Estado democrático de direito, reconquistado com intensa participação popular após o regime de exceção, corre riscos na medida em que crescem o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da população. É preciso construir uma democracia verdadeiramente participativa. Dessa forma se poderá superar o fisiologismo político que leva a barganhas sem escrúpulos, com graves consequências para o bem do povo brasileiro.
É sempre mais necessária uma profunda reforma do sistema político brasileiro. Com o exercício desfigurado e desacreditado da política, vem a tentação de ignorar os políticos e os governantes, permitindo-lhes decidir os destinos do Brasil a seu bel prazer. Desconsiderar os partidos e desinteressar-se da política favorece a ascensão de “salvadores da pátria” e o surgimento de regimes autocráticos. Aos políticos não é lícito exercer a política de outra forma que não seja para a construção do bem comum. Daí, a necessidade de se abandonar a velha prática do “toma lá, dá cá” como moeda de troca para atender a interesses privados em prejuízo dos interesses públicos.
Intimamente unida à política, a economia globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a maioria da população brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário. Essa economia mata e revela que a raiz da crise é antropológica, por negar a primazia do ser humano sobre o capital (cf. Evangelii Gaudium, 53-57). Em nome da retomada do desenvolvimento, não é justo submeter o Estado ao mercado. Quando é o mercado que governa, o Estado torna-se fraco e acaba submetido a uma perversa lógica financista. Recorde-se, com o Papa Francisco, que “o dinheiro é para servir e não para governar” (Evangelii Gaudium 58).
O desenvolvimento social, critério de legitimação de políticas econômicas, requer políticas públicas que atendam à população, especialmente a que se encontra em situação vulnerável. A insuficiência dessas políticas está entre as causas da exclusão e da violência, que atingem milhões de brasileiros. São catalisadores de violência: a impunidade; os crescentes conflitos na cidade e no campo; o desemprego; a desigualdade social; a desconstrução dos direitos de comunidades tradicionais; a falta de reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas e quilombolas; a degradação ambiental; a criminalização de movimentos sociais e populares; a situação deplorável do sistema carcerário. É preocupante, também, a falta de perspectivas de futuro para os jovens. Igualmente desafiador é o crime organizado, presente em diversos âmbitos da sociedade.
Nas cidades, atos de violência espalham terror, vitimam as pessoas e causam danos ao patrimônio público e privado. Ocorridos recentemente, o massacre de trabalhadores rurais no município de Colniza, no Mato Grosso, e o ataque ao povo indígena Gamela, em Viana, no Maranhão, são barbáries que vitimaram os mais pobres. Essas ocorrências exigem imediatas providências das autoridades competentes na apuração e punição dos responsáveis.
No esforço de superação do grave momento atual, são necessárias reformas, que se legitimam quando obedecem à lógica do diálogo com toda a sociedade, com vistas ao bem comum. Do Judiciário, a quem compete garantir o direito e a justiça para todos, espera-se atuação independente e autônoma, no estrito cumprimento da lei. Da Mídia espera-se que seja livre, plural e independente, para que se coloque a serviço da verdade.
Não há futuro para uma sociedade na qual se dissolve a verdadeira fraternidade. Por isso, urge a construção de um projeto viável de nação justa, solidária e fraterna. “É necessário procurar uma saída para a sufocante disputa entre a tese neoliberal e a neoestatista (…). A mera atualização de velhas categorias de pensamentos, ou o recurso a sofisticadas técnicas de decisões coletivas, não é suficiente. É necessário buscar caminhos novos inspirados na mensagem de Cristo” (Papa Francisco – Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais – 24 de abril de 2017).
O povo brasileiro tem coragem, fé e esperança. Está em suas mãos defender a dignidade e a liberdade, promover uma cultura de paz para todos, lutar pela justiça e pela causa dos oprimidos e fazer do Brasil uma nação respeitada.
A CNBB está sempre à disposição para colaborar na busca de soluções para o grave momento que vivemos e conclama os católicos e as pessoas de boa vontade a participarem, consciente e ativamente, na construção do Brasil que queremos.
No Ano Nacional Mariano, confiamos o povo brasileiro, com suas angústias, anseios e esperanças, ao coração de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Deus nos abençoe!

Aparecida – SP, 3 de maio de 2017.
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

Cimi revela que número de índios agredidos em Viana (MA) é maior que o divulgado


Apuração realizada durante esta semana revelou que o número de feridos entre o povo Gamela, atacado no último dia 30 em uma área retomada no Povoado das Baías, município de Viana (MA), é ainda maior: 17 Gamela sofreram algum tipo de ferimento – entre estes indígenas, duas crianças e um pré-adolescente. Somados aos cinco baleados, chega a 22. O dado anterior a esta verificação dava conta de 13, sem os cinco Gamela feridos a tiros – três seguem internados no Hospital Central, em São Luís.
Dentre os não feridos a tiros, Dilma Cotrim Meireles Gamela é o caso que apresentou maior gravidade médica. Durante o ataque sofrido pelos Gamela numa área de retomada, Dilma levou pauladas e pedradas na cabeça. Passou a ter vômitos, tontura, desorientação. Na quarta-feira, 2, a indígena precisou realizar exames no Hospital Central e terminou internada, recebendo alta no início da noite desta sexta-feira, 5. Dois filhos de Dilma – J.M.S, de 14 anos, e N.M.S, de 12 anos – também acabaram feridos durante o ataque.
Os ferimentos apresentados pelos 17 Gamela não atingidos por armas de fogo foram causados por facões, pauladas, pedradas e escoriações ocorridas durante a fuga. I. D, de 10 anos, teve uma arma apontada contra a cabeça. “Ela ficou parada, parecendo em estado de choque. Não se mexia. Teve de ser arrastada no meio dos tiros e sofreu uns arranhões”, explica Maria das Dores Gamela, uma das feridas – levou uma paulada nas costas e cortes na perna esquerda no momento em que passava por uma cerca de arame farpado.
Leia na íntegra a lista de feridos e baleados:
1 – Benedito Lourenço Baía Filho;
2- Leonete Mendonça dos Santos;
3- João Pereira Silva;
4- Raimundo Pereira Meireles;
5- Ademir Meirelles;
6- Carla Pereira;
7- Maria Raimundo;
8- Dilma Cotrim Meireles;
9- J.M.S, de 14 anos;
10- N.M.S, de 12 anos;
11 – Ronilson (sobrenome não localizado);
12 – João dos Santos;
13- I.D, de 10 anos;
14- Laércio Mendonça Reis;
15- Jacineva (sobrenome não localizado);
16- Jaudo Gamela;
17- José Oscar Mendonça.
Baleados e mãos amputadas:
1.Aldenir de Jesus Robeiro – baleado e duas mãos amputadas;
2. José Ribamar Mendes – baleado e mão direita amputada;
3. José André Ribeiro – baleado;
Com alta médica:
4. Francisco Jansen – baleado;
5. Inaldo Cerejo – baleado.
Leia a Íntegra da matéria  aqui.
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | De Viana, Maranhão
Foto: Ana Mendes/Cimi

Cenário político indigenista vivido no Brasil é caótico!

CARTA DE DOM ROQUE NA 55ª ASSEMBLEIA GERAL DA CNBB
“Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.” (Mt 5,5)
O cenário político indigenista vivido no Brasil é caótico. O risco iminente de retrocessos contra os direitos indígenas, de modo especial ligados ao território, é alto. O agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas no Brasil é evidente.
As ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do Estado Brasileiro. Favorecidos com doações milionárias de grandes corporações, inclusive multinacionais, o ruralismo saiu ainda mais fortalecido das urnas, em 2014. O impeachment, de 2016, permitiu aumentar o ataque contra os povos indígenas em todo o território nacional.
A bancada ruralista, que já exercia forte pressão sobre o governo Dilma, agora assumiu, por completo, a condução política do governo Temer. Diferentes órgãos foram ocupados por pessoas com posicionamentos antagônicos aos povos indígenas, quilombolas, demais comunidades tradicionais e camponeses sem terra.
Até mesmo o Ministério da Justiça, que tem papel fundamental na condução dos procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas, foi assumido por um membro da bancada ruralista, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00, principal instrumento legislativo contra os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.
O Ministro da Justiça destaca-se por ser um operador orgânico, empenhado nas ações que visam a desconstrução dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Corporações empresariais ligadas ao agronegócio foram as principais financiadoras de sua campanha à Câmara dos Deputados. Como ministro do governo Temer, é o representante do núcleo duro da bancada ruralista, setor que atua de modo articulado, sistemático e violento no ataque aos povos e direitos indígenas.
Pelo enxugamento de recursos e descompromisso político, o governo Temer paralisou os procedimentos administrativos de demarcação das terras indígenas. Desde que assumiu o governo, em maio de 2016, nenhuma terra indígena foi homologada pelo Presidente e sequer declarada pelo Ministro da Justiça.
O Executivo federal também demitiu funcionários e cortou o orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). Com isso, mais de cinquenta coordenações técnicas locais e ao menos cinco bases de proteção a povos isolados e de recente contato estão sendo fechadas pelo órgão indigenista.
O enxugamento da máquina governamental configura a desproteção dos povos indígenas, perpetua situações de vulnerabilidade sócio cultural, conflitos e violências enfrentadas pelos povos, de modo especial nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Noroeste do país. Também favorece a invasão, loteamento e apossamento ilegal de terras indígenas já demarcadas; ao mesmo tempo em que fortalece o risco de genocídio contra diversos povos isolados, de modo especial na região Amazônica.
No Judiciário, de modo especial no Supremo Tribunal Federal (STF), há intensa disputa em torno da interpretação do atual texto constitucional. Os ruralistas e alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) defendem a tese político-jurídica do Marco Temporal, segundo a qual os povos somente teriam direito às terras nas quais estavam na posse em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Brasileira. Naquele momento, muitos povos indígenas estavam encurralados em terras não demarcadas e impedidos de reivindicar seus territórios. Trata-se de matéria de profunda importância e gravidade. Eventual decisão majoritária do STF em favor dessa tese, significará, na prática, a legalização e legitimação de todas as ações violentas, cometidas por forças privadas e pelo próprio Estado brasileiro, até aquela data, que resultaram em expulsões dos povos de suas terras.
A mera possibilidade de legitimação dos esbulhos de terras indígenas cometidos até outubro de 1988, tem servido para insuflar a prática de novas invasões, loteamentos e apossamentos ilegais de terras indígenas já demarcadas, práticas que estão em curso especialmente nos estados de Rondônia e Pará.
Perseguições ao Cimi, seus membros e colaboradores: A CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul e a CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados.
No advento dos 45 anos completados no último dia 23 de abril, o Cimi tem a alegria de informar sobre o arquivamento, por parte do Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF), do Relatório produzido pela CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul. A Comissão Parlamentar de Inquérito criada e conduzida por parlamentares ruralistas invadiu a vida institucional do Cimi, de membros e colaboradores da organização durante oito meses, no período de setembro de 2015 a maio de 2016.
Ao longo de todo esse tempo, acusações marcadamente falaciosas foram amplamente divulgadas como se verdade fossem por diferentes veículos de comunicação, inclusive pela TV pública da própria Assembleia Legislativa daquele estado. Imagens de missionários e seus familiares e crianças foram divulgadas sem o menor respeito.
O arquivamento do Relatório da CPI do Cimi pelos órgãos de controle do Estado brasileiro demonstra que a luta por direitos e em defesa da Vida no Brasil não é e não pode ser tratada como crime em nosso país. Com o arquivamento do citado Relatório, fica novamente demonstrado, mais uma vez, que o Cimi, seus membros e colaboradores atuam, única e exclusivamente, dentro dos marcos político-legais vigentes no Estado brasileiro.
A motivação central do arquivamento do Relatório da CPI, a saber, por falta de provas, materializa o fato de que as acusações desferidas por parte de representantes do agronegócio sul mato-grossense contra o Cimi, seus membros e colaboradores tinham exclusivo viés político-ideológico e se deram num contexto de perseguição, tentativa de criminalização e na intenção de provocar danos morais contra uma organização reconhecida, nacional e internacionalmente, pelo compromisso com a vida dos povos indígenas e de uma sociedade plural e democrática.
Nesse contexto, o Cimi chama a atenção para o fato de que o referido Relatório, devidamente arquivado pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal no Mato Grosso do Sul, foi requerido e pode estar sendo ‘requentado’ pelos ruralistas no âmbito da CPI da Funai/Incra na Câmara dos Deputados. O relatório desta nova CPI provavelmente será aprovado ainda neste mês de maio de 2017.
Por evidente, eventual menção e retomada, pela CPI da Funai/Incra, de acusações dirigidas ao Cimi, a seus membros e colaboradores que foram arquivadas junto com o Relatório da CPI do Cimi no Mato Grosso do Sul, significará prática recorrente, de modo consciente e deliberado, por parte de seus autores, de perseguição política, tentativa de criminalização e provocação de danos morais contra a organização, seus membros e colaboradores.
Cumpre lembrar que estas estratégias de acusações infundadas e tentativas de linchamento moral contra o Cimi não são inéditas. No advento do processo Constituinte, em 1987, na tentativa de desqualificar a luta dos povos indígenas pela garantia de seus direitos no texto Constitucional, o Cimi também sofreu um duro processo de acusações públicas feitas por meio do Jornal Estado de São Paulo. As acusações desembocaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional. Na ocasião, ao longo do funcionamento da CPI foi comprovado o caráter totalmente fraudulento dos documentos que embasavam as acusações contra o Cimi. Composta por maioria contrária ao Cimi e à causa indígena, a CPI finalizou sem a votação do relatório que necessariamente inocentaria o Cimi.
Incidência junto a Organismos Multilaterias em defesa da causa indígena no Brasil
Diante do caos vivido no Brasil quanto às violações de direitos humanos provadas por representantes dos interesses do agronegócio, bem como, do absoluto controle político das estruturas legislativas e de governo no Estado brasileiro pelo mesmo setor, a atuação política junto a organismos multilaterais em defesa dos direitos e da vida dos povos indígenas ganha ainda mais importância.
Neste sentido, o Cimi tem mantido presença, por meio de seus missionários, e contribuído para garantir a participação de lideranças indígenas em diferentes espaços de incidência internacional, tais como: o Fórum Permanente da ONU sobre Povos Indígenas, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, as representações diplomáticas do Brasil junto à ONU e à OEA; a Relatoria Especial da ONU para Povos Indígenas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligadas à Organização dos Estados Americanos (OAE).
Destacamos, neste contexto, a atuação do Cimi, por meio de suas assessorias e missionários, no Caso Xucuru, que está em julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, e a apresentação de denúncia formal sobre violações e violências sofridas pelos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em conjunto com organizações parceiras, em 2016.
Importante salientar ainda, que, em 2016, o Cimi obteve o Status Consultivo Especial no Conselho Econômico e Social da ONU. O fato atesta o reconhecimento da Organização das Nações Unidas relativamente à atuação do Cimi em defesa da Vida e dos direitos dos povos indígenas no Brasil e fortalece a missão e a responsabilidade do Organismo de Pastoral junto a instâncias multilaterais.
A visita ao Brasil e o Relatório produzido pela Relatora Especial da ONU sobre povos indígenas, Victoria Tauli Corpus, em 2016, em que constam informações sobre violações e violências cometidas, especialmente, contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará, bem como as recomendações feitas pela mesma , atestam a gravidade da situação vivida pelos povos indígenas em nosso país.
Os ataques violentos feitos por milicianos de modo organizado e com requintes de crueldade, desferidos após a visita da Relatora Especial da ONU e já no contexto do Governo Temer, especialmente nos casos do conhecido “Massacre de Caarapó”, contra os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul em junho de 2016, e o ataque contra os Gamela, neste domingo 30 de abril de 2017, no Maranhão, demonstram o agravamento da situação e a total desconsideração às normas legais vigentes no Brasil e às recomendações de organismos internacionais por parte de representantes do agronegócio no Brasil.
Parece-nos fortemente paradoxal e não razoável o fato de que uma notícia, por exemplo, sobre a ocorrência de eventual caso de febre aftosa em um boi numa determinada região do Brasil provoque restrição, suspensão e até mesmo o fechamento dos mercados à importação de carne bovina brasileira, ao mesmo tempo em que notícias como o massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no Pará, em 1997, o Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, em 2016, e o Massacre de Colniza, no Mato Grosso, em 2017, não tenham consequências, tais como, de restrição, suspensão ou fechamento nestes mesmos mercados à importação de commodities produzidas pelo agronegócio nessas regiões.
A Avides como motivação dos ataques anti-indígenas
Em momentos de crise no sistema capitalista, as grandes corporações intensificam suas iniciativas na perspectiva de manter e ampliar as taxas de lucro, potencializando a concentração de capital no mundo . Para tanto, atuam fortemente em todos os níveis, para flexibilizar os direitos conquistados pelos trabalhadores, para se apropriar de bens estatais por meio de privatizações e para expandir a posse e a exploração de bens naturais.
O acesso, a exploração e a transformação de bens naturais em mercadoria comercializável é um mecanismo de geração de lucro fácil e rápido. O movimento expansionista vigente em toda a América Latina, e no Brasil em especial, dá-se nessa perspectiva. As terras que estão na posse dos povos indígenas e de outras populações tradicionais são ricas em bens naturais. Por isso, essas áreas estão sob permanente assédio e o direito sobre elas estão sob intenso ataque.
Os Povos Conscientes e em luta na defesa de seus direitos e projetos de vida.
Diante disso tudo, por óbvio, os povos indígenas não ficariam de “braços cruzados”. O ataque sistemático e violento aos seus direitos e às suas vidas faz com que se mobilizem em todas as regiões do país. Nas aldeias, nas estradas, nas retomadas, nas autodemarcações, nas incidências e mobilizações, no Brasil e em instâncias multilaterais, continuam fazendo as denúncias contra os projetos de morte do agronegócio e anunciando, em alto e bom som, que estão vivos e que darão suas vidas pelo direito à Vida e ao futuro de sus gerações em seus territórios demarcados e protegidos.
Continuidade e audácia do nosso compromisso com os povos indígenas
Eu trago do 14º Acampamento “Terra Livre”, de Brasília, os gritos dos povos indígenas para essa nossa assembleia da CNBB: “demarcação já!”, “respeito aos territórios demarcados!”, “respeito à vida dos povos indígenas”. O Relatório de Violência contra os povos indígenas no Brasil nos obrigou, novamente, de divulgar uma realidade triste. Dentre outras violências graves, mais de 650 casos de omissão e morosidade na regularização de terras, cerca de 600 óbitos de crianças de 0 a 5 anos, e dezenas de assassinados no ano de 2015 foram registrados.
Até hoje, a defesa dos povos indígenas é uma luta pela vida e contra a morte. Pecado não é apenas “matar índios”. “Pecado” significa também, indiferença diante das ameaças de sua causa pelos três poderes, ingenuidade de parcerias e indigenismo de gabinete.
Faz 10 anos que se realizou, aqui em Aparecida, a Va Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Lhes asseguro, caros colegas no ministério episcopal, que as missionárias e os missionários do Cimi têm “um compromisso com a realidade” (DAp 491), como o Documento de Aparecida (DAp) nos recomendou e que esse compromisso “nasce do amor apaixonado por Cristo que acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho na história” (DAp 491). Mas esse compromisso do testemunho pascal levou o Cimi, muitas vezes, aos limites entre vida e morte. Celebramos este ano o jubileu de dois mártires do Cimi: o salesiano Rodolfo Lunkenbein (1939-1976) e o jesuíta Vicente Cañas (1939-1987), Rodolfo assassinado, faz 40 anos, porque defendeu o território dos Bororo, Vicente, faz 30 anos, porque defendeu o território dos Enawenê Nawê. Rodolfo era conselheiro do Cimi, Vicente sua consciência inquieta. Mas os primeiros mártires da causa indígena foram os próprios índios.
Por fim, agradeço profundamente o apoio, o envolvimento e o empenho da Presidência da CNBB em relação à causa indígena no Brasil e, de modo particular, ao Cimi. Estou convicto de que se não fosse isso, a situação descrita neste pronunciamento seria muito mais grave.
Quero terminar essa comunicação com um breve testemunho de Dom Aldo Mongiano, meu antecessor de Roraima. Ao despedir-se da diocese, em 1996, D. Aldo escreveu uma Carta Pastoral que poderia ser do apóstolo Paulo: “Fui espionado, sofri ameaças, insultos, falsos testemunhos. […] Durante vinte anos, políticos, jornais e rádios locais alvejaram atirando contra a Igreja de Roraima, lançando contra mim e contra os missionários da Consolata as críticas mais venenosas e as calúnias mais infames. […] Quando parti para Roraima, tinha comigo só o passaporte, a passagem e o documento de Roma, no qual tinha sido nomeado bispo. Quando fui embora, nem isso tinha” (Mongiano, Aldo. Roraima entre profecia e martírio, Diocese de Roraima, 2011). Mas lutar não foi em vão. Eis a nossa esperança também hoje. Faz tempo que o território dos povos indígenas de Roraima e dos Bororo e dos Enawenê Nawê do Mato Grosso foram demarcados. O martírio aponta para o núcleo da esperança de uma causa aparentemente perdida, de uma causa que na última instância e antecipadamente recebeu o veredito de Deus fiel e justo: “serás livre e tua causa viverá”. Vivemos de esperança em esperança, porque acreditamos: “Felizes os mansos, porque receberão a terra em herança.” (Mt 5,5).
Dom Roque Paloschi
Arcebispo de Porto Velho, Rondônia, e Presidente do Cimi