Em
passagem pelo Brasil às vésperas da Copa, o sociólogo italiano Domenico de Masi,
autor de O Ócio Criativo,
diz não compreender o desânimo dos brasileiros com o evento.
"Não entendo
por que o pessimismo. Para uma pessoa não brasileira, é difícil entender",
afirmou em entrevista à BBC Brasil.
"Os
dados estatísticos são todos positivos. Há 196 países no mundo, são 189 abaixo
do Brasil. Em qual posição o Brasil deveria estar para ser mais
otimista?", provocou o sociólogo.
A reportagem é publicada por BBC Brasil,
12-06-2014.
O entusiasmo com o Brasil fica claro no livro que De Masi veio lançar no país. Em O Futuro Chegou - Modelos de
vida para uma sociedade desorientada, o italiano parte da
premissa de que tanto o comunismo quanto o capitalismo falharam. Analisa,
então, 15 diferentes modelos de desenvolvimento com o objetivo de, a partir
deles, propor um novo modelo.
"O
Brasil copiou a Europa por 450 anos, mas agora o modelo da Europa está em
crise. O Brasil copiou o modelo americano por 50 anos, mas agora esse modelo
também está em crise. Agora, o Brasil não pode mais copiar modelos. Precisa
criar um modelo seu, autônomo", disse.
Na obra, De
Masi destaca a
"concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida, uma propensão à
amizade e à solidariedade, um comportamento aberto à cordialidade". Afirma
ainda que os índios já viviam em "ócio criativo", numa síntese de
estudo, trabalho e lazer.
Nesta
entrevista, rebateu reportagem da revista britânica The Economist, que afirmou
que os brasileiros eram improdutivos e que, "a partir do momento em que
você pisa no Brasil, você começa a perder tempo".
"Eu,
quando chego ao Brasil, fico super produtivo", rebateu.
De Masi destaca que o Brasil ainda não cumpriu seu
potencial, mas é o "melhor que o Brasil já foi até hoje". "O
futuro já chegou, não precisa mais esperar. Se um país é o 7º do mundo,
significa que o futuro já chegou."
Leia abaixo trechos da
entrevista.
Brasil
A atual
sociedade global não tem modelo, é preciso criar um. Para isso, temos que
analisar todos os modelos, pegar as coisas boas e tirar o negativo.
O Brasil
tem como positivo a alegria, a solidariedade, o otimismo, o senso estético.
Negativos são a violência, corrupção, analfabetismo e a distância entre ricos e
pobres.
O Brasil
atual não é o melhor Brasil possível, mas é o melhor que o Brasil já foi até
hoje. Há mais longevidade, aumentou o PIB geral e o per capita, há mais
universidades, escolas, e a democracia é completa.
Formação cultural
O Brasil
tem quatro matrizes culturais: índia, portuguesa, africana e mundial, europeia,
mas também oriental, asiática.
Do
modelo índio, pode-se pegar a dimensão estética, a convivência, a relação
harmoniosa com a natureza.
Do
modelo português podemos pegar o empreendedorismo, o espírito de aventura.
Da
matriz africana, a preocupação com o corpo, a musicalidade, o sincretismo
religioso, e do modelo que vem dos outros países do mundo, a globalidade.
Pessimismo
No
livro, digo que os brasileiros são otimistas, com base em uma pesquisa. O
resultado dela é que aspectos importantes do Brasil são a solidariedade, alegria,
sensualidade, espírito de acolhimento.
Não entendo por que o pessimismo com a Copa. Para uma
pessoa não brasileira, é difícil entender. Os dados estatísticos são todos
positivos, não são negativos.
O Brasil
é o sétimo maior PIB do mundo. Sabe quantos são os países? 196. O Brasil é o 7º
posto. São 189 países abaixo do Brasil, de acordo com o PIB. Em qual posição o
Brasil deveria estar para ser mais otimista?
Não é
fácil explicar o pessimismo. Se o país fez um investimento no evento, o
dinheiro gasto é maior ou menor que o dinheiro que vai ganhar? Se a percepção é
que os gastos serão maiores, por que o Brasil fez a Copa? Para mim, não está
claro se é bom ou não.
A Copa e a Olimpíada não vão fazer os serviços melhores? Eu
vi todos os aeroportos renovados. Porto Alegre, Brasília, São Paulo, Rio,
estavam fazendo reformas em tudo. Aqui no Rio só vejo obras. A impressão é que
há coisas mudando, mas isso vocês também podem ver.
Protestos
Eu penso
que os protestos são uma fase de maturação do Brasil. A corrupção sempre esteve
no Brasil. Mas a contestação à corrupção é um fato novo. É interessante porque
foi a primeira vez que houve uma forte contestação contra a corrupção.
Produtividade
Eu,
quando chego ao Brasil, sou super produtivo. A falta de produtividade no Brasil
se deve muito à desorganização urbana. O trânsito em São Paulo é sempre
terrível, por exemplo. As pessoas perdem horas pra chegar ao trabalho, perde-se
muita produção.
O modelo
brasileiro de produtividade é muito bom, porque a relações não são só
racionais, são emotivas. Isso é ótimo. Mas contra a produtividade há a
desorganização e a burocracia.
Aquilo
que é necessário hoje a uma pessoa que trabalha é a criatividade. A criatividade
é uma síntese entre fantasia e concretude. A fantasia é emotividade, e a
concretude é racionalidade.
O
brasileiro é mais criativo, porque há fantasia e concretude. Os americanos só
têm concretude. Os napolitanos, só fantasia.
Distribuição de riqueza
Os
economistas falam de crise, mas não há uma crise. A crise é algo que acaba, e
esse processo que está acontecendo no mundo não vai acabar. Há uma
redistribuição da riqueza mundial. Os países pobres ficarão sempre mais ricos e
os ricos, mais pobres.
Não li o livro do [economista francês] Thomas Piketty (O Capital no Século XXI), por isso
não posso fazer um comentário. Mas esse aumento na diferença entre poucos ricos
e muitos pobres não é novidade, foi dito há 15 anos no meu livro.
Há uma
diferença da situação mundial e daquela de dentro dos países. A riqueza do
mundo aumenta em geral 3 pontos por ano. Alguns países pobres, como a China,
Índia e Brasil, há 30 anos aumentam a riqueza. Mas dentro da China, dentro do
Brasil, dentro da Índia, alguns estão ficando mais ricos, e outros mais pobres.
País do futuro
O Brasil
copiou a Europa por 450 anos, mas agora o modelo da Europa está em crise. O
Brasil copiou o modelo americano por 50 anos, mas agora esse modelo também está
em crise. Agora, o Brasil não pode mais copiar modelos. Precisa criar um modelo
seu, autônomo
Jorge Amando, em um
livro de 1930, disse em um certo ponto que Brasil era o país do futuro. Depois,
em 1941.Stefan
Zweig [escritor
austríaco] escreveu Brasil, um país do futuro.
Depois,
o governo militar, de 1964 a 1984, dizia sempre que Brasil era o país do
futuro. Eu digo que o futuro já chegou, não precisa mais esperar. Se um país é
o 7º do mundo, significa que o futuro já chegou.