31 agosto, 2021

A Igreja e a Homossexualidade - Por Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos

A população LGBT também precisa do carinho e acolhida em nossas Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs.

Abrir-se a eles para em nossas comunidades somar com seus dons e carismas.

Na sessão dessa terça-feira (31) da Câmara de Vereadores de Maringá-Pr, a convite da vereadora Ana Lúcia Rodrigues a representante da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Maringá, doutora Francielle Rocha, esteve presente e defendeu a aprovação do projeto de lei que institui o Conselho Municipal dos Direitos LGBTI+.

Dados apresentando Francielle mostra aumento dos casos de LGBTfobia. “Nos Paraná houve um aumento de 63% de casos de LGBTfobia no ano passado em relação a 2019. Em Maringá mais de 67% das pessoas LGBTI+ foram vítimas de preconceito e discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero, segundo dados oficiais da prefeitura.”

A vereadora Ana Lúcia citou parte de um texto que já li e avalio como muito bom. O texto de autoria de Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos reflete sobre a população LGBT, constituída por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.

Segue o texto:

A IGREJA E A HOMOSSEXUALIDADE

Por Pe. Marcos Roberto Almeida dos Santos
Do clero da Arquidiocese de Maringá

O Concílio Vaticano II (1962-1965) rompeu com o conceito de “fuga mundi”por uma atitude de diálogo e discernimento frente aos valores da modernidade. Na constituição pastoral Gaudium et spes (GS)os padres conciliares manifestaram o desejo de moldar uma Igreja que, fosse sensível às alegrias e as esperanças, bem como as tristezas e as angústias dos homens de hoje (GS 1), perfazendo assim, uma instituição que em resposta ao mandato do Senhor de evangelizar todos os povos, concorresse para tornar a humanidade mais sensível aos valores do Evangelho. Neste intuito de ser uma Igreja em que, toda realidade humana encontre eco em seu coração, o Concílio Vaticano II permiti moldar uma instituiçãocomo expressão do diálogo e do discernimento. Para tanto, à luz do concílio, evangelizar impele manter um intercâmbio permanente entre a Igreja e as diversas culturas vigentes, onde os fiéis iluminados adequadamente pela Palavra de Deus e o Magistério eclesiástico, saibam interpretar a verdade divina revelada por Deus (GS 4 e 44). A liberdade de consciência da pessoa humana, associada a sua autonomia e dever de buscar a verdade, favorece um diálogo sincero, impondo a Igreja o reconhecimento de uma fecunda diversidade entre os seus fiéis (GS 16).

Posto isso, vemos a emergência de nós católicos refletirmos sobre a população LGBT, constituída por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, não se imiscuindo da visibilidade e emergência deste agrupamento social tão mal compreendido e assimilado na sociedade atual. A Igreja reconhece ser a pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus, não sendo a orientação sexual o critério para se estabelecer a validade ou não da sua relação para com o transcendente, pois qualquer pessoa neste mundo é criatura de Deus e destinatário da sua graça, sendo por isso filho e herdeiro da vida eterna. Deus não ama menos uma pessoa por ela ser gay ou lésbica.

O paradigma inaugurado pelo Concílio Vaticano II permite a cada cristão-católico encontrar meios de acolhida e ajuda a estes nossos irmãos e irmãs, não no intuito de convertê-los e curá-los, mas no sentido de ajudá-los a integrar-se ao convívio social e eclesial e, na imprescindibilidade de devolver-lhe a dignidade humana, tantas vezes ferida e machucada pelo preconceito e pela intolerância à diversidade sexual. A CNBB em seu documento nº 100 sobre a conversão pastoral da paróquia, estabelece que em nossas comunidades cristãs saibamos acolher e integrar as pessoas que vivem em outras configurações familiares diferentes à família tradicional. Os bispos brasileiros alertam: “A Igreja, família de Cristo, precisa acolher com amor todos os seus filhos. [...]. Na renovação paroquial, a questão familiar exige conversão pastoral para não perder nada da Boa-Nova anunciada pela Igreja e, ao mesmo tempo, não deixar de atender, pastoralmente, às novas situações da vida familiar. Acolher, orientar e incluir nas comunidades aqueles que vivem numa outra configuração familiar são desafios inadiáveis”[1]. Dom Frei Severino Clasen, em sua Carta Pastoral publicada neste último 15 de agosto, alertou que o trabalho de evangelização da juventude precisa, imprescindivelmente, considerar a juventude homoafetiva[2].Na diocese de Nova Iguaçu no Rio de Janeiro, se criou a pastoral da diversidade, no intuito de auxiliar a população LGBT no exercício da fé religiosa.Aos poucos vamos percebendo que a Igreja e a sociedade civil vão tomando consciência que, a condição homossexual não é fruto da opção deliberada da pessoa e, portanto, não tendo ela alternativa senão se comportar de modo homossexual.

O pontificado do Papa Francisco inovou na relação de acolhida para com as pessoas homossexuais. Disse ele, em 2013, voltando do Brasil a Roma por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro: “Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar? [...] Não se devem marginalizar estas pessoas”[3]. O papa retoma o ensino do Concílio Vaticano II utilizando-se dos conceitos de liberdade e autonomia da consciência aplicada à realidade das pessoas homossexuais. No documento de Aparecida, resultado da conferência de bispos de toda a América Latina, realizada em 2007 com a participação do Papa Bento XVI e do então Arcebispo de Buenos Aires, Cardeal Bergoglio, convoca toda a Igreja a ir às “periferias existenciais” para o encontro com todos os que sofrem diversas formas de injustiças, carências e conflitos: “Com especial atenção e em continuidade com as Conferências anteriores, fixamos nosso olhar nos rostos dos novos excluídos: os migrantes, as vítimas da violência, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e sequestros, os desaparecidos, os enfermos de HIV e de enfermidades endêmicas, os tóxicos-dependentes, idosos, meninos e meninas que são vítimas da prostituição, pornografia e violência ou do trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da exclusão e do tráfico para a exploração sexual, pessoas com capacidades diferentes, grandes grupos de desempregados/as, os excluídos pelo analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes cidades, os indígenas e afro-americanos, agricultores sem terra e os mineiros. A Igreja, com sua Pastoral Social, deve dar acolhida e acompanhar essas pessoas excluídas nas respectivas esferas” (DAp. 402).

O Papa Francisco critica uma Igreja autorreferencial e entrincheirada em “estruturas caducas que perderam a capacidade de acolhimento”[4], porque o anúncio do amor salvífico de Deus precede a obrigação moral e religiosa. Na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium ensina que devemos evitar desproporções na pregação cristãs, sobretudo quando pregamos mais a lei do que a graça de Deus, mais a Igreja do que Jesus Cristo, mais o Papa do que a Palavra de Deus (cf. EG 38). Nossa pregação moral não é uma ética estoica, não é uma mera filosofia prática e nem um catálogo de pecados e erros, porque o Evangelho é, antes de tudo, resposta a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-nos como irmãos e irmãs na procura e no bem de todos (cf. EG 39). A misericórdia deve ser aplicada e vivida por todos os cristãos, inclusive pelos pastores da Igreja, rejeitando com isso todo idealismo estéril sem paciência e misericórdia: “fujam dos padres rígidos! Eles mordem”[5], dizia o papagraciosamente com seu bom humor.

A renovação realizada pelo Papa Francisco se faz com abertura pastoral e novos enfoques doutrinais, através de gestos ousados desencadeando novos processos de evangelização. No início de 2015 recebeu em sua casa a visita do transexual espanhol Diego Neria e de sua companheira Macarena, deixando-se fotografar com ambos.  Nos Estados Unidos recebeu na nunciatura apostólica o seu antigo aluno e amigo gay Yayo Grassi e seu companheiro. Recebeu também o chileno Juan Carlos Cruz, vítima de abuso sexual por um padre, com quem conversou em particular longamente, e na ocasião lhe disse: “Juan Carlos, que você é gay não importa. Deus te fez assim e te ama assim, e eu não me importo. O papa te ama assim. Você precisa estar feliz como você é”, segundo relato do próprio Juan Carlos[6]. Mais recentemente, em 2020, no documentário “Francesco” o Papa Francisco defendeu as uniões civis entre homossexuais: “As pessoas homossexuais têm direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deverá ser descartado ou ser infeliz. [...] O que precisamos criar é uma lei de união civil. Dessa forma eles são legalmente contemplados”[7].

Aqui nos cabe uma pergunta: Estaria o papa menosprezando a doutrina da Igreja? Na verdade, o Papa Francisco nada alterou doutrinalmente na Igreja católica, mas mudou, ou pelo menos busca mudar, a abordagem da Igreja frente aos grandes problemas da humanidade. Em meio a toda a complexidade da vida humana o papa não hesita em convocar a caridade fraterna como a primeira lei dos cristãos, como ensinou na Exortação Apostólica Amoris laetitia, sobre o amor na família: “Em toda e qualquer circunstância, perante quem tenha dificuldade em viver plenamente a lei de Deus, deve ressoar o convite a percorrer a via caritatis. A caridade fraterna é a primeira lei dos cristãos” (AL 306). Aplicando os gestos e exemplos do papa para com os LGBT´s certamente vários problemas dessa população seriam resolvidos.

Ainda na Exortação Apostólica Amoris laetitia refletindo sobre a família e seus desafios o Papa Francisco referenda o relatório conclusivo dos padres sinodais, quando pede o acolhimento e o respeito pelas pessoas homossexuais, evitando discriminação e qualquer forma de agressão e violência: “Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de tudo, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘todo sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida” (AL 250).

Mais recentemente, em 2019, a Congregação para a Educação Católica, publicou um documento sobre as questões de gênero e orientação sexual. O documento Homem e mulher os criou: para uma via de diálogo sobre a questão do gender na educação[8], reafirma o ensino tradicional da Igreja sobre antropologia e sexualidade, e ao mesmo tempo abre algumas possibilidades que podem ser promissoras. O referido documento distingui entre ideologia e as diversas pesquisas sobre gênero, realizadas pelas ciências humanas, com grande seriedade no que tange ao modo em que se vive a sexualidade entre homens e mulheres nas suas diversas culturas. Portanto, é necessário extinguir certa histeria que existe em determinados grupos quando se refere em gênero.Além do mais, alerta contra o bullying, exortando que na educação de crianças e jovens, deve-se respeitar suas diferenças e peculiaridades. O presente documento não responde às expectativas daqueles que esperavam da Igreja uma firme condenação dos estudos de gênero, mas se abre ao diálogo e ao debate aberto, afinal está se discutindo ciência, e não ideologias histéricas amplamente divulgadas por redes sociais nada cristãs.

Por fim, a Igreja precisa cada vez mais tomar consciência da população LGBT, e saber acolher em suas comunidades cristãs seus dons e carismas. Cada cristão deve ser o bom samaritano que, ao se encontrar compessoas em estado de vulnerabilidade, como é o caso de muitos homossexuais padecentes,derramar óleo e vinho em suas feridas e cuidar para que sejam inteiramente resgatadas e incluídas em nosso convívio social. A Igreja, enquanto instituição pertence à sociedade civil, deve apoiar e ajudar no discernimento ético e proposição de políticas públicas através de conselhos paritários, no intuito de acompanhar e promover esta parcela da população que clama por seus direitos.

Maringá-PR., 30 de agosto de 2021.




[1] CNBB, Comunidade de comunidades: uma nova paróquia (documento 100), nº 217-218.

[2]Dom Severino Clasen, Carta Pastoral Acolher e Cuidar, nº 226.

[3] PAPA FRANCISCO, Encontro do Santo Padre com os jornalistas durante o voo de regresso do Brasil, 28/06/2013.

[4] PAPA FRANCISCO, Solenidade de Pentecostes – homilia na Santa Missa com os movimentos eclesiais, 19/05/2013.

[5] PAPA FRANCISCO, Discurso do Papa Francisco aos participantes no congresso promovido pela Congregação para o Clero, por ocasião do cinquentenário dos decretos conciliares Optatam Totius e Presbiterorum Ordinis, Roma, 20/11/2015.

[6] El país, 19/05/2018, disponível www.elpais.com.

[8] CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, Homem e mulher os criou: para uma via de diálogo sobre a questão do gender na educação, Vaticano, 2019.


O que são os fundamentalismos?

 


Por Ivone Gebara
Publicado no Portal das CEBs



O que são os fundamentalismos?

A palavra fundamentalismo é uma das mais ouvidas tanto no mundo religioso quanto no mundo social e político nesses tempos conturbados que são os nossos. É nessa perspectiva que podemos afirmar que existem muitas formas de fundamentalismo e estas formas abrangem as políticas, as religiões, as formas de educação, enfim toda a produção de conhecimento e das atitudes humanas.

A origem da palavra fundamentalismo vem de fundamento. E quando se fala de fundamento logo se pensa em alicerce, em terreno firme a partir do qual se podem construir casas, edifícios, crenças, saberes e ciência. Mas, no caso que estamos tratando a palavra fundamento, como algumas palavras às quais acrescentamos o sufixo ismo indicam uma espécie de adulteração de seu sentido próprio. O fundamentalismo é assim uma adulteração do fundamento, é colocar outros fundamentos no lugar da sustentação vital de nossas relações, é colocar ideias e leis que favorecem o interesse de minorias privilegiadas. Assim produzem mal-estar social acentuando comportamentos de exclusão de outras pessoas. Por isso, somos convidadas/os a refletir sobre os sentidos que apresentam no mundo das relações sociais, religiosas e políticas.

Os fundamentalismos só se mantem produzindo formas de violência contra as pessoas e eliminando direitos adquiridos embora na aparência não se mostrem assim. Fazem até pensar na parábola da pessoa que saiu a semear (Marcos 4, 1 a 20) e as sementes caíram em terrenos diversos. Os terrenos fundamentalistas acabam fazendo com que as sementes morram, enquanto o bom fundamento, a terra boa, aquela que produz plantas sadias que se tornam árvores e oferecem seus frutos em abundância. Os frutos podem ser partilhados e comidos com alegria. As árvores podem abrigar a diversidade de pássaros, simbolizando a diversidade de pessoas e manifestando a importância da convivência da diversidade na manutenção da vida.

No mundo inseguro em que vivemos, sobretudo, por conta da pandemia covid-19 e da instabilidade econômica e política mundial, os fundamentalismos têm um terreno fértil. Prometem segurança, prometem ordem, prometem paz. Porém para mantê-las ameaçam, distribuem armas, alienam as pessoas do direito de escolher e pensar sobre os rumos de suas vidas. De maneira especial os fundamentalismos religiosos se aliam aos fundamentalismos políticos e acreditam ser a salvação para o povo de muitas formas de pobreza. Entretanto produzem ilusões, autoritarismos e crescente violência. A história humana pode demonstrar as tragédias múltiplas nascidas dos muitos fundamentalismos que fomos capazes de criar.

Por isso temos que estar alertas para não cair em suas armadilhas, para não nos deixarmos iludir por suas promessas as mais diversas, para não sermos tentados por vantagens individuais que são oferecidas a cada instante.

Ser capaz de enfrentar a realidade em que vivemos, analisá-la e dar passos em vista do bem coletivo é um caminho para não cair nas redes fundamentalistas que tudo fazem para nos pescar.

Dar-nos as mãos, conversar sobre nossas vidas reais, sobre nossos limites e possibilidades reais dos projetos que nos oferecem é o que chamamos de capacidade de reflexão crítica. Reflexão com critério, com julgamento real, com análise das possibilidades de um caminho que embora difícil, não nos deixará cair nas ilusões e violências dos muitos fundamentalismos.