30 outubro, 2020

Sinodalidade em um mundo socialmente distanciado. Artigo de Massimo Faggioli

"Não pode haver sinodalidade viável na Igreja Católica que continue a ignorar ou adiar as questões fundamentais dos ministérios eclesiais e do papel das mulheres na liderança da Igreja."


“Não pode haver sinodalidade viável na Igreja Católica que continue a ignorar ou adiar as questões fundamentais dos ministérios eclesiais e do papel das mulheres na liderança da Igreja”, escreve Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, em artigo publicado por La Croix, 29-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.

O caminho para o Sínodo de 2022 perpassa pelos caminhos sinodais da Alemanha e Austrália.

A preparação de uma assembleia internacional do Sínodo dos Bispos é uma operação complexa.

Esse é especialmente o caso do papa Francisco, para quem essas reuniões não são apenas para exibição. E é particularmente difícil planejar a próxima assembleia geral, que está marcada para outubro de 2022 em Roma e se concentrará sobre o próprio tema da sinodalidade.

Os preparativos para esta assembleia são cruciais, especialmente porque – neste caso – o meio é realmente a mensagem. Mas o planejamento está ocorrendo em meio a algo como uma paralisia institucional, se não em Roma, pelo menos em muitas igrejas locais.

É difícil imaginar o mundo voltando ao seu padrão normal de reuniões e viagens internacionais antes do segundo semestre de 2021. Os executivos das companhias aéreas até alertam que não é provável que seja até 2024, quando então voltaremos a algum tipo de situação pré-covid.

Isso criou um paradoxo no atual pontificado – como reconciliar a ideia do Papa de sinodalidade como um povo caminhando junto na Igreja com as medidas antipandêmicas de distanciamento obrigatório, quarentena e isolamento.

Durante um discurso em outubro de 2015, que poderia ser considerado a “carta magna” da sinodalidade eclesial, Francisco descreveu a Igreja sinodal como sendo “como um estandarte erguido pelas nações”.


Uma história ainda se desenrolando em várias fases

Mas ficou mais difícil imaginar como realmente ser uma Igreja sinodal nesses sete meses desde que ele anunciou o tema da assembleia sinodal de 2022.

Quando ele fez o anúncio, na primeira semana de março, muitos países já estavam entrando no lockdown da pandemia.

A sinodalidade tornou-se parte do vocabulário da Igreja de uma forma que dificilmente poderia ser imaginada antes de Jorge Mario Bergoglio ser eleito Papa.

No entanto, a ênfase do Papa argentino na sinodalidade é uma história ainda em desenvolvimento com fases distintas e claramente identificáveis.


Das assembleias sinodais consecutivas ao intermezzo

A Fase Um veio nos anos decisivos de 2013-2015. Foi marcada pelas duas assembleias sinodais sobre o casamento e a família – primeiro em 2014 e depois em 2015. Francisco anunciou estes encontros consecutivos sem precedentes apenas alguns meses após a sua eleição em 2013.

A segunda fase foi o intermezzo entre 2016-2018. Essa foi caracterizada por uma série de episódios.

Primeiro, houve a reação dos tradicionalistas a Amoris Laetitia, a exortação pós-sinodal do Papa de 2016 sobre o casamento e a vida familiar. Em seguida, houve a publicação em setembro de 2018 de Episcopalis Communio, uma constituição apostólica para reformar o Sínodo dos Bispos.

Poucas semanas depois, foi emitida uma instrução sobre a celebração do Sínodo, seguida quase imediatamente pela assembleia do Sínodo dos Bispos sobre os jovens (3-28 de outubro).

A Fase Três está tomando forma e pode ser identificada com as crescentes preocupações que Francisco expressou desde o início de 2019 sobre os riscos da sinodalidade e a necessidade de distingui-la do funcionalismo parlamentar.

Ele articulou suas apreensões em uma carta à Igreja da Alemanha (junho de 2019), em discursos que proferiu durante o chamado Sínodo Pan-Amazônico (outubro de 2019) e até na exortação pós-sinodal, Querida Amazônia.


A sinodalidade não funciona como um parlamento

Finalmente, o Papa também expressou sua preocupação sobre a falta de entendimento sobre o Sínodo e a sinodalidade em um escrito nunca publicado, mas que foi revelado pelo jesuíta Antonio Spadaro em um artigo da La Civiltà Cattolica, de setembro passado.

Nos últimos dois anos, Francisco tem sido cada vez mais persistente no alerta contra o perigo de permitir que a sinodalidade caia nas mãos de elites eclesiais que a colocarão uma política idiossincrática e tocarão mudanças canônicas.

Ele também está obstinado para que o procedimento sinodal não se torne em algo similar a debates parlamentares.

O que isso significa para agora e 2022, como uma visão do Papa para uma Igreja sinodal que se encaminha para a Fase Quatro?


O “caminho sinodal” da Alemanha

Os próximos dois anos devem revelar se a nova ênfase do Papa sobre a sinodalidade é meramente uma mudança no vocabulário ou algo que aspira ou pretende criar raízes a nível institucional e em documentos do magistério.

São poucos os processos sinodais que já se iniciaram. Dois deles estão a nível nacional e eles devem ser completados entre agora e o início da próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, em 2022.

O primeiro é na Alemanha, onde o “caminho sinodal” iniciado em 2019 tem chamado a atenção de muitos e causado ansiedade em Roma.

Nos últimos meses tem ocorrido algumas procissões de líderes da Igreja alemã para audiências com o Papa e oficiais da Cúria Romana.

O Sínodo nacional da Alemanha é um evento para todos os católicos do país, mas não é separado de outros processos locais.

Por exemplo, a diocese de Trier tem trabalhado para reestruturar o sistema paroquial, não somente reduzindo o número de paróquias, mas também repensando o papel do clero nos “times paroquiais” feitos por leigos.

No início deste ano, as autoridades em Roma rejeitaram o projeto apresentado pelo bispo de Trier, que na verdade foi fruto de um sínodo diocesano de 2016.

Outras dioceses na Alemanha estão planejando reformas semelhantes. O papa Francisco exortou sua Igreja a buscar uma “descentralização saudável” e promover uma maior sinodalidade. Mas o que isso significa para as igrejas locais, e quanto espaço Roma lhes permitirá manobrar, ainda não está claro.


Um Conselho Plenário “Austral”


O segundo lugar onde a sinodalidade está sendo testada em nível nacional é a Austrália.

A Igreja Católica começou a planejar um Conselho Plenário em 2018, realizando pequenas reuniões locais. O processo representa um dos exemplos mais interessantes de tentar aproveitar o “momento Francisco” – embora as primeiras propostas para um sínodo na Austrália tenham precedido a eleição do atual Papa.

No caso australiano, a preparação do Conselho Plenário foi moldada por um forte papel dos leigos, inclusive no nível de liderança no comitê executivo e na equipe de facilitação.

Uma característica fundamental dos preparativos é um relatório de 208 páginas, intitulado “A Luz da Cruz Austral: promovendo corresponsabilidade na Igreja Católica na Austrália”.

Foi compilado por 18 homens e mulheres católicos – um bispo, três padres e 14 leigos que representam um campo amplo e variado de especialização (para divulgação completa: fui membro dessa força-tarefa que trabalhou no relatório).

A Conferência Episcopal Australiana e os Religiosos Católicos da Austrália pediram ao grupo para basear seu relatório nas recomendações que a Comissão Real para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil (2013-2017) fez sobre a governança da Igreja local – mas, obviamente, de uma forma compatível com a eclesiologia católica.

Este relatório pode se tornar um modelo de como uma Igreja pode proceder na reforma de sua estrutura de governo em resposta à crise de abusos. Nenhuma igreja no catolicismo global está isenta dessa tarefa.


Um exemplo e um desafio


Não é exagero dizer que o caminho para a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2022 em Roma passa pelos processos sinodais na Alemanha e na Austrália.

Esses dois processos também servem de exemplo e desafio para outros países, como Itália e Estados Unidos, cujas hierarquias negam a sinodalidade ou simplesmente a ignoram.

Mas não se trata apenas do futuro da sinodalidade nas Igrejas locais, e não se trata de um aspecto particular do pontificado de Francisco separável do todo.

Tanto o processo sinodal alemão quanto o australiano são uma resposta direta à trágica história de abuso sexual na Igreja. O fracasso desses eventos eclesiais seria catastrófico, porque seria mais um fracasso na resposta institucional da Igreja à crise dos abusos.


Mensagens confusas de Roma


Nos próximos dois anos, há muito em jogo para o pontificado de Francisco, especialmente porque o Vaticano tem enviado mensagens contraditórias nos últimos meses.

Apesar de toda a grande contribuição do Papa sobre a sinodalidade, a Cúria Romana ainda fala uma linguagem muito diferente.

Por exemplo, a Congregação para o Clero emitiu em julho passado uma nova instrução sobre “a conversão pastoral da comunidade paroquial”. Entre outras omissões que chamam a atenção, nunca menciona a crise dos abusos.

E simplesmente repropõe o modelo tradicional de governo paroquial, centrado no sacerdócio monocrático. Isso é simplesmente irreal em muitas igrejas hoje.

Cabe comparar isso com a nomeação do cardeal Mario Grech como secretário-geral do Sínodo dos Bispos, que assumiu o cargo em outubro.

É um compromisso crucial e envia um sinal claro de que a sinodalidade pode reavivar o potencial evangelizador e missionário das igrejas locais.

Decididamente, não é outra forma de perpetuar uma forma clerical de governar a Igreja, que é claramente insustentável tanto do ponto de vista teológico quanto prático.


O risco de frustrar as esperanças sinodais


Não pode haver sinodalidade viável na Igreja Católica que continue a ignorar ou adiar as questões fundamentais dos ministérios eclesiais e do papel das mulheres na liderança da Igreja.

Teólogos latino-americanos e líderes da Igreja ficaram muito desapontados com a maneira como o Papa interpretou o Sínodo da Amazônia em sua exortação apostólica Querida Amazônia. Mas eles expressaram sua decepção em particular.

Os latino-americanos sabem que não podem decepcionar seu próprio Papa, um filho nativo.

Mas se as esperanças sinodais forem frustradas na Alemanha e na Austrália, deixando os católicos desses dois países profundamente decepcionados, a história pode ser totalmente diferente.

É muito arriscado esperar que essas duas Igrejas locais, as quais estão entre as mais atingidas pela crise de abusos, reagiriam de formas polidas como seus irmãos e irmãs da América Latina.

Dessa vez uma variação sobre o tema “la synodalitè – c’est moi”, ou “a sinodalidade sou eu”, não basta.

Fonte: IHU

Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e Amizade Social Capítulo III (5)


Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e Amizade Social 

Leitura da Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Santo Padre FRANCISCO sobre a Fraternidade e Amizade Social. 

Capítulo III: Pensar e gerar um mundo aberto. 

nn.118-120. Título 11: Repropor a função social da propriedade. 
nn. 121-123. Título 11: Repropor a função social da propriedade. Subtítulo 1: Direitos sem fronteiras. 
nn.124-127. Título 11: Repropor a função social da propriedade. Subtítulo 2: Direitos dos povos. 

 
CARTA ENCÍCLICA  FRATELLI TUTTI  DO SANTO PADRE  FRANCISCO  SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL 

Final do Capítulo III 

PENSAR E GERAR UM MUNDO ABERTO 

Repropor a função social da propriedade 

118. O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. As diferenças de cor, religião, capacidade, local de nascimento, lugar de residência e muitas outras não podem antepor-se nem ser usadas para justificar privilégios de alguns em detrimento dos direitos de todos. Por conseguinte, como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento integral. 

119. Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados.[91] Isto levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo resume isso, dizendo que, «não fazer os pobres participar dos próprios bens, é roubar e tirar-lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos».[92] E São Gregório Magno di-lo assim: «Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que lhes pertence».[93] 

120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém».[94] Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada».[95] O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social»,[96] é um direito natural, primordial e prioritário.[97] Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo VI – impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização».[98] O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem relevância prática. 

Direitos sem fronteiras 

121. Por conseguinte, ninguém pode ser excluído; não importa onde tenha nascido, e menos ainda contam os privilégios que outros possam ter porque nasceram em lugares com maiores possibilidades. Os confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isto se cumpra. Assim, como é inaceitável que uma pessoa tenha menos direitos pelo simples facto de ser mulher, de igual modo é inaceitável que o local de nascimento ou de residência determine, de por si, menores oportunidades de vida digna e de desenvolvimento. 

122. O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre maior de poucos, mas há de assegurar «os direitos humanos, pessoais e sociais, económicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos».[99] O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres; nem acima do respeito pelo ambiente, pois «quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos».[100] 

123. É verdade que a atividade dos empresários «é uma nobre vocação, orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos».[101] Deus incita-nos, esperando que desenvolvamos as capacidades que Ele nos deu, bem como as potencialidades de que encheu o universo. Nos seus desígnios, cada homem é chamado a promover o seu próprio desenvolvimento,[102] e isto inclui a implementação das capacidades económicas e tecnológicas para fazer crescer os bens e aumentar a riqueza. Mas estas capacidades dos empresários, que são um dom de Deus, deveriam em todo o caso orientar-se claramente para o desenvolvimento das outras pessoas e a superação da miséria, especialmente através da criação de oportunidades de trabalho diversificadas. A par do direito de propriedade privada, sempre existe o princípio mais importante e antecedente da subordinação de toda a propriedade privada ao destino universal dos bens da terra e, consequentemente, o direito de todos ao seu uso.[103] 

Direitos dos povos 

124. Hoje requer-se que a convicção do destino comum dos bens da terra se aplique também aos países, aos seus territórios e aos seus recursos. Se o olharmos não só a partir da legitimidade da propriedade privada e dos direitos dos cidadãos duma determinada nação, mas também a partir do primeiro princípio do destino comum dos bens, então podemos dizer que cada país é também do estrangeiro, já que os bens dum território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que provenha doutro lugar. Pois, como ensinaram os bispos dos Estados Unidos, há direitos fundamentais que «precedem qualquer sociedade, porque derivam da dignidade concedida a cada pessoa enquanto criada por Deus».[104] 

125. Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo o ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país. Também a minha nação é corresponsável pelo seu desenvolvimento, embora possa cumprir tal responsabilidade de várias maneiras: acolhendo-o generosamente quando o requeira uma necessidade imperiosa, promovendo-o na sua própria terra, não desfrutando nem esvaziando de recursos naturais a países inteiros, e não favorecendo sistemas corruptos que impedem o desenvolvimento digno dos povos. Isto que é válido para as nações, aplica-se às diferentes regiões de cada país, entre as quais se verificam muitas vezes graves desigualdades. Entretanto a incapacidade de reconhecer a igual dignidade humana leva às vezes a que as regiões mais desenvolvidas dalguns países aspirem por libertar-se do «fardo» das regiões mais pobres para aumentar ainda mais o seu nível de consumo. 

126. Falamos duma nova rede nas relações internacionais, porque não é possível resolver os graves problemas do mundo, pensando apenas em termos de mútua ajuda entre indivíduos ou pequenos grupos. Lembremo-nos que «a desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais».[105] E a justiça exige reconhecer e respeitar não só os direitos individuais, mas também os direitos sociais e os direitos dos povos.[106] Quanto afirmamos implica que se assegure «o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso»,[107] que às vezes é fortemente dificultado pela pressão resultante da dívida externa. Em muitos casos, o pagamento da dívida não só não favorece o desenvolvimento, mas limita-o e condiciona-o intensamente. Embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, a maneira de cumprir este dever que muitos países pobres têm para com países ricos não deve levar a comprometer a sua subsistência e crescimento. 

127. Trata-se, sem dúvida, doutra lógica. Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio. Mas, se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples facto de possuir a inalienável dignidade humana, é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente. É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas. Com efeito, a paz real e duradoura é possível só «a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira».[108] 

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[91] Cf. São Basílio, Homilia 21. Quod rebus mundanis adhaerendum non sit, 3 e 5: PG 31, 545-549; Regulae brevius tractatae, 92: PG 31, 1145-1148; São Pedro Crisólogo, Sermo 123: PL 52, 536-540; Santo Ambrósio, De Nabuthe 27.52: PL 14, 738-739; Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium 6, 25: PL 35, 1436-1437. 

[92] De Lazarum Concio 2, 6: PG 48, 992D. 

[93] Regula pastoralis 3, 21: PL 77, 87. 

[94] Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 31: AAS 83 (1991), 831. 

[95] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 93: AAS 107 (2015), 884. 

[96] São João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de setembro de 1981), 19: AAS 73 (1981), 626. 

[97] Cf. Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 172. 

[98] Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 22: AAS 59 (1967), 268. 

[99] São João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 33: AAS 80 (1988), 557. 

[100] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 95: AAS 107 (2015), 885. 

[101] Ibid., 129: o. c., 899. 

[102] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 15: AAS 59 (1967), 265; Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 16: AAS 101 (2009), 652. 

[103] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 93: AAS 107 (2015), 884-885; Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 189-190: AAS 105 (2013), 1099-1100. 

[104] Conferência dos Bispos católicos dos Estados Unidos, Open wide our Hearts: The enduring Call to Love. A Pastoral Letter against Racism (novembro de 2018). 

[105] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 51: AAS 107 (2015), 867. 

[106] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 6: AAS 101 (2009), 644. 

[107] São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 35: AAS 83 (1991), 838. 

[108] Francisco, Discurso sobre as armas nucleares (Nagasáqui - Japão 24 de novembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 03/XII/2019), 9.

“Não subestimem o populismo de esquerda”. Artigo de Chantal Mouffe





"A crise atual exige uma estratégia populista de esquerda capaz de criar uma força popular coletiva que estruture uma nova hegemonia, para recuperar e aprofundar a democracia. Uma estratégia populista de esquerda reconhece que a política é uma atividade partidária na qual os afetos desempenham um papel importante. Traçando uma fronteira política entre 'nós' e 'eles', o 'povo' e a 'oligarquia', é capaz de mobilizar a dimensão afetiva que está em jogo na construção de formas coletivas de identificação", escreve Chantal Mouffe, cientista política pós-marxista belga, desenvolve trabalhos na área da teoria política, estudou em Lovaina, Paris e Essex e tem trabalhado em várias universidades na Europa, América do Norte e América Latina, em artigo publicado por Open Democracy e reproduzido por Outras Palavras, 28-10-2020. A tradução é de Simone Paz Hernández.

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“Hoje a esperança vem dos jovens.” Entrevista com Tahar Ben Jelloun

Tahar Ben Jelloun está convencido: “Há outro inimigo circulando pelo mundo, invisível e traiçoeiro como o coronavírus, mas que não pode ser combatido com gel nem usando a máscara. Não existe um desinfetante eficaz contra a barbárie do terrorismo. É preciso vigiar, é preciso ter a coragem de enfrentar a realidade”.

No próximo sábado, às 17h30 [hora de Roma], o escritor se conectará de sua casa em Paris com os Eventos Literários Monte Verità, na Suíça, para realizar um encontro que enfoca o círculo vicioso entre racismos e novas escravidões.

Nascido em Fez, Marrocos, em 1944, Ben Jelloun sempre se confrontou com a complexidade e as injustiças do nosso tempo, seja por meio de romances memoráveis ​​como “O menino de areia” (Ed. Nova Fronteira) ou o recente “Insônia” (Ed. Galera), seja com livros voltados principalmente aos leitores mais jovens, entre os quais se destaca o muito exitoso “O racismo explicado à minha filha” (Via Lettera Editora).

Pela editora La Nave di Teseo, que está repropondo toda a sua obra ao público italiano, está prestes a ser publicado o livro “La filosofia spiegata ai bambini” [A filosofia explicada às crianças].

“Na França, ele foi um sucesso”, explica o autor. “Durante o confinamento, muitos o compraram para tentar entender o que estava acontecendo. A filosofia sempre começa a partir daí: das perguntas que nos fazemos. E as crianças são muito boas em fazer perguntas, além de serem muito exigentes nas suas respostas.”

A reportagem é de Alessandro Zaccuri, publicada em Avvenire, 29-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


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