16 outubro, 2020

Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e Amizade Social Capítulo III (2)


 
Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e Amizade Social 


Leitura da Carta Encíclica FRATELLI TUTTI do Santo Padre FRANCISCO sobre a Fraternidade e Amizade Social. 

Capítulo III: Pensar e gerar um mundo aberto. 

nn.97-98 Título 4: Sociedades abertas que integram a todos. 
nn.99-100. Título 5: Noções inadequadas de amor universal. 
nn. 101-102. Título 6: Superar um mundo de sócios. 
nn. 103-105. Título 7: Liberdade, igualdade e fraternidade. 


CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL 


Capítulo III 

PENSAR E GERAR UM MUNDO ABERTO 

Sociedades abertas que integram a todos 

97. Existem periferias que estão próximas de nós, no centro duma cidade ou na própria família. Também há um aspeto da abertura universal do amor que não é geográfico, mas existencial: a capacidade diária de alargar o meu círculo, chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo de interesses, embora se encontrem perto de mim. Por outro lado, cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela minha sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido no mesmo país. Pode ser um cidadão com todos os documentos em ordem, mas fazem-no sentir como um estrangeiro na sua própria terra. O racismo é um vírus que muda facilmente e, em vez de desaparecer, dissimula-se mas está sempre à espreita. 

98. Quero lembrar estes «exilados ocultos», que são tratados como corpos estranhos à sociedade.[76] Muitas pessoas com deficiência «sentem que vivem sem pertença nem participação». Ainda há tanto «que as impede de beneficiar da plena cidadania». O objetivo não é apenas cuidar delas, mas «acompanhá-las e “ungi-las” de dignidade para uma participação ativa na comunidade civil e eclesial. Trata-se de um caminho exigente e também cansativo, que contribuirá cada vez mais para a formação de consciências capazes de reconhecer cada um como pessoa única e irrepetível». Penso igualmente nos «idosos, que, inclusive por causa da sua deficiência, são por vezes sentidos como um peso». Mas todos podem dar «uma contribuição singular para o bem comum através de sua biografia original». Permiti que insista: «Tende a coragem de dar voz àqueles que são discriminados por causa de sua condição de deficiência, porque infelizmente, em certas nações, ainda hoje é difícil reconhecê-los como pessoas de igual dignidade».[77] 

Noções inadequadas dum amor universal 

99. O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos «amizade social» em cada cidade ou em cada país. Se for genuína, esta amizade social dentro duma sociedade é condição para possibilitar uma verdadeira abertura universal. Não se trata daquele falso universalismo de quem precisa de viajar constantemente, porque não suporta nem ama o próprio povo. Quem olha para a sua gente com desprezo, estabelece na própria sociedade categorias de primeira e segunda classe, de pessoas com mais ou menos dignidade e direitos. Deste modo, nega que haja espaço para todos. 

100. Também não estou a propor um universalismo autoritário e abstrato, ditado ou planificado por alguns e apresentado como um presumível ideal para homogeneizar, dominar e saquear. Há um modelo de globalização que «visa conscientemente uma uniformidade unidimensional e procura eliminar todas as diferenças e as tradições numa busca superficial de unidade. (...) Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo».[78] Este falso sonho universalista acaba por privar o mundo da variedade das suas cores, da sua beleza e, em última análise, da sua humanidade. Com efeito, «o futuro não é “monocromático”, mas – se tivermos coragem para isso – podemos contemplá-lo na variedade e na diversidade das contribuições que cada um pode dar. Como precisa a nossa família humana de aprender a viver conjuntamente em harmonia e paz, sem necessidade de sermos todos iguais!»[79] 

Superar um mundo de sócios

101. Retomemos agora a parábola do bom samaritano que ainda tem muito a propor-nos. Havia um homem ferido no caminho. As personagens que passavam ao lado dele não se concentravam na chamada íntima a fazer-se próximos, mas na sua função, na posição social que ocupavam, numa profissão prestigiosa na sociedade. Sentiam-se importantes para a sociedade de então, e o que mais as preocupava era o papel que deviam desempenhar. O homem ferido e abandonado no caminho era um incómodo para este projeto, uma interrupção; e tratava-se de alguém que, por sua vez, não ocupava função alguma. Era um «ninguém», não pertencia a um grupo considerado notável, não tinha papel algum na construção da história. Entretanto o generoso samaritano opunha-se a estas classificações fechadas, embora ele mesmo estivesse fora de qualquer uma destas categorias, sendo simplesmente um estranho sem um lugar próprio na sociedade. Assim, livre de todas as etiquetas e estruturas, foi capaz de interromper a sua viagem, mudar os seus programas, estar disponível para se abrir à surpresa do homem ferido que precisava dele. 



102. Que reação poderia provocar hoje essa narração, num mundo onde constantemente aparecem e crescem grupos sociais, que se agarram a uma identidade que os separa dos outros? Como pode aquela impressionar pessoas que tendem a organizar-se de maneira a impedir qualquer presença estranha que possa turbar tal identidade e esta organização autodefensiva e autorreferencial? Neste esquema, fica excluída a possibilidade de fazer-se próximo, sendo possível apenas ser próximo de quem me permite consolidar os benefícios pessoais. Assim o termo «próximo» perde todo o significado, fazendo sentido apenas a palavra «sócio», aquele que é associado para determinados interesses.[80] 

Liberdade, igualdade e fraternidade

103. A fraternidade não é resultado apenas de situações onde se respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática duma certa equidade. Embora sejam condições que a tornam possível, não bastam para que surja como resultado necessário a fraternidade. Esta tem algo de positivo a oferecer à liberdade e à igualdade. Que sucede quando não há a fraternidade conscientemente cultivada, quando não há uma vontade política de fraternidade, traduzida numa educação para a fraternidade, o diálogo, a descoberta da reciprocidade e enriquecimento mútuo como valores? Sucede que a liberdade se atenua, predominando assim uma condição de solidão, de pura autonomia para pertencer a alguém ou a alguma coisa, ou apenas para possuir e desfrutar. Isso não esgota de maneira alguma a riqueza da liberdade, que se orienta sobretudo para o amor. 

104. Tampouco se alcança a igualdade definindo, abstratamente, que «todos os seres humanos são iguais», mas resulta do cultivo consciente e pedagógico da fraternidade. Aqueles que são capazes apenas de ser sócios, criam mundos fechados. Em semelhante esquema, que sentido pode ter a pessoa que não pertence ao círculo dos sócios e chega sonhando com uma vida melhor para si e sua família? 

105. O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade. Nem pode sequer preservar-nos de tantos males, que se tornam cada vez mais globais. Mas o individualismo radical é o vírus mais difícil de vencer. Ilude. Faz-nos crer que tudo se reduz a deixar à rédea solta as próprias ambições, como se, acumulando ambições e seguranças individuais, pudéssemos construir o bem comum. 

______________ 

[76] Cf.  Idem, Alocução do Angelus (29 de dezembro de 2013): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 02/I/2014), 12; Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé (12 de janeiro de 2015): AAS 107 (2015), 165. 

[77] Francisco, Mensagem para o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 10/XII/2019), 4. 

[78] Idem, Discurso no Encontro em prol da liberdade religiosa (Filadélfia – Estados Unidos d’América 26 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1050-1051. 

[79] Idem, Discurso no Encontro com os jovens (Tóquio – Japão 25 de novembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 03/XII/2019), 14. 

[80] Nestas considerações, deixo-me inspirar pelo pensamento de Paul Ricoeur, «Le socius et le prochain», in: Idem, Histoire et vérité (Paris 1967), 113-127.


Questão masculina

“Jesus viveu plenamente como homem, mas sabendo acolher em sua masculinidade também aqueles traços como ternura, compaixão e cuidado, tradicionalmente considerados femininos e, portanto, inferiores, e nunca usou sua masculinidade como instrumento de poder, considerando-a, aliás, como serviço aos últimos e aos 'pequenos'”, escreve Giorgia Salatiello, professora de Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, em artigo publicado por Settimana News, 15-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.


Eis o artigo.

 Fala-se muito, e com razão, da chamada “questão feminina”, porque, apesar dos grandes avanços alcançados, ainda há muito por fazer e as mulheres bem sabem disso. Porém, apesar da menor visibilidade e, muitas vezes, de uma remoção mais ou menos acentuada de parte dos homens, existe também, e torna-se cada vez mais urgente, uma especular “questão masculina”, desencadeada pela mudança nas mulheres.

De fato, tanto no âmbito sociocultural mais amplo quanto também naquele eclesial, está emergindo aquela que se pode definir como uma crise da masculinidade, pois muitas vezes os homens não conseguem mais se identificar com os modelos patriarcais e androcêntricos que lhes foram transmitidos e não encontram outros novos e diferentes, vivendo assim um profundo mal-estar identitário. Nesse contexto de transição e mudança, a situação das mulheres se revela paradoxalmente mais simples, pois, ao lado daquelas que ainda vivem de acordo com os estereótipos e papéis tradicionais, há quem se empenha em construir novos paradigmas de identidade e o faz com consciência e em primeira pessoa. Em tal situação, as pessoas de fé deveriam estar em uma posição de vantagem, pois a palavra de Deus que eles acolhem possui uma enorme carga de libertação e transformação positiva.

Esse potencial extraordinário, entretanto, passou por séculos de leituras e interpretações que diminuíram seu caráter explosivo e transformador, adequando-se, em parte, à mentalidade sexista do contexto histórico e social.

Um ensaio muito recente de Simona Segoloni RutaGesù, maschile singolare  (Jesus masculino singular, em tradução livre, Editora EDB, Bologna, 2020) parte de considerações desse tipo, sobre as quais não pretendemos nos deter para uma resenha, mas sim destacar alguns pontos para uma reflexão que, de qualquer forma, deve permanecer aberta.

Em primeiro lugar, é plenamente compartilhável a exigência de uma nova abordagem antropológica que saiba colocar a relacionalidade na própria essência do humano, não a vendo como um acréscimo secundário a uma natureza já constituída independentemente dela. Dizer masculino e feminino, de fato, significa relação intrínseca, essencial, ou indica disparidade e prevaricação de um dos dois sujeitos sobre o outro (quase sempre a outra), como a história amplamente testemunha.

O segundo ponto é aquele que nos leva a uma maior profundidade, ou seja, para a leitura crente da vivência masculina de Jesus. Tal vivência, de fato, muitas vezes é usada para confirmar o sistema patriarcal e machista, enquanto, pelo contrário, marca a sua desconstrução mais radical, inaugurando um seguimento de iguais em que conta a  e não a identificação sexual, apesar da diversidade dos ministérios de uns e das outras.

Jesus viveu plenamente como homem, mas sabendo acolher em sua masculinidade também aqueles traços como ternura, compaixão e cuidado, tradicionalmente considerados femininos e, portanto, inferiores, e nunca usou sua masculinidade como instrumento de poder, considerando-a, aliás, como serviço aos últimos e aos "pequenos". Os homens de fé podem encontrar nessa vivência um protótipo e um estímulo para assumir plenamente e de modo novo a sua própria identidade masculina, sem ceder a tentações patriarcais de dominação e de subordinação das mulheres.

O terceiro e último ponto a ser ressaltado diz respeito ao conceito, hoje central na reflexão e na prática eclesial, de sinodalidade, pois, no que se refere às relações entre as mulheres e os homens, ele poderia ser capaz de produzir mudanças radicais. A sinodalidade, de fato, como modalidade concreta de relacionamentos, exclui qualquer forma de dominação e de assimetria, mas indica um caminho que todos os membros do povo de Deus devem percorrer juntos, em mútua escuta. Os pastores são chamados a viver o seu ministério como serviço e não como poder e os leigos e os consagradosmulheres e homens, oferecem a sua contribuição como iguais, que é vista como respeitada e dignas de uma escuta atenta.

Por fim, querendo resumir essas breves notas sobre a masculinidade, é necessário reiterar que seu repensamento é particularmente urgente para os cristãos que têm em seu Senhor um modelo absolutamente único que pode orientar o surgimento de uma nova mentalidade e o estabelecimento de relações verdadeiramente paritárias entre mulheres e homens, respeitando a sua diferença.

Fonte: IHU

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