01 abril, 2016

O xadrez do fim da síndrome de Pilatos no STF

O xadrez do fim da síndrome de Pilatos no STF
“Hoje, as nuvens que se formam no céu político indicam o seguinte: 1. Boa probabilidade da tese do impeachment na Câmara não ter quórum; 2. Rearticulação da base política do governo, em bases precárias; 3. Novas tentativas de golpe através do TSE”, escreve o jornalista Luis Nassif, em comentário publicado por Jornal GGN, 01-04-2016.
Segundo ele, há a “necessidade de se passar à opinião pública o sentimento de urgência para abrir espaço para um pacto que impeça o aprofundamento da crise”.
Eis o comentário
Peça 1 – terminou a fase Pôncio Pilatos do STF
Na fábula do lobo e do cordeiro, qualquer argumento valia para o lobo devorar a vítima.
Com o reequilíbrio de forças nas ruas, as articulações políticas no Congresso, os abusos da Lava Jato, as agressões a Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e a perspectiva sombria de um governo com Eduardo Cunha e Michel Temer, o quadro mudou. O impeachment, agora, necessita de legitimação.
Dificilmente, hoje, o Ministro Luís Roberto Barroso repetiria a frase de dias atrás, de que o Supremo não iria analisar o mérito da votação da Câmara.
A declaração de Marco Aurélio de Mello – de longe, o mais independente e corajoso dos Ministros – sobre a necessidade da análise de mérito pelo STF, mais as agressões a Teori Zavascki, aparentemente romperam a síndrome Pôncio Pilatos que acometia o Supremo.
Nesta 5ª, foi o julgamento da liminar impetrada pela AGU (Advocacia Geral da União) contra os grampos de Sérgio Moro. A sessão era apenas para decidir se o inquérito ficava com Sérgio Moro ou se viria para o STF analisar e decidir com quem ficar. Mas houve inúmeras manifestações contra os abusos de Moro, prenunciando um futuro julgamento severo sobre sua atuação.
Até algum tempo atrás, o STF supunha que sua não-manifestação no processo do impeachment significaria respeito a outro poder. Agora, caiu a ficha que não. Nenhum Ministro – com as notáveis exceções de Gilmar Mendes e Dias Toffoli – se sentirá confortável, se o julgamento da Câmara se revelar uma farsa.
Peça 2 – O julgamento do impeachment pela Câmara é farsa
Imagine você indo a um supermercado com a lista de compras e limite de R$ 150,00 para gastar. No meio do caminho ligam de casa pedindo para reformular a lista, aumentando a quantidade de tomates. Os gastos continuam limitados a R$ 150,00. Compram-se mais tomates e cortam-se outros itens, mas não se gasta acima do teto definido.
Essa fábula hortifrutigranjeira foi o melhor exemplo levantado pela Fazenda para explicar os decretos questionados pela Câmara.
A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) legisla exclusivamente sobre despesas primárias (excluindo juros e amortização). Quer saber se administrações gastam acima de limites pré-fixados pelo orçamento, ou se determinados itens do orçamento – como despesa com salários – superam percentuais máximos previstos em lei.
Vamos entender melhor essa questão.
O orçamento é fixado no final do ano anterior e funciona mais ou menos assim:
1. O governo define o orçamento geral para o ano seguinte.
2. Cada órgão recebe sua dotação e planeja seus gastos, definindo o montante de cada programa. Com isso, monta-se a lista do supermercado.
3. O orçamento é autorizativo, mas não obrigatório. No decorrer do ano, o governo vai adaptando o orçamento às disponibilidades de caixa. Se há frustração de receita, por exemplo, ela pode contingenciar os gastos. Pode trocar tomates por cebolas, ou até gastar menos – nunca gastar mais. Para a LRF interessa o que foi gasto, não o que foi previsto.
4. Dentro dos limites fixados, os recursos podem ser remanejados, já que é impossível prever todas as ocorrências com um ano de antecedência. A maneira de remanejar é através dos decretos
5. A Lei de Responsabilidade Fiscal mede o gasto final. E incide apenas sobre a despesa primária (a despesa pública expurgada dos juros e amortização de dívida).
Vamos a alguns exemplos das necessidades que surgem de remanejamento e como os decretos são utilizados:
1. Houve vários concursos públicos em 2014. Inscreveram-se o dobro de candidatos previstos. Com isso, arrecadou-se o dobro do valor estimado com as tarifas de concurso. Como o concurso só ocorreria em 2015, esse dinheiro ficou guardado na conta única do Tesouro, como superávit financeiro do ano anterior.
2. Em 2015 os concursos foram realizados. Como houve o dobro de candidatos, obviamente aumentaram os gastos com o concurso. Assina-se então um decreto permitindo ao MEC (Ministério da Educação) utilizar o dinheiro daquela rubrica (que ficou rendendo na conta única do Tesouro) – do ano anterior – para cobrir os gastos do concurso.
O que a acusação faz é tratar 6 decretos de remanejamento de Dilma como se fosse criação de despesa.
No tal processo do impeachment, discute-se isso:
“abertura de credito suplementar mesmo diante do cenário econômico daquele momento, quando já era sabido que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentarias, Lei n. 13.080/2015, não seriam cumpridas, o que pode ensejar o cometimento de crime de responsabilidade contra a lei orçamentária”.
Foram seis decretos, no valor total de R$ 95 bilhões. R$ 92,5 bilhões foram compensados com cortes em outros programas.
Sobram R$ 2,5 bilhões.
Desses, R$ 708 milhões foram para despesas financeiras, isto é pagamento do serviço da dívida e de amortização, sem nenhum impacto no gasto primário.
Sobra R$ 1,8 bilhão, ou 0,06% do orçamento. É sobre esse valor que se armou toda a celeuma.
No pedido de impeachment se afirma que a presidente editou os 6 decretos que ampliaram a dotação orçamentária no nível de programação e que seria incompatível com a meta fiscal
Não aumentaram e nem faz sentido a afirmação.
Segundo a advogada Janaina Paschoal, na hora em que presidente assinou o decreto, cometeu crime. Só seria ilegal se não permitisse cumprir a meta. Mas só se saberá se cumpriu a meta no final do ano. É o conhecido recurso “joga-para-ver-se-pega”, muito mal visto na área do direito.
Peça 3 – o rescaldo da semana
Encerra-se a semana, então, com o seguinte balanço:
Depois do desembarque do PMDB, o governo deu início a novas articulações que, aparentemente, lhe permitiram recuperar o fôlego no Congresso. Ficou nítido na resistência dos ministros do PMDB em entregar o cargo, e na dura crítica feita pelo presidente do Senado Renan Calheiros à precipitação do partido.
A perspectiva de um governo com Michel Temer à frente, conduzido por Eduardo Cunha, chegou a provocar arrepios cívicos no Ministro Luis Roberto Barroso. Enfim, repetiu-se o mesmo erro inicial, de amarrar o impeachment à imagem de Temer, Cunha, Aécio, Serra e outros menos votados.
Enquanto multiplicavam-se as manifestações contra o golpe, os articuladores do governo iniciavam negociações com o PP, PSD e outros, visando otimizar as vagas de ministros abertas.
O Procurador Geral da República Rodrigo Janot, no entanto, agiu rapidamente. Ontem mesmo denunciou toda a cúpula do PP, justo no momento em que o governo armava o novo Ministério e tentava cooptar o partido. Segundo a colunista Tereza Cruvinel, com a intenção de impedir as negociações. Pode ser apenas um caso de coincidência excessiva.
Ontem, ainda, surgiu o boato de que algumas federações de indústria estariam montando um enorme caixa visando convencer deputados recalcitrantes a votar pelo impeachment.
Pode ser apenas boato. Se for real, nesses tempos de Lava Jato seria um prato cheio para o MPF e a PF.
Hoje, as nuvens que se formam no céu político indicam o seguinte:
1. Boa probabilidade da tese do impeachment na Câmara não ter quórum.
2. Rearticulação da base política do governo, em bases precárias.
3. Novas tentativas de golpe através do TSE.
Necessidade de se passar à opinião pública o sentimento de urgência para abrir espaço para um pacto que impeça o aprofundamento da crise.

New Yorker' compara Dilma a Nixon e diz que será trágico se crise afetar Bolsa Família

'New Yorker' compara Dilma a Nixon e diz que será trágico se crise afetar Bolsa Família
"Os verdadeiros perdedores na reformulação política que deve acontecer no Brasil não serão os políticos corruptos. As dezenas de milhões de beneficiários dos programas sociais criados nos governos de Lula e Dilma, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, estão sob risco também. (…) Será uma tragédia se, na corrida louca para formar uma nova coalizão política, ela (coalizão) se torne mais favorável aos negócios e deixe para trás o eleitorado".
A revista semanal americana 'The New Yorker' comparou nesta quarta-feira (30) a presidente Dilma Rousseff ao ex-presidente americano Richard Nixon (1969-1974) --mandatário reeleito ao posto em 1972 que, menos de dois anos depois, acabou renunciando em meio a um processo de impeachment contra ele.
A reportagem foi publicada por BBC Brasil, 30-03-2016.
Assim como ocorre no Brasil com a Operação Lava Jato, nos Estados Unidos também houve um escândalo que levou a uma crise política sem precedentes à época.
O chamado escândalo do Watergate levou Nixon a deixar o cargo na Presidência mais cedo do que planejava. Watergate era o nome do prédio onde ficava a sede do Comitê Nacional Democrata, que foi grampeado durante a campanha eleitoral de 1972, e as investigações apontaram para Nixon.
"Richard Nixon foi reeleito de maneira esmagadora em novembro de 1972 e renunciou em agosto de 1974. Dilma Rousseff, presidente do Brasil, parece estar seguindo o mesmo caminho: reeleita (não de maneira esmagadora) em outubro de 2014, ela corre tanto perigo um ano e meio depois que não parece que vai conseguir finalizar seu mandato", afirma a revista.
A publicação opina que quem tem mais a perder com a crise e a instabilidade é a população carente.
"A revolta contra Rousseff é da classe média, em um país onde a classe média ainda não é maioria, como é nos Estados Unidos", diz.
"Os verdadeiros perdedores na reformulação política que deve acontecer no Brasil não serão os políticos corruptos. As dezenas de milhões de beneficiários dos programas sociais criados nos governos de Lula e Dilma, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, estão sob risco também. (…) Será uma tragédia se, na corrida louca para formar uma nova coalizão política, ela (coalizão) se torne mais favorável aos negócios e deixe para trás o eleitorado".
Corrupção constante
Na reportagem, a 'New Yorker' cita a operação Lava Jato, que traz "a cada dia mais notícias de mais autoridades envolvidas na investigação, mais delações premiadas, mais esquemas de corrupção".
"Escândalos de corrupção são uma característica constante da política no Brasil. O governo tem um papel bem maior na economia do que costuma ter no mundo desenvolvido: há muitos negócios controlados pelo Estado, outros subsidiados e outros protegidos legalmente de qualquer competição", diz a publicação.
Outra crítica da revista é ao sistema político "complexo" do Brasil, que permite a presença de inúmeros partidos no Congresso.
"Há um sistema parlamentar especialmente complexo e caótico –atualmente, mais de duas dezenas de partidos ocupam cadeiras no Congresso, o que significa que a única forma de conseguir um governo de coalizão é sob uma troca de favores, que muitas vezes é feita na distribuição de ministérios em troca de apoio."
'Golpe'
Nesta quarta-feira, no lançamento da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, em Brasília, a presidente Dilma Rousseff voltou a chamar de "golpe" o processo de impeachment contra ela.
"A Constituição de 1988 tem de ser honrada porque reflete nossas lutas. Não existe essa conversa: 'Não gosto do governo, então ele cai'. Impeachment está previsto na Constituição. Mas é absolutamente má-fé dizer que todo impeachment está correto. Para isso, precisa haver crime de responsabilidade. Impeachment sem crime de responsabilidade é o quê? É golpe."
Enquanto isso, os trabalhos para analisar o pedido de impeachment da presidente –baseado nas acusações sobre as pedaladas fiscais e omissão no escândalo da Petrobras– seguem na Câmara.