10 março, 2015

Revista de uma comunidade carente argentina entrevista o papa


Apresentamos o extraordinário diálogo publicado pela revista Cárcova News

Por ocasião dos dois anos de pontificado do papa Francisco, os jovens de uma favela da periferia da Grande Buenos Aires lhe enviaram uma série de perguntas, pensando em publicar as respostas do papa no jornal da comunidade. E o papa respondeu.

Cárcova News - O senhor fala muito em periferia. É uma palavra que usa muitas vezes. No que o senhor pensa quando fala de periferias? Em nós, nas pessoas da favela?

PAPA FRANCISCO - Quando eu falo de periferia, falo de limites. Normalmente, nós nos movemos em espaços que, de alguma forma, controlamos. Este é o centro. Mas, à medida que vamos saindo do centro, vamos descobrindo mais coisas. E quando olhamos para o centro a partir dessas novas coisas que descobrimos, a partir das nossas novas posições, a partir dessa periferia, vemos que a realidade é diferente. Uma coisa é ver a realidade a partir do centro e outra coisa é vê-la do último lugar ao qual chegamos. Um exemplo. A Europa, vista a partir de Madri no século XVI, era uma coisa, mas quando Magalhães chega ao fim do continente americano e olha para a Europa, ele entende outras coisas. A realidade é vista melhor a partir da periferia do que do centro. Também a realidade de uma pessoa, das periferias existenciais e, inclusive, a realidade do pensamento. Você pode ter um pensamento muito armado, mas, quando se confronta com alguém que está fora desse pensamento, de alguma forma tem que procurar as razões do seu próprio pensar; começa a dialogar, se enriquece a partir da periferia do pensamento do outro.

Cárcova News - O senhor conhece os nossos problemas. As drogas avançam e não são barradas; entram nas favelas e atacam os nossos jovens. Quem deve nos defender? E nós, como podemos nos defender?

PAPA FRANCISCO - É verdade, a droga avança e não é barrada. Há países que já são escravos da droga e isso nos preocupa. O que mais me preocupa é o triunfalismo dos traficantes. Essas pessoas já cantam vitória, venceram, triunfaram. E isto é uma realidade. Há países ou regiões onde tudo está sob o domínio da droga. A respeito da Argentina, posso dizer só isto: há 25 anos, era um lugar de passagem da droga; hoje em dia, é um lugar de consumo. E não tenho certeza, mas acredito que também de fabricação.

Cárcova News - Qual é a coisa mais importante que temos que dar aos nossos filhos?

PAPA FRANCISCO - O pertencimento, o pertencimento a um lar. O pertencimento se dá com amor, com carinho, com tempo, de mãos dadas, escutando-os, brincando com eles, dando a eles o necessário em cada momento para o seu crescimento. Dando a eles, principalmente, espaço para se expressarem. Se você não brinca com o seu filho, o priva da dimensão da gratuidade. Se você não dá espaço para que ele diga o que sente e para que ele possa até discutir com você por sentir-se livre para isso, então você não está deixando que ele cresça. Mas o mais importante é a fé. Dói muito, em mim, quando encontro jovens que não sabem fazer o sinal da cruz. Esses jovens não receberam a coisa mais importante que um pai e uma mãe podem dar a eles: a fé.

Cárcova News - O senhor acha que sempre existe a possibilidade de uma mudança, tanto em situações difíceis, de pessoas que foram muito provadas pela vida, como em situações sociais ou internacionais que são causa de grandes sofrimentos para a população? De onde vem esse otimismo, inclusive quando seria o caso de nos desesperarmos?

PAPA FRANCISCO - Toda pessoa pode mudar, inclusive as muito provadas. Eu conheço gente que estava abandonada ao deus-dará e que hoje está casada, tem o seu lar. Isto não é otimismo; isto é certeza de duas coisas. Primeiro, do homem, da pessoa. A pessoa é imagem de Deus e Deus não despreza a sua imagem, sempre a resgata de alguma forma. E, segundo, da força do Espírito Santo, que vai mudando a consciência. Não é otimismo, é fé na pessoa, porque ela é filha de Deus. Deus não abandona os seus filhos. Eu gosto de repetir que nós, os filhos de Deus, fazemos bobagens o tempo todo, erramos, pecamos, mas, quando pedimos perdão, Ele sempre nos perdoa. Ele não se cansa de perdoar. Somos nós que, quando nos achamos importantes, nos cansamos de pedir perdão.

Cárcova News - Como podemos ficar convictos e constantes na fé? Vivemos altos e baixos; em alguns momentos somos conscientes da presença de Deus, de que Deus é um companheiro de caminho, mas, em outros, nos esquecemos disso e nos comportamos como se Deus não existisse. Podemos conseguir estabilidade numa questão como a da fé?

PAPA FRANCISCO - Sim, há altos e baixos. Em alguns momentos, somos conscientes da presença de Deus, outras vezes nos esquecemos dela. A Bíblia diz: a vida do homem, da pessoa sobre a terra, é um combate. Ou seja, temos que estar em paz e lutando. Preparados para não desfalecer, não baixar a guarda, e, por outro lado, desfrutando de todas as coisas lindas que Deus nos dá na vida. Temos que estar alertas. Não ser derrotistas, não ser pessimistas. Como ser constante na fé? Se você não se negar a senti-la, vai senti-la muito perto, vai encontrá-la no seu coração. Outro dia pode ser que você não sinta nada. Mas a fé está ali, não está? É necessário acostumar-se com o fato de que a fé não é um sentimento. Às vezes, nosso Senhor nos dá a graça de senti-la, mas a fé é mais do que isso. A fé é a minha relação com Jesus Cristo; eu creio que Ele me salvou. Este é o ponto central da fé. Procure os momentos da sua vida em que você estava mal, perdido, frustrado, e observe como Cristo o salvou. Abrace isto; esta é a raiz da sua fé. Quando você se esquece, quando não sente nada, abrace isto, porque essa é a base da sua fé. E sempre com o Evangelho na mão. Leve consigo um Evangelho pequeno, no bolso. Mantenha um Evangelho em casa. É a Palavra de Deus. Nele você alimenta a fé. Afinal, a fé é um presente, não é uma atitude psicológica. E quando lhe dão um presente, você tem que recebê-lo, não é? Receba, então, o presente do Evangelho e leia. Leia e escute a Palavra de Deus.

Cárcova News - A sua vida tem sido intensa, rica. Nós também queremos viver uma vida plena, intensa. Como fazer para não viver inutilmente? E como podemos saber que não vivemos inutilmente?

PAPA FRANCISCO - Bom, eu vivi muito inutilmente, sabiam? Não foi tão intensa e tão rica. Eu sou um pecador como qualquer outro. Acontece que, simplesmente, nosso Senhor quis que as coisas que eu faço sejam públicas, mas quantas vezes há gente que não vemos, e o bem que elas fazem! A intensidade não é diretamente proporcional ao que se vê. A intensidade é vivida por dentro. E é vivida alimentando-se a fé. Como? Fazendo obras de fecundidade, obras de amor pelo bem das pessoas. Talvez o pior pecado contra o amor seja o de renegar uma pessoa. Há uma pessoa que ama você e você a renega fingindo que nem a conhece. Ela ama você e você a renega! Quem mais nos ama é Deus. Renegar a Deus é um dos piores pecados que existem. São Pedro cometeu esse pecado, renegou Jesus Cristo… e foi escolhido papa! Então, o que me resta? Vamos seguir adiante!

Cárcova News - Há pessoas, ao seu redor, que não concordam com o senhor?

PAPA FRANCISCO - Sim, claro.

Cárcova News - Como o senhor se comporta com elas?

PAPA FRANCISCO - Nunca me fez mal escutar as pessoas. Cada vez que as escuto, me faz bem. Nas vezes em que não as escutei é que me dei mal. Porque, mesmo que você não esteja de acordo, elas sempre, sempre vão lhe dar algo ou colocar você numa situação em que é preciso repensar as coisas. E isso enriquece. Esta é a maneira de nos comportarmos com as pessoas das quais discordamos. Agora, se eu não estou de acordo com alguém e paro de cumprimentá-lo, fecho a porta na sua cara ou não o deixo falar, não lhe pergunto nada, é evidente que anulo a mim mesmo. Esta é a riqueza do diálogo. Dialogando, escutando, você se enriquece.

Cárcova News - A moda de hoje empurra os jovens para as relações virtuais. Na favela também acontece isto. Como fazer para que as pessoas saiam do seu mundo de fantasia, como ajudá-las a viver a realidade e as relações verdadeiras?

PAPA FRANCISCO - Eu distinguiria entre o mundo da fantasia e as relações virtuais. Às vezes, as relações virtuais não são de fantasia; são concretas, são de coisas reais, muito concretas. Mas, evidentemente, o desejável é a relação não virtual, ou seja, a relação física, afetiva, a relação no tempo e no contato com as pessoas. E acho que o perigo que nós corremos é o de ter uma capacidade de informação muito grande, de nos movermos virtualmente dentro de toda uma série de coisas que podem nos fazer virar jovens-museu. Um jovem-museu é muito bem informado, mas o que ele faz com tudo o que tem? A maneira de ser fecundo na vida não é acumular informação ou manter apenas comunicações virtuais, mas mudar o concreto da existência. Em suma, isto quer dizer amar. Você pode amar outra pessoa, mas, se não aperta a sua mão, não lhe dá um abraço, não é amor; se você ama alguém para se casar com esse alguém, ou seja, com o desejo de se entregar completamente, mas não o abraça, não lhe dá um beijo, não é verdadeiro amor. O amor virtual não existe. Existe a declaração de amor virtual, mas o verdadeiro amor prevê o contato físico, concreto. Vamos ao essencial da vida. E o essencial é isso. Então, nada de jovens-museu que só estejam informados das coisas virtualmente, e sim jovens que sintam e que, com as próprias mãos, e isto é o concreto, levem a vida adiante. Eu gosto de falar das três linguagens: a linguagem da cabeça, a linguagem do coração e a linguagem das mãos. Tem que haver harmonia entre as três, de tal maneira que você pense o que sente e o que faz, sinta o que pensa e o que faz e faça o que sente e o que pensa. Isto é o concreto. Ficar somente no virtual é como viver numa cabeça sem corpo.

Cárcova News - Há algo que o senhor queira sugerir aos governantes argentinos num ano de eleições?

PAPA FRANCISCO - Primeiro, uma plataforma eleitoral clara. Que cada um diga: se nós formos governo, vamos fazer “isto”. Bem concreto. A plataforma eleitoral é muito sadia e ajuda as pessoas a ver o que cada um pensa. Em eleições de muitos anos atrás, houve um caso importante, com alguns jornalistas espertos. Mais ou menos na mesma hora, eles se encontraram com três candidatos. Não me lembro se eram candidatos a deputados ou a intendentes. E perguntaram a cada um: “O que o senhor pensa sobre tal coisa?”. Cada um deu a sua resposta e um dos jornalistas disse a um deles: “Mas o que o senhor pensa não é a mesma coisa que o seu partido pensa. Veja a plataforma eleitoral do seu partido…”. Às vezes, os próprios candidatos não conhecem a plataforma eleitoral. Um candidato tem que se apresentar à sociedade com uma plataforma eleitoral clara, bem estudada, dizendo explicitamente: “Se eu for eleito deputado, intendente, governador, vou fazer ‘isto’, porque é ‘isto’ o que tem que ser feito”. Segundo, honestidade na apresentação da própria postura. E terceiro, e isso é uma das coisas que nós temos que conseguir, espero que consigamos, uma campanha eleitoral não financiada. Porque nos financiamentos das campanhas eleitorais entram muitos interesses que depois “mandam a fatura”. Então, tem que haver independência em relação a qualquer um que possa financiar uma campanha eleitoral. É um ideal, evidentemente, porque sempre se precisa de dinheiro para a propaganda, para a televisão. Mas, em todo caso, que o financiamento seja público. Deste modo, eu, cidadão, sei que financio este candidato com esta determinada quantidade de dinheiro. Que seja tudo transparente e limpo.

Cárcova News - Quando o senhor vem à Argentina?

PAPA FRANCISCO - Pretendo ir em 2016, mas ainda não há nada certo, porque é preciso combinar com outras viagens, com outros países.

Cárcova News - Ouvimos pela televisão notícias que nos doem, sobre fanáticos que querem matá-lo. O senhor não tem medo? E nós, que o amamos, o que podemos fazer?

PAPA FRANCISCO - Vejam, a vida está nas mãos de Deus. Eu disse a nosso Senhor: cuida de mim. Mas se a tua vontade for que eu morra ou que me façam algo, só te peço um favor: que não me doa. Porque eu sou muito medroso para a dor física...

Fonte: zenit.org

Entrevista com o arcebispo Palmer-Buckle

Dom Palmer-Buckle, foi escolhido pelos bispos de Gana para ser um dos participantes do Sínodo dos bispos, programado para os dias 4 a 25 de outubro no Vaticano. O Papa Francisco confirmou sua eleição no fim de janeiro.

Dom Palmer-Buckle também atua como bispo responsável pela família na Conferência dos Bispos de Gana e coo tesoureiro deo Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM), organização de todos os bispos católicos do continente africano.

A entrevista com o arcebispo Palmer-Buckle aconteceu no dia 5 de fevereiro, após uma reunião do Comitê Permanente do SECAM em Roma.

A reportagem é de Diane Montagna, publicada no sítio Aleteia, 25/02/2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.


Eis a entrevista.

Sua Excelência, o que é importante para a África no Sínodo?
O que é importante para a África é que a Igreja seja clara sobre a doutrina antiga e moderna da Igreja sobre o casamento, ou seja, que o casamento é uma união entre um homem e uma mulher.
O que estamos realmente esperando ouvir é a posição clara da Igreja em relação ao que é e continua sendo a doutrina sobre o sagrado matrimônio: a união entre homem e mulher, um homem e uma mulher, para se ajudarem mutuamente e para a procriação. Isso é o que estamos esperando ouvir, porque há muitas vozes conflitantes, não necessariamente da Igreja - mas, infelizmente, do mundo ocidental - que estão tentando abafar a voz de Deus, a voz da Igreja. Essa é a primeira coisa.
Na África, muitas pessoas, previamente, estavam envolvidas em casamentos polígamos. Mas, para o nosso povo, o casamento sempre foi entre macho e fêmea, entre homem e mulher. Inclusive entre um homem e várias mulheres, ou, em casos raros, mesmo entre uma mulher e vários homens. Mas, já que o Cristianismo não aceita isso, a maioria de nosso povo tem tentado muito duramente viver de acordo com os preceitos de Jesus Cristo.
Em Mateus 19, 1-6, Jesus diz que "o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e serão os dois uma só carne ... Então, o que Deus uniu o homem não separe". Isso é o que nós estamos esperando ouvir, claramente enunciado pela Igreja.
O senhor tem alguma dúvida de que o ensinamento da Igreja sobre o casamento não seja enunciado claramente no Sínodo em outubro?
Eu não tenho absolutamente nenhuma dúvida em relação a isso. A minha preocupação é que muitos gostam de tornar a "voz dos meios de comunicação" em "voz da Igreja". É a Igreja que deve se pronunciar sobre isso.
O primeiro Sínodo Extraordinário foi concebido para trazer à tona as questões relacionadas com o casamento na era atual - para as pessoas de dentro da Igreja e para aquelas de fora da Igreja - e perguntar quais deveriam ser as nossas preocupações pastorais sobre o casamento: sobre as pessoas casadas, sobre as pessoas que se casaram e deixaram a relação, sobre aqueles que voltaram a se casar, e até mesmo pensar sobre as novas formas de uniões que estão sendo impostas sobre a humanidade com o nome de casamento.
O Sínodo Extraordinário, na verdade, era só para dizer: este é o status quaestionis [estado da investigação]. O que a Igreja faz com isso? O que vamos fazer com isso? Como vivemos neste tipo de mundo sem ser desse tipo de mundo? Como podemos viver neste mundo e levar o ensino e a salvação de Cristo ao povo? Isso é o que tratava o primeiro Sínodo Extraordinário.
O próprio Santo Padre elaborou uma síntese muito bonita. O resumo dela é: ninguém deve impedir ninguém de dizer o que pensa sobre o estado atual do casamento, família etc. Ninguém deve sufocar ninguém. Devemos ouvir uns aos outros e devemos refletir sobre isso e tentar ver o que o Espírito Santo vai nos dizer sobre como acompanhar as pessoas que se encontram em qualquer forma de casamento em direção a Cristo. Essa é a preocupação principal [do Papa Francisco]: como vamos levar essas pessoas, sejam elas quem forem, em qualquer contexto em que se encontrem, a Cristo. Eu acho que foi uma mensagem bonita.

O que o senhor quer dizer com "qualquer forma de casamento"?
Tome como exemplo a África. Há pessoas em relações poligâmicas, que estavam envolvidas nelas antes de se tornarem cristãs. Sua família teve que fazer uma escolha: mandar embora uma mulher ou duas mulheres com todos os seus filhos, sem ferir as crianças, sem ferir as esposas. Por isso, é um problema.
Como faço para batizar filhos de casamentos polígamos? O que eu vou ensiná-los? Se eu lhes disser: "Seu pai deve deixar a sua mãe", isso não vai machucar a criança emocionalmente, espiritualmente, até mesmo pelo resto de sua vida, a ponto de que ela possa até decidir que a Igreja é má porque dilacerou a sua família?
Eu posso dizer com certeza que existem casamentos polígamos, em que você vai se surpreender com a harmonia entre o marido e as suas diferentes esposas, entre as diferentes mulheres e entre os seus filhos. É incrível. Há muitos, muitos outros casos em que há muita dor em curso entre as diferentes mulheres, entre as diversas crianças, e isso deve ser trazido à tona. Como podemos ajudar todos os envolvidos a olharem para Cristo e para o que Cristo os convida a fazer?
A carta aos Hebreus diz para termos "o olhar fixo em Cristo" e nos empenharmos em direção a ele. Então, como posso ajudá-los a manter Cristo em vista? E como faço para acompanhá-los em qualquer circunstância em que se encontram?
Na África - este é o contexto com que estou lidando - eu não vou fechar meus olhos para o fato de que há casos de homossexuais, de pessoas com tendências homossexuais, de pessoas com tendências lésbicas. A África sempre desaprovou isso, uma vez que sempre olhou para o casamento como algo que contribui para o bem-estar da sociedade, não necessariamente só para o bem-estar dos indivíduos.
Então, de certa forma, podemos dizer que qualquer um que tem uma certa tendência não foi visto com ternura. De fato, tem havido casos em que os seus direitos humanos foram violados. A Igreja está nos pedindo para entender isso. Se a pessoa tem tendências homossexuais ou tendências heterossexuais, a pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus, e essa imagem e semelhança de Deus é o que devemos proteger. Isso é o que devemos defender. E é por isso que temos que ajudar essa pessoa a ouvir o que Deus diz sobre o seu estado. E eu acho que essa é a beleza do que a Igreja nos ensina.
Portanto, esse período entre o Sínodo Extraordinário e o Sínodo Ordinário está nos proporcionando um tempo, enquanto analisamos os Lineamenta, para ouvir, para orar e discernir. Quando nos encontrarmos em outubro, eu acredito que nós estaremos indo para afirmar o que a Igreja sempre ensinou. Nós não estamos indo para diluir o ensinamento. Mas isso vai ser declarado de uma forma que não exclua, de modo algum, quem quer que seja da jornada e do caminho para Cristo, que é o cumprimento da nossa perfeição. 

No Ocidente, o lobby gay é muito forte e tem muito poder na mídia. Muitas pessoas, portanto, estão preocupadas que, se a linguagem for muito "solta", o Sínodo será uma ocasião em que alguns poderão usar essa linguagem vaga para levar adiante ideias que são contrárias ao Evangelho. Por exemplo, a palavra "accogliere" [acolher] foi uma palavra muito usada durante o Sínodo Extraordinário em outubro passado. A palavra, em alguns casos, foi sequestrada para fazer parecer como se a Igreja estivesse a caminho de aprovar as relações homossexuais. O que os bispos precisam dizer em outubro próximo, a fim de comunicar tanto para a África quanto para o Ocidente a posição exata da Igreja?
Você sabe, se há algo que eu acho bonito sobre o Papa Francisco é como ele nos faz voltar à pergunta: como é que Cristo agiria nesta circunstância?
E eu creio que um dos aspectos mais profundos foi quando ele estava voltando do Rio de Janeiro e foi entrevistado por jornalistas que estavam interessados ​​em saber o que o papa pensava sobre gays e lésbicas e ele disse: "Se um gay está à procura de Cristo, quem sou eu para julgar a pessoa?".
Acho que o papa tomou a postura de Jesus Cristo. Por exemplo, diante da mulher que foi pega em adultério, aqueles que estavam ali queriam apedrejá-la até a morte. E o que Jesus disse? "Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra". A Bíblia nos diz: "Eles foram embora, um por um". Agora, se você se lembra da pergunta que Jesus fez para a mulher: "Mulher, alguém te condenou?". Ela responde: "Ninguém". Ele diz: "Então, eu também não te condeno. Vai e não peques mais".
A beleza disso é que Jesus primeiro pensou que ele deveria salvar essa mulher, a sua dignidade dada por Deus e o dom da vida que Deus lhe dera. Depois de lhe ter salvo e feito compreender que Deus a ama, então ele diz a ela: agora vá e repare tudo o que há entre você e Deus. Acho que isso é bonito.
Eu gostaria de dizer que isso não acontece somente no caso da mulher pega em adultério, mas também na forma como ele se relaciona com os leprosos. Quando o leproso vem e diz: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me", Jesus diz: "Sim, eu quero". Ele toca o leproso e diz: "Fique purificado". Por que Jesus tocou o leproso? Era contra a lei judaica tocar um leproso. Ele fez o leproso entender que: "O fato de que você tem essa doença não significa que você não é um filho de Deus. É também por sua causa que eu vim".
Eu gostaria de usar outro exemplo, não só os negativos. Tomemos a mulher que foi ao encontro de Jesus e estava chorando aos seus pés. Agora, o que é muito engraçado é que diz que todo mundo sabia que ela era uma pecadora. Quanto ao tipo de pecado, não nos é dito, mas eles a conheciam como uma pecadora.
As pessoas que convidaram Jesus já estavam condenando a mulher em suas mentes, e ele diz: "Simão, você vê esta mulher? Eu vim para a sua casa, e você nem sequer lavou minha cabeça, e ela não parou de lavar os meus pés com suas lágrimas, e, portanto, os seus muitos pecados, eu não sei quantos são, nem quais são, mas eles estão perdoados, porque ela muito amou".
Então, veja, Jesus tem uma bela maneira de confirmar em cada pessoa: "Você é um filho de Deus, você é único, e eu amo você por quem você é, independentemente do que os outros pensam de você ou do que você se tornou. No entanto, tenha Deus em vista, continue andando".
Então, eu não culpo a mídia. O mais provável é que temos feito as pessoas sofrerem por tanto tempo apenas porque elas não são "como nós". Nós já as fizemos sofrer, as discriminamos, as ostracizamos. Então, se hoje o lobby gay é muito grande, é porque quase desumanizamos essas pessoas.
O senhor gostaria de explicar isso melhor?
O que o papa está levantando é que não temos o direito de desumanizar ninguém, seja pela cor, pelo credo ou pela orientação sexual. Nós devemos abraçar essas pessoas e, em seguida, apontar, caminhar com elas para o que o papa acredita ser essa certa voz interior que ninguém pode sufocar, que nem mesmo a mídia pode sufocar.
Aqueles que estão no lobby gay, por uma razão ou outra, têm sido obrigados por nós, os chamados "bons", até mesmo a sufocar uma certa voz interior que definitivamente eu acho que os está advertindo de que algo não está 100% certo. Temos contribuído para isso. Nós também estamos calando em nós mesmos a voz que diz: "Todos são filhos de Deus, e devemos acolher a todos". Não temos o direito de apedrejar ninguém, e não temos o direito de desprezar ninguém. Devemos acolhê-los.
Alguns leitores estão se perguntando: O que se entende por "acolher", se é o caso de um casal que se divorciou e casou novamente civilmente ou algum outro caso? O cardeal Kasper propôs que, em alguns casos, aqueles que estão divorciados e recasados ​​civilmente - mas sem uma nulidade - deveriam ser autorizados a receber a Sagrada Comunhão, depois de seguir um caminho de penitência. Essa é uma maneira de acolher as pessoas. Outra maneira de acolher é dizer: "Sim, venha à Igreja, faça parte da comunidade, mas há limites em termos de recepção da Sagrada Comunhão". O que significa "acolher", na sua opinião?
Deixe-me usar um parâmetro muito diferente. Deixe-me usar a Europa. Deixe-me usar os Estados Unidos.
O que está acontecendo agora, por exemplo, nos Estados Unidos, é que o presidente Obama está dizendo que há muitas pessoas vivendo ilegalmente nos EUA. Não podemos mandá-las de volta para casa. Por isso, vamos achar um jeito de legalizar seu estado para que elas possam contribuir dignamente para o bem do país. Há muitos norte-americanos que são contra isso. Não é verdade?
Sim, muitos norte-americanos pensam que não é por isso que Obama quer que as pessoas sejam legalizadas nos Estados Unidos. Eles enxergam como uma tentativa de mudar o caráter do eleitorado.
Veja, tentar pensar por ele [Obama] é sempre o problema. Tudo o que ele disse é: "Se você está nessa posição, como você gostaria que nós o tratássemos?".
Quando se trata dos refugiados em Lampedusa, olhe para a atitude aqui na Europa. O que eu acho é que o papa está tentando nos fazer analisar, especialmente no que diz respeito às pessoas divorciadas e novamente casadas. Ele não disse "sim" ou "não". Ele disse "pensem".
A Sagrada Comunhão é remédio para os doentes. Não é uma recompensa para os perfeitos.
Mas, de acordo com a doutrina da Igreja Católica, seja qual for o seu pecado, é preciso estar em um estado de graça, a fim de receber a Santa Eucaristia (CCC 1415).
Eu tenho que admitir que, ao longo dos séculos, nós fizemos uma linha muito dura nesse contexto. Eu conheci um pastor protestante uma vez. Tivemos uma grande discussão. Ele disse que, em Mateus 16, Jesus deu o poder das chaves para Pedro, dizendo: "Tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus".
De acordo com esse meu amigo pastor protestante, por causa disso, em algumas das Igrejas protestantes, eles acreditam que Cristo deu-lhes o poder de desvincular aqueles que se comprometeram em alguns casamentos que são irregulares, que são difíceis, que são contraproducentes, e permitir-lhes ir adiante em outro contexto.
Então, veja, é uma interpretação. Segundo a nossa interpretação, sim, a Igreja tem o poder das chaves, mas não nesse contexto particular dos casamentos. Portanto, o casamento deve passar por todo o processo e ser anulado antes de o casal estar autorizado a ir mais além. Eu acho que nós vamos olhar para o que "o poder das chaves" pode significar nesse contexto.
Como isso pode ser conciliado com as palavras do Senhor: "O que Deus uniu, o homem não separe"?
Isso é verdade. O que Deus uniu... Na verdade, não é "o homem não separe", mas "o que Deus uniu, o homem não pode separar". Nenhum homem pode separar o que Deus uniu, e isso é verdade. Mas, em seguida, o mesmo Jesus diz: "Tudo o que ligares na terra será ligado no céu, tudo o que desligares na terra é desligado no céu." Então, o que ele quis dizer com isso? São duas afirmações que se contradizem?
Bem, Vossa Excelência, elas não podem se contradizer, porque foi o Senhor que disse, e Ele é a Verdade.
Elas não podem se contradizer, por isso vamos ter que descobrir por meio da oração o que fazer. Eu acredito que cada instituição, como a Igreja, deve ter regras e regulamentos. Mas as regras e regulamentos são ideais, pontos de chegada. Eles são a perfeição a que aspiramos. No entanto, estamos caminhando e, quando caímos, deveríamos ser capazes de levantar e de seguir em frente. E é por isso que o papa nos pede: como podemos ajudar as pessoas, cujos casamentos estão em ruínas, sem possibilidade de reparo, a tomar o remédio de que necessitam e a continuar a andar?
Vamos mantê-las perpetuamente se sentindo culpadas por si mesmas e pelas crianças que tiveram a partir daí, e assim por diante? Vamos ajudá-las dessa maneira? Deus não é todo misericórdia? É somente em Deus que a justiça e misericórdia se encontram e se abraçam. Nós somos apenas seus instrumentos, então eu acredito fortemente que devemos ser capazes de dizer: "Senhor, esta é a situação, mas nós a elevamos a ti em sua grande misericórdia". Vai ser difícil, mas vamos ter que fazer isso.

É ousado dizer o que estou dizendo.