10 maio, 2019

Que o nosso Deus abençoe a minha e a todas as Mães


É a floresta, estúpido!

O Brasil está perdendo capital político com as medidas do governo Bolsonaro sobre o meio ambiente. É a única área na qual o país era visto como 'soft power' global, escreve Thomas Milz, jornalista, em artigo publicado por Deutsche Welle, 09-05-2019.
Eis o artigo.
Na quarta-feira (08/05), oito ex-ministros do Meio Ambiente publicaram uma carta aberta com críticas à política ambiental do governo federal. O documento trata do prestígio do Brasil e sua posição no cenário internacional. Mas "as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país", segundo a carta.
Atualmente, o mundo olha para o Brasil com um misto de preocupação e meneios de cabeça. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por exemplo, anunciou cortes de 95% dos recursos para ações de combate aos efeitos das mudanças climáticas. Isso ocorreu exatamente no momento em que as Nações Unidasapresentaram o seu assustador relatório sobre a extinção global de espécies.
Porém, mais espantoso que o "timing" foi o fato de que, de qualquer maneira, o orçamento do ministério previa apenas R$ 11,8 milhões para a luta contra o aquecimento global. Enquanto alunos do ensino médio na Europa fazem greves por uma política ambiental melhor, o assunto parece não interessar a quase ninguém no Brasil. Pelo menos, não no governo.
Com isso, o Brasil joga fora o prestígio construído sob os ex-presidentes Lula e Dilmanas conferências internacionais do clima. Nessa época, na área do meio ambiente e das mudanças climáticas, o Brasil era um global player, um agente global. E, com isso, tinha nas mãos um poder de persuasão que dava peso ao país nas negociações internacionais. Será que, de fato, tudo isso está em risco?
Talvez o presidente Bolsonaro tenha copiado de seu ídolo Donald Trump a maneira como se alinhavam bons acordos. Assim, talvez, ele consiga elevar o preço que os países industrializados estão dispostos a pagar para salvar as florestas brasileiras. É que uma coisa é certa: sem o Brasil, nenhum acordo global do clima realmente eficaz poderá funcionar.
Por outro lado, não é possível enxergar qual é o grau de racionalidade da política de Bolsonaro. Será que ele realmente acredita em teorias da conspiração que dizem que as Nações Unidas querem roubar a Amazônia juntamente com os povos indígenas brasileiros?
E até que ponto Bolsonaro, como presidente, se deixa influenciar por ofensas pessoais? Assim, ele divulgou na quarta-feira que quer fazer mudanças, por decreto, na Estação Ecológica de Tamoios. Apenas lembrando: foi lá que, em 2012, Bolsonaro foi multado por pesca ilegal. O fiscal do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) responsável pela multa foi exonerado em março.
Agora, Bolsonaro quer transformar a região em torno de Angra dos Reis numa "nova Cancún no Brasil". O exemplo mexicano é conhecido pelas suas fortalezas hoteleiras de cimento e pelas áreas de lazer onde estudantes universitários americanos bebem até ficarem inconscientes durante as férias de primavera (o chamado spring break).
Será que a mais recente iniciativa de Bolsonaro é uma cruzada de vingança pessoal contra o Ibama e os ambientalistas impopulares? O presidente deve saber que nada atinge mais dolorosamente seus adversários políticos do que um ataque à natureza do Brasil. Cada árvore derrubada também é uma vitória contra o chamado "politicamente correto" tão odiado por ele.
Fonte: IHU


Ouvir o grito da terra e o grito dos pobres: uma mudança de paradigma necessária na mineração em vista do bem comum.

Nos dias 2 e 3 de maio de 2019, o Dicastério Vaticano para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, em colaboração com as Igrejas Anglicana e Metodista, organizou uma reunião de dois dias sobre o tema “Mineração para o Bem Comum”.
A nota é da Sala de Imprensa da Santa Sé, 06-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.



A reunião contou com a presença dos líderes de algumas das principais empresas de mineração e representantes das comunidades afetadas pela mineração. Entre estes últimos, estava Dari Laurindo Pereira, que compartilhou seu testemunho pessoal do desmoronamento da barragem de resíduos de mineração da Vale, em janeiro de 2019, em Brumadinho, Minas Gerais, que causou a morte de cerca de 300 pessoas e a poluição generalizada do ambiente dos principais rios nos arredores. Na reunião, também havia representantes das Igrejas locais, membros das organizações da Cáritas, assim como das Comissões de Justiça e Paz de todo o mundo.

Os dois dias de reflexão abordaram os desafios relacionados à mineração no contexto do bem comum. O primeiro dia foi dedicado ao intercâmbio entre representantes de organizações eclesiais, somados, no segundo dia, aos executivos das empresas de mineração.

O encontro incluiu uma audiência papal no dia 3 de maio, durante a qual o Santo Padre compartilhou sua exortação aos participantes: “Sabemos que ‘o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social’ (Laudato si’, n. 109) e que ‘a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios’ (ibid., n. 190). Precisamos de uma mudança de paradigma em todas as nossas atividades econômicas, incluindo a mineração”.

O Santo Padre enfatizou: “A atenção para a segurança e o bem-estar das pessoas envolvidas nas operações de mineração, assim como o respeito pelos direitos humanos fundamentais dos membros das comunidades locais e daqueles que defendem suas causas são de fato princípios inegociáveis. A mera responsabilidade social corporativa não é suficiente”.

Eis o discurso.

Caros irmãos e irmãs,

Dou as minhas boas-vindas a todos vocês e agradeço ao cardeal Turkson pela sua introdução. Agradeço-lhes por terem vindo ao Vaticano para abordar esse diálogo sobre o tema "Indústria da mineração para o bem comum”.

Na encíclica Laudato si’, em mérito ao preocupante estado do planeta, sublinhei a exigência de “entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum” (n. 3). Precisamos de um diálogo que responda efetivamente tanto ao grito da Terra quanto ao grito dos pobres (cf. ibid., n. 49). Aprecio de modo particular que, no seu encontro, representantes das comunidades envolvidas nas atividades de mineração e responsáveis pelas companhias mineradoras se reuniram em torno da mesma mesa. Isso é louvável e é um passo essencial no caminho do progresso. Devemos encorajar esse diálogo para que continue e se torne a norma, e não a exceção. Eu os parabenizo porque vocês se aventuraram no caminho do diálogo recíproco com espírito de honestidade, coragem e fraternidade.

As precárias condições da nossa casa comum se devem principalmente a um modelo econômico que vem sendo seguido há muito tempo. É um modelo voraz, orientado ao lucro, com um horizonte limitado e baseado na ilusão do crescimento econômico ilimitado. Embora muitas vezes assistamos ao seu desastroso impacto sobre o mundo natural e sobre a vida das pessoas, ainda estamos relutantes à mudança. “Os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente” (ibid., n. 56).

Estamos cientes de que “o mercado, por si mesmo, não garante o desenvolvimento humano integral nem a inclusão social” (ibid., n. 109) e que “a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios” (ibid., n. 190). Precisamos de uma mudança de paradigma em todas as nossas atividades econômicas, incluindo as atividades de mineração.

Nesse contexto, o título do seu encontro, “Atividade mineradora para o bem comum”, é muito apropriado. O que isso implica concretamente? Permitam-me articular algumas reflexões a esse respeito que poderiam ser úteis para vocês no seu diálogo.

Acima de tudo, a atividade mineradora, assim como toda atividade econômica, deveria estar a serviço da comunidade humana inteira. Como escreveu São Paulo VI: “Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para o uso de todos os homens e de todos os povos, para que os bens da criação afluam igualmente para as mãos de todos” [1]. Esse é um pilar do ensinamento social da Igreja. Nessa perspectiva, o envolvimento das comunidades locais é importante em todas as fases dos projetos de atividade mineradora. “É sempre necessário alcançar consenso entre os vários atores sociais, que podem trazer diferentes perspectivas, soluções e alternativas. Mas, no debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse econômico imediato” (Laudato si’, n. 183).

À luz do iminente Sínodo sobre a Amazônia, gostaria de salientar que “é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços” (ibid., n. 146). Essas comunidades vulneráveis têm muito a nos ensinar. “Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. (...) Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativistas e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura” (ibid.). Exorto a todos que respeitem os direitos humanos fundamentais e a voz das pessoas dessas belas, mas frágeis comunidades.

Em segundo lugar, a atividade mineradora deveria estar a serviço da pessoa humana, e não o contrário. Como o Papa Bento XVI escreveu, “nas intervenções em prol do desenvolvimento, há que salvaguardar o princípio da centralidade da pessoa humana, que é o sujeito que primariamente deve assumir o dever do desenvolvimento” [2]. Cada pessoa é preciosa diante dos olhos de Deus, e os seus direitos humanos fundamentais são sagrados e inalienáveis, independentemente da condição social ou econômica. A atenção à proteção e ao bem-estar das pessoas envolvidas nas operações mineradoras, assim como o respeito pelos direitos humanos fundamentais dos membros das comunidades locais e daqueles que defendem as suas causas são princípios inegociáveis. Somente a responsabilidade social das empresas não é suficiente. Devemos assegurar que as atividades mineradoras levem ao desenvolvimento humano integral de toda e qualquer pessoa e da comunidade inteira.

Em terceiro lugar, é necessário encorajar o desenvolvimento de uma economia circular, especialmente na esfera das atividades mineradoras. Considero que a observação dos meus irmãos bispos da América Latina, feita na sua recente Carta Pastoral sobre as atividades extrativistas, é muito pertinente. Eles escrevem: “Por ‘extrativismo’, entendemos uma tendência desenfreada do sistema econômico de transformar em capital os bens da natureza. A ação de “extrair” a maior quantidade de materiais no menor tempo possível, convertê-los em matérias-primas e fatores produtivos que a indústria utilizará, serão transformados em produtos e serviços que outros comercializarão, a sociedade consumirá, e, portanto, a própria natureza receberá na forma de resíduos poluentes, é o circuito consumista que é criado com velocidade e risco cada vez maiores” [3].

Devemos denunciar e evitar essa cultura do descarte. “O sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os” (Laudato si’, n. 22). A promoção de uma economia circular e a abordagem “reduzir, reutilizar, reciclar” também estão muito em consonância com o Consumo Sustentável e os Modelos de Produção promovidos no 12º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Além disso, as tradições religiosas sempre apresentaram a sobriedade como um componente-chave de um estilo de vida ético e responsável. A sobriedade também é vital para salvar a nossa casa comum. “Bem-aventurados os mansos porque herdarão a terra” (Mt 5, 5).

Caros irmãos e irmãs, os nossos esforços e a nossa luta para salvaguardar a casa comum são verdadeiramente um percurso ecumênico, que nos desafia a pensar e a agir como membros de uma casa comum (oecumene). Estou particularmente feliz que o encontro de vocês reuniu representantes de Igrejas e Comunidades de fé de todo o mundo. Agradeço também aos representantes da indústria da mineração por terem aderido a essa conversa. Precisamos agir juntos para sanar e reconstruir a nossa casa comum. Somos todos chamados a “colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades” (Laudato si’, n. 14).

Desejo que o encontro de vocês seja realmente um momento de discernimento e possa guiar a uma ação concreta. Desejo que, como escreveram os bispos latino-americanos, vocês possam “analisar, interpretar, discernir o que é apropriado ou não nas atividades extrativistas nos territórios e, portanto, propor, planejar, agir para transformar o nosso estilo de vida, influenciar as políticas de energia da mineração de Estados e governos, assim como as políticas e as estratégias das empresas dedicadas ao extrativismo, a fim de realizar o bem comum e um autêntico desenvolvimento humano, sustentável e integral” [4].

O seu encontro é importante porque vocês estão tratando de questões que concernem ao futuro da nossa casa comum e ao futuro dos nossos filhos e das futuras gerações. “É preciso tomar consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da nossa passagem por esta terra” (Laudato si’, n. 160). Que vocês nunca percam de vista esse grande horizonte!

Com afeto, abençoo a vocês, as suas famílias e as suas comunidades. Por favor, rezem também por mim. Obrigado.

Notas:

1. Carta encíclica Populorum progressio, 22.
2. Carta encíclica Caritas in veritate, 47.
3. CELAM, Discipulos misioneros custodios de la casa común. Discernimiento a la luz de la encíclica Laudato si’, Bogotá, janeiro de 2018, n. 11.
4. CELAM, Discipulos misioneros custodios de la casa común. Discernimiento a la luz de la encíclica Laudato si’, Bogotá, janeiro de 2018, n. 12.


Fonte: IHU