As cidades brasileiras hoje não carecem de leis e nem de
planos, mas de atitudes concretas para mudar a realidade.
Novos sistemas de
governança, mobilidade urbana e reestruturação do sistema de habitação foram os
temas principais durante o diálogo “O Futuro das Cidades”,
organizado pelo Instituto Envolverde em parceria com a Unibes Cultural,
e apoio do ICLEI- Governos Locais
pela Sustentabilidade e da Brasil Kirin.
A
reportagem é de Katherine
Rivas, publicada por Envolverde
O Encontro aconteceu
nesta quarta-feira (14) e contou com a participação de três especialistas: a
arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, o pesquisador do Núcleo de Estudos do
Futuro da PUC-SP Diego Conti e o Secretário-executivo do ICLEI Rodrigo Perpétuo
e foi mediado por Dal Marcondes, diretor do Instituto Envolverde e editor da
Ag~encia Envolverde.
O
“Futuro da Cidades” promoverá no decorrer de 2017 uma série de seis
diálogos para avaliar as tendências em sustentabilidade para as cidades do
mundo nos próximos anos, assim como propor estratégias de solução frente aos
dilemas da população.
As cidades
brasileiras hoje, segundo os especialistas, são manejadas pelo mercado
imobiliário, que se apropria de localizações privilegiadas. Apesar de seu forte
conhecimento e cultura, a sociedade ainda se mostra alienada de seus direitos e
tem profundo desinteresse pelas instituições e governos em trabalhar por
melhorias.
A urbanista
Ermínia Maricato afirmou que as cidades no Brasil hoje não carecem de leis nem
planos, mas de atitudes concretas para mudar a realidade. Segundo a
legislação do país toda metrópole deve ter um Plano Diretor Estratégico,
no entanto, os planos atuais não enxergam a real necessidade da população. “Os
sistemas judiciário e administrativo desconhecem a legislação urbanística do
município e a realidade das cidades. Em São Paulo é urgente impedir a ocupação
dos mananciais criando um projeto habitacional para os moradores destas
localidades”,comenta.
Na
capital paulista, a 40 km da Praça da Sé existe uma reserva natural ocupada de
forma ilegal pelas vítimas do sistema imobiliário, qualificado pela urbanista
como excludente. A ocupação dos mananciais hoje é lar de dois milhões de
pessoas e gerou nos últimos anos múltiplos problemas ambientais entre eles a
crise hídrica. Ermínia destaca também a disfuncionalidade da cidade, onde 70%
do emprego está no centro urbano fazendo com que as pessoas viajem por várias
horas para trabalhar, da mesma forma que existe uma distribuição segmentada da
população por gênero, classe social e etnia, excluindo alguns dos serviços
básicos e qualidade de vida.
Para Diego
Conti, pesquisador do Núcleo do Futuro, o problema principal do Brasil é a
dificuldade de conceber uma cidade igualitária onde diversas classes sociais
possam morar num mesmo prédio, por exemplo, mesmo que com estruturas e
apartamentos diferentes. Ele cita a cidade de Copenhagen, na Dinamarca,
pioneira neste formato. “Precisamos de lideranças políticas e empresariais para
transformar o mundo. Estamos em uma arritmia que precede ao infarto. Vamos
deixar o Brasil enfartar? ” questiona.
O modelo de
governo, segundo Conti, precisa ser participativo e aliado de forma
transparente aos moradores que conhecem a realidade dos seus bairros. Ele vê o
desenvolvimento sustentável nos próximos anos aliado a três frentes climáticas:
seca, aumento de chuvas e incremento da velocidade dos ventos.
O pesquisador
concorda com Maricato na ineficiência das cidades que mantem o trabalho longe
da moradia. O fato de uma pessoa precisar de seis horas para ir e voltar do
trabalho, mais as oito horas de jornada laboral diária, lembram Conti da era
industrial. Desde esta perspectiva ele acredita que nada mudou.
Já
Rodrigo Perpétuo do ICLEI avalia que mesmo com as transformações históricas a
sociedade hoje ainda é dominada por um pós-capitalismo industrial onde apesar
da preocupação com mudanças climáticas e protagonismo orgânico e econômico
ainda somos vítimas de machismo, homofobia, racismo e crueldade humana e
ambiental.
Utopia
de cidade
Os
especialistas acreditam que a cidade ideal de 2050 contará com governos
participativos e líderes verdadeiros sendo missão da sociedade identificar os
prefeitos e vereadores do futuro. “O maior conselho para um líder é ter
resiliência, porque todos os dias você é esmagado pelo sistema, mas você tem
que voltar ao seu estado natural”, diz Diego Conti.
Com a crise política
do Brasil a saída é que a agenda dos próximos anos manifeste o interesse real
das pessoas. Segundo Ermínia a saída não está em modelos urbanísticos compactos
e sim em educação, conhecimento das cidades e lideranças de movimentos sociais
realizando um diálogo aberto com a periferia brasileira.
Perpétuo
defende a reestruturação das cidades evitando que famílias mudem de lar para
viver melhor e sim que estas consigam ter qualidade de vida nos seus municípios
pequenos. Ele defende a geração de cidades mais éticas que promovam o potencial
humano. “O Brasil precisa ecoar a sua verdade varrida para debaixo do tapete”,
aponta.
Ermínia
Maricato defende que a mudança iniciou nas manifestações de 2013, onde surgiram
alguns movimentos que serão os protagonistas de anos futuros. Ela qualifica o
empoderamento da população negra, as mulheres da periferia e o movimento LGBT
como uma alternativa potencial para alavancar transformações sociais e resgatar
um país ético. A urbanista mostra-se pessimista a curto prazo, porém com
grandes esperanças após desvendar estas realidades a longo prazo.