26 outubro, 2018

Um resumo de informações e análises publicadas pela imprensa em geral


Um resumo de informações e análises publicadas pela imprensa em geral

Estão chegando ao final as eleições mais excepcionais da história do Brasil. Depois de ter o líder das pesquisas impedido de concorrer, um primeiro turno turbinado pela onda conservadora e pela máquina de fake news, a eleição termina com o TSE e o STF sob fogo: de um lado, ameaças da família Bolsonaro, de outro muitas críticas quanto à passividade dos tribunais. Nesta edição, discutimos tudo isso e chamamos a atenção para a presença militar desde agora no processo político, as sombras tenebrosas que se projetam no futuro e inúmeros casos de censura. Antes de mais nada, a pergunta: vai virar?

Vamos lá.

Sinais, fortes sinais. As últimas pesquisas, em especial Ibope, Vox Populi e Datafolha, deram ânimo à campanha de Fernando Haddad. Apesar das divergências, as três mostram pelo menos um viés: a distância está diminuindo. O Datafolha realizado entre quarta (24) e quinta mostrou que a diferença caiu seis pontos em relação ao levantamento feito nos dias 17 e 18. “O resultado é a mais expressiva oscilação na curva das intenções de voto no segundo turno até aqui, e reflete um período de exposição negativa para o deputado do PSL”, avalia reportagem da Folha. No centro da disputa, estão os eleitores indecisos (14%), um índice inédito em segundo turno de eleições presidenciais. Há movimentações inclusive entre os setores evangélicos. Alguns dos motivos da queda, na visão de políticos à direita: as falas extremadas de Bolsonaro e filho nos últimos dias e um acerto na campanha do PT. Antes mesmo do Datafolha, Bolsonaro já deu mostras de nervosismo, pedindo que deputados eleitos atuassem mais na campanha presidencial.

Um detalhe da mobilização pró-Haddad é o caráter cívico e não partidarizado. Além de artistas e intelectuais, estão chamando a atenção os pequenos grupos que se organizaram nos últimos dias para virar voto nas ruas. Começando por Recife, estão sendo realizados atos de encerramento da campanha. Na ausência do debate na Globo, que poderia acelerar a diminuição na diferença, um fato importante para esta sexta é o retorno de Ciro Gomes, que estava em Paris, que poderia fazer uma declaração firme pelo voto em Haddad. Na semana que passou, Marina Silva declarou seu apoio crítico a Haddad, enquanto Fernando Henrique Cardoso deu apenas declarações contrárias a Bolsonaro, enquanto internamente os tucanos divergem sobre uma declaração de voto em Haddad. Interessante notar que o apresentador Luciano Huck barrou uma nota de voto crítico em Haddad por seu movimento político. Há um claro embate entre políticos e intelectuais: enquantos uns decidem apoiar Haddad, em nome da democracia, há outros que lavam as mãos ou, simplesmente, aderem. No Boa Leitura, selecionamos mais textos sobre isso.

As instituições estão funcionando. Só que não.  "É a primeira vez numa democracia que estamos observando o uso do WhatsApp para disseminar maciçamente notícias falsas”. A frase é da ex-presidente da Costa Rica e chefe da missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) para as eleições no Brasil, Laura Chichilla. Aparentemente não é o que pensa o TSE. No domingo passado, a ministra Rosa Weber anunciou em coletiva que estava tudo bem. No mesmo dia, em vídeo para apoiadores, Bolsonaro avisava que vai mandar a oposição para a prisão ou para o exílio, enquanto circulava um vídeo do seu “garoto” afirmando que bastava um cabo e um sargento para fechar o STF. As reações do STF e do Poder judiciário em geral se limitaram a declarações à imprensa. A postura tímida das cortes não surpreendeu juristas ouvidos pela Rede Brasil Atual.

É evidente que o TSE fracassou. Prova disso é de que da centena de casos investigados pelo Ministério Público na eleição, apenas um é sobre fake news. O episódio revela um mercado ilegal de dados e a violação das próprias regras destas redes sociais. A prática também põe por terra o argumento de espontaneidade da campanha. Ao contrário, pesquisa da UERJ demonstra que ação é bastante profissional e orquestrada, confirmando as denúncias da Folha de São Paulo. Reportagem da revista Época fez um bom detalhamentode como funciona a máquina de WhatsApp e as relações com a campanha. A Carta Capital também vê estranhas semelhanças entre o recente vazamento de dados do Facebook e a ação eleitoral massiva, lembrando a prática da Cambridge Analytics e da própria rede na eleição de Trump e no Brexit. Um exemplo quase cômico da ação de robôs foi uma matéria da Folha sobre joalherias. Por conta da palavra “bolso” no título, centenas de robôs ligados ao deputado passaram atacar a reportagem.

RADAR

Carta na manga. Está claro que, por hora, o caso do lava zap vai ficar como está. Por hora. Os ritmos da apuração e a boa vontade do TSE não devem encerrar o caso neste ano. O que significa que, caso seja eleito, Bolsonaro começaria seu mandato com uma possibilidade de cassação da chapa pairando no ar. O The Intercept resume o dilema. Resta saber se o judiciário terá a mesma presa que teve com Lula.

República aquartelada. As Forças Armadas não precisaram esperar a eleição do seu candidato para voltarem ao cenário político. Na antessala do presidente do STF, está o general da reserva Fernando Azevedo e Silva. Segundo a revista Época, “amicíssimo do General Mourão” e ex-colega de Bolsonaro nos Agulhas Negras. Também não seria surpresa se o general Sérgio Etchegoyen, responsável pela mudanças na política de espionagem do governo, permanecesse num futuro governo. A sua escalada no poder é tema de reportagem do The Intercept. Segundo a imprensa, pelo menos três generais estariam num eventual ministério. E haveria consensos na equipe militar: tipificar movimentos como terroristas, reduzir a maioridade penal, a volta da moral e cívica às escolas e o “expurgo” (sic) de Paulo Freire, entre outros. Porém, tanto a Folha de São Paulo quanto o Correio Braziliense apuram que os militares também temem que um fracasso do governo vá para conta da caserna.

Teu futuro é duvidoso. Nesta semana, o deputado carioca recebeu dez empresários que representariam 32% do PIB. A campanha vendeu o encontro como apoio, mas reportagem do El País mostra que os empresários também têm suas dúvidas e críticas Em especial sobre o papel do BNDES e a política tarifária, como alertamos na semana passada. Também alertamos que a posição anti-China preocupa o empresariado. Agora, a CNI também manifestou-se contrária a extinção do Ministério de Indústria e Comércio. Enquanto o programa de Paulo Guedes é ultraliberal, Bolsonaro vai ter que lidar com o fato de que 44% da sua base eleitoral é contra as privatizações, em especial da Petrobras. E economistas ouvidos pelo Poder 360 avisam que a proposta de Orçamento Base Zero é pouco efetiva e sem benefícios a curto prazo, porque esbarra nas despesas obrigatórias constitucionais. O certo é que uma antiga reivindicação do sistema financeiro, a independência do Banco Central, está nos planos, incluindo a manutenção de Ilan Goldfajn na presidência. Aliás, Paulo Guedes teria interesse em manter membros da equipe econômica de Temer.

Agressões. Se repetir o padrão das eleições norte-americanas, o Brasil poderá ter um pico de violência após o segundo turno. Segundo pesquisa do Centro para Estudo do Ódio e Extremismo da universidade californiana, o dia seguinte à eleição de Donald Trump registrou 44 crimes de ódio. No mês em que Trump foi eleito, 758 ocorrências relacionadas à preconceitos contra uma raça, religião, etnia ou gênero. Segundo monitoramento da plataforma Violência política no Brasil, 133 casos de agressões cometidos por apoiadores do deputado foram registrados somente em outubro. O sinal de alerta com a escalada de violência teria soado inclusive nas forças armadas.

Reformas às avessas. Cobrança de mensalidades nas universidades públicas e o fim das eleições para reitores estão entre as propostas da equipe do candidato do PSL para a educação. Segundo a equipe, as universidades estão "aparelhadas" por partidários de "ideologia de esquerda". A equipe já teria inclusive um mapeamento de “quem é quem” no meio acadêmico para barrar eventuais eleitos. A reportagem é da rede Brasil Atual.

Mais do que vem por aí. Cientistas, ambientalistas, ex-ministros do Meio Ambiente, além do atual gestor da pasta, vêm alertando que, se Bolsonaro vencer e cumprir o que promete, o desmatamento da Amazônia poderia disparar. Enquanto isso, matéria do jornal Valor Econômico desta sexta (26) mostra que fabricantes de armas estão de olho no mercado brasileiro. Bem vindos ao passado.

RETROCESSO DIÁRIO

Censura. No dia 20, policiais e fiscais do TRE-RJ invadiram a sede do Sindipetro em Macaé e apreenderam exemplares do tablóide especial sobre as eleições do Brasil de Fato.Segundo o advogado Patrick Mariano, a ação foi arbitrária e ocorreu fora da normalidade, ao mesmo tempo em que o TSE tem sido omisso no escândalo das fake news. O Brasil de Fato compara ainda o tratamento recebido com a omissão com a partidarização da cobertura pela grande mídia. A Abraji, associação de jornalismo investigativo, condenou a apreensão dos jornais.

Censura (2). Nesta semana, universidades, associação de docentes e diretórios acadêmicos também foram alvos de ação da Polícia Federal e de Tribunais eleitorais. A DW Brasil apurou que ao menos 27 instituições de ensino superior tiveram a presença de agentes dos TREs e da PF nesta quinta (25). Coincidência ou não, paralelamente apoiadores de Bolsonaro invadiram instituições, como um caso que ocorreu em Santa Catarina.

Coerção. Levantamento da Agência Pública revela que a maioria das empresas acusadas de coação de funcionários nas eleições e investigadas pelo Ministério Público do Trabalho e pela Procuradoria Geral do Trabalho são relacionadas a Bolsonaro. Em 57 empresas investigadas, 28 delas são acusadas de coação. A maior parte das denúncias concentra-se na região Sul.

VOCÊ VIU?

Moro. A equipe de Bolsonaro estaria considerando o nome de Sérgio Moro para ocupar uma vaga no STF. Fontes próximas ao juiz dizem que ele estaria inclinado em aceitar o convite. A ideia não caiu bem no Supremo. Um grande acordo nacional costurado pelo General Etchegoyen com Moro e Raquel Dodge no STF já havia sido mencionado aqui na semana passada, citando a Carta Capital.

Saída pela direita. A equipe de Michel Temer tem se encontrado com frequência com os assessores de Bolsonaro. Já esteve na pauta a Reforma da Previdência e agora os assessores palacianos negociam uma saída honrosa para Temer. Leia-se foro privilegiado. Uma embaixada diplomática seria uma possibilidade, revela O Globo. O namoro com Temer pode incluir ainda a permanência de ministros como Mendonça Filho e o acordo para a reeleição de Rodrigo Maia na presidência da câmara.

Relações perigosas. Bolsonaro deve ser convidado para a primeira reunião da Cúpula de extrema-direita convocada para o próximo ano em Bruxelas. A organização foi criada pelo político belga Mischaël Modrikamen e pelo ideólogo de Donald Trump, Steve Bannon. “O Movimento” (assim mesmo) promove ideias nacionalistas e populismo de direita, sobretudo na Europa.

Absolvição. Chegou ao fim o caso dos 18 jovens presos num ato Fora Temer em São Paulo em 2016. A juíza absolveu todos os réus. O caso ganhou notoriedade tanto pelos buracos no processo quanto pela participação de um capitão do exército infiltrado entre os protestos. A Ponte recapitula todo o episódio.

Ainda Censura. Levantamento do The Intercept demonstra que o deputado do PSL é o candidato que mais ações judiciais para retirar conteúdo do ar na internet: 23 ações. Veículos de imprensa tradicionais como a Folha e a editora Abril também entraram na mira do Deputado, além do Facebook. Contra a rede social, foram 17 processos, todos negados.

E mais censura. O professor e jornalista Juremir Machado demitiu-se no ar de um programa da Rádio Guaíba. Juremir e outros participantes foram impedidos de perguntarem ao candidato Bolsonaro em entrevista. A emissora pertence ao grupo Record, da Igreja Universal. A Carta Capital publica uma análise do papel da Record e um possível choque com a Rede Globo no futuro.

É BOATO (QUE NÃO ACABA MAIS)

Enxurrada. Das 123 notícias falsas analisadas por agências de checagem de informação no período eleitoral, 104 eram contra Haddad. O levantamento é do site do Congresso em Foco.

BOA LEITURA

Fake news verde oliva. Na Carta Capital, o advogado Rodrigo Lentz demonstra como o uso de fake news nas eleições foram planejadas de acordo com as diretrizes da Escola Superior de Guerra e da Doutrina de Segurança Nacional da ditadura. O mesmo tema é abordado pelo antropólogo Piero Leirner em entrevista ao El País.

Guerra Híbrida. No Brasil de Fato, o autor de “Guerras Híbridas”, Andrew Korybko, descreve largamente sua teoria e analisa o cenário brasileiro a partir dela. O sociólogo Laymert Garcia dos Santos (Unicamp) também usa o conceito para analisar tanto o uso das redes sociais quanto a omissão do TSE no processo.

AI-R reloaded. O decreto sobre a política de inteligência de Temer, conhecido como o seu AI-5, é dissecado neste post de Antônio Salvador e como ele se relaciona com o projeto de mudança da lei antiterrorismo.

Ustra. A absolvição do General Ustra pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino corresponde a um segundo assassinato, como denuncia sua sobrinha e também jornalista Tatiana Merlino. No Le Monde Diplomatique, a especialista em justiça de transição Carla Osmo elenca todas as fragilidades do processo na justiça. Na revista Vice, Fernando Cesarotti demonstra como o problema está na forma como o país tratou os crimes da ditadura desde a anistia.

Duterte. A revista Vice e Mario Sérgio Conti vêem semelhanças perigosas entre o presidente da Filipinas, Rodrigo Duterte, e Bolsonaro: populismo penal de soluções simples para questões complexas. Além de mortes extrajudiciais, Duterte atacou grupos políticos adversários, prendeu uma senadora da oposição e tramou para a presidente da Suprema Corte local fosse destituída.

Fascismo 2.0. Timothy Snyder, autor de “Sobre a Tirania”, fala sobre o papel da internet em alimentar os novos fascismos: empresas como a Cambridge Analytica usam a riqueza e a internet para influenciar eleições, a partir das emoções e notícias falsas. “Uma das maneiras mais fáceis de manipular as pessoas, de mantê-las longe dos dados, é dividir o mundo entre eles e nós”.

Aos que preferem não. “Esta é uma eleição em que um candidato, Fernando Haddad, por mais ressalvas que se possa ter a ele e ao seu partido, tem um projeto democrático, e o outro candidato nega a democracia”, escreve a jornalista Eliane Brum.

Concertação democrática. Defender as instituições democráticas significa hoje reconstruí-las. Em novas bases, repactuadas. O primeiro passo é reunir quem está alarmado, inquieto e construir uma frente como espaço comum de formulação e ação. Artigo de Marcos Nobre na revista Piauí.

Imprensa e democracia. Na Folha de São Paulo, a ex-editora do jornal, Eleonora de Lucena, escreve: “Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia - para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo. Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.”

Gente frouxa. Um dos textos que mais circulou nesta semana foi do escritor e artista plástico Nuno Ramos, na Folha, criticando a inércia de políticos e intelectuais diante da ameaça fascista. “Precisamos de declarações bem claras de condenação à Venezuela antes de assinar manifestos democráticos? Você ainda não entendeu que a Venezuela é aqui, agora?”

Jogue como uma menina. Sissi, ex-capitã da seleção brasileira feminina escreve uma carta para Ana Vitória, capitã da Seleção sub-20, sobre as dificuldades e conquistas de sua trajetória. Leia a carta e a resposta de Ana Vitória no Puntero Izquierdo.

Fonte:  Ponto - Informação sem ruído
Ponto é uma newsletter semanal editada pelo jornal Brasil de Fato com um resumo de informações e análises publicadas pela imprensa em geral.

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