17 janeiro, 2017

“Pobres e negros são as principais vítimas do sistema prisional”, afirma estudioso

A população carcerária no Brasil já ultrapassou as 600 mil pessoas. A cada dia, um preso é assassinado. Só em 2016, foram mais de 370 mortes violentas nesses estabelecimentos, segundo dados dos governos estaduais. Nos últimos dias, no Amazonas e Roraima, o país presenciou o maior massacre em unidades prisionais desde a Chacina do Carandiru, com mais de 100 mortos.

Entretanto, governos e meios de comunicação e a maioria da população insistem em apontar como solução medidas que, aplicadas ao longo de décadas, já se mostraram fracassadas: aumento das prisões, punições e a violência promovida pelo Estado. Esse modelo, além do mais, atinge seletivamente os mais pobres, negros e jovens de periferia, privados do devido acesso à Justiça e da garantia de direitos fundamentais.

O Brasil de Fato, conversou, ontem, dia 16,  com o cientista social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Eis a entrevista

O que se pode dizer sobre os presídios em funcionamento em Minas Gerais atualmente? Qual a condição das pessoas que estão nesses presídios? Eles são adequados à recuperação?

A população carcerária cresce absurdamente no Brasil. Entre 2005 e 2012, esse aumento foi de 74%, enquanto a população brasileira cresceu apenas 5,3% no mesmo período, segundo o IBGE. Em Minas Gerais, o número de presos foi multiplicado por sete: cresceu 624% nesse período. Hoje, o estado tem quase 70 mil presos, sendo que mais de 40% sequer tem uma sentença definitiva (os chamados presos provisórios). A superlotação do sistema prisional de Minas é da ordem de 111%. Ademais, temos problemas estruturais, como a questão da qualificação dos agentes prisionais. Com exceção dos presos que estão abrigados nas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, as Apacs, a situação do sistema tradicional reproduz o caos do sistema prisional brasileiro. Nessas condições precárias, com vínculos familiares e sociais rompidos, entregues às facções que comandam as prisões, não há que se falar em “recuperação”. As taxas de reincidência criminal no país chegam a 80% e Minas não foge à regra.

O primeiro presídio privado do país, gerido por Parceria Público-Privada (PPP), está em Ribeirão das Neves (MG). O modelo foi anunciado pelo governo tucano como forma de se promover a segurança, eficiência e uma condição digna para os detentos. Justificativas semelhantes aparecem no PLS 513/2011, projeto de lei sobre a contratação PPP para construir e gerir estabelecimentos penais. Como você vê esse modelo?

O presídio administrado por PPP em Neves tem a função de ser uma espécie de fotografia bonita para justificar a sanha privatista que ronda o sistema prisional mineiro e brasileiro. Nele, não há superlotação; os presos são seletivamente escolhidos, porque têm que trabalhar. Há condições para o exercício laboral, assistência médica, jurídica e social. Ora, se essas mesmas condições, determinadas pela Lei de Execução Penal (e não cumpridas pelo Estado), fossem implementadas nas prisões do sistema tradicional, não teríamos esses locais transformados em quartéis-generais do crime organizado. Ademais, os presos do presídio privado de Neves são monitorados por sistemas eletrônicos dos mais modernos; tudo para controlar a unidade prisional e evitar fugas e rebeliões. E o custo, muito mais alto que o sistema tradicional. Ou seja, o estado investe muito no seu cartão-de-visita a justificar a privatização dos presídios e deixa à míngua uma imensa quantidade de presos. Como temos uma expansão da indústria do preso com o adensamento da massa carcerária - e muitos homens de bens e empresas ganham com isso (inclusive com o caos e o descontrole estatal do sistema) -, os presídios privados estão se transformando num novo filão para o ganho de capitalistas que só pensam em dinheiro; nunca nas pessoas. A carnificina de Manaus prova que prisões terceirizadas tendem a complicar ainda mais a questão prisional.

Na última semana, Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciaram medidas para amenizar a crise no sistema prisional. A principal ação seria um gasto de mais de R$ 400 milhões para construir novos presídios e aumentar a segurança dos que já existem. Qual a sua avaliação sobre essas medidas?

Há uma máquina de aprisionamento no país. A sociedade, vingativa e mal informada, acha que a prisão é o lenitivo para todos os crimes; o poder judiciário (cujos juízes, promotores e advogados sequer conhecem a realidade prisional) age seletivamente, entupindo as cadeias de usuários e microtraficantes de drogas e ladrões de galinhas - que serão as presas fáceis das organizações criminosas que comandam o sistema. Aliás, dos quatro países com as maiores populações carcerárias do mundo, o Brasil é o único que desde 2008 aumentou seu número de presos. Este dado revela que existe uma clara preferência do Judiciário brasileiro pelo encarceramento em massa e que os juízes que prendem não se sentem responsáveis pela tragédia que é o nosso sistema penitenciário". Por fim, o poder executivo colabora com essa máquina do aprisionamento, seja através da ação seletiva das polícias (que prendem muito e prendem mal) ou não tomando as medidas necessárias para uma gestão e controle eficientes do sistema. Ora, construir mais prisões nessas condições é colaborar com o adensamento das facções criminosas, com a indústria do preso e da insegurança (que enriquece muitas pessoas e instituições) e não resolve absolutamente em nada a situação atual nem futura.

Quando se discute o combate à criminalidade no Brasil, por que tantas pessoas preferem vingança e punição e não a reeducação?

Temos uma cultura punitiva, que começa dentro de casa, espraia-se nas relações interpessoais e sociais, passa pela educação formal e ratifica a crença segundo a qual a punição é melhor que a prevenção, a negociação, a mediação de conflitos, etc. Ademais, nosso modelo educacional não educa para a solidariedade, responsabilidade, cidadania. É cada um por si e Deus por todos. Nessas condições, com um sistema de justiça altamente seletivo, polícias violentas e poderes públicos sem credibilidade, parece que a única solução é tentar de todas as maneiras se dar bem e torcer para que a lei valha somente para o outro que, quando erra, deve ser severamente punido. De uma maneira geral, todos achamos que o outro é perigoso e que nós e os nossos somos os bons. Acontece, que o outro também pensa assim sobre nós. Quem entra, então, para o sistema de justiça criminal? Primeiro critério de entrada, a renda; segundo, a etnia e terceiro o acesso à justiça. Assim, pobres, negros e jovens da periferia sem advogados são as principais vítimas desse sistema. Quem tem bons advogados, é branco, classe média, serve-se dessa legislação propositalmente confusa e com inúmeros recursos e conseguirá, na maioria das vezes, se livrar das armadilhas do sistema de punição e vingança social, concretizado no sistema prisional.

Que alternativas podemos pensar ao atual sistema prisional?


São medidas de médio e longo prazo: separar os membros de facções criminosas para evitar novos massacres; reformar nossas polícias e a justiça; controlar as prisões; tirar os presos condenados das delegacias; separar presos perigosos dos demais; ampliar as vagas no sistema prisional (não com a criação de mais prisões, mas com a liberação de vagas ocupadas por presos provisórios); estimular a participação da comunidade nos processos de ressocialização; ampliar programas de prevenção ao uso de drogas, oferecendo oportunidades a jovens em situação de vulnerabilidade fora das prisões e de tratamento de dependentes dentro das prisões; criar programas de acompanhamento e orientação para egressos; intensificar a aplicação das penas e medidas alternativas, com fiscalização eficiente do poder público; oferecer acompanhamento jurídico dos processos dos condenados; manter os condenados no seu local de origem, visando ao não rompimento de vínculos familiares e sociais; proporcionar a todos os presos com sentença definitiva a oferta de trabalho e educação. A empreitada é grande, mas precisa ser enfrentada. O resto é conversa para boi dormir.

O novo salto global da desigualdade - 8 homens têm mesma riqueza que metade mais pobre do mundo

Políticas de “austeridade” ampliam concentração de riqueza. Oxfam denuncia: agora, oito homens já têm mais que a metade dos habitantes do planeta. Mas há alternativas.
O artigo é publicado por Oxfam, 16-01-2017.
Estamos criando condições para recuperar o país e voltar a crescer, diz o presidente Michel Temer – e repetem os jornais – a cada medida adotada para reduzir o investimento social, eliminar direitos previdenciários, “simplificar” as exigências das leis trabalhistas e, supostamente, “equilibrar” as contas públicas. Exatamente como Temer agem, desde a crise de 2008, quase todos os governantes do mundo. “Austeridade”, “ajustes fiscais”, “apertar os cintos” tornaram-se conceitos dominantes no jargão politico e econômico da última década. Qual foi o resultado?
Um relatório que acaba de ser divulgado pela organização internacional Oxfam – voltada ao estudo e denúncia da desigualdade – revela. Tais políticas permitiram que apenas oito homens possuem a mesma riqueza que os 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre da humanidade. O documento Uma economia humana para os 99% mostra que a diferença entre ricos e pobres aumenta a cada edição do estudo, numa velocidade muito maior do que a prevista. Os 50% mais pobres da população mundial detêm menos de 0,25% da riqueza global líquida. Nesse grupo, cerca de 3 bilhões de pessoas vivem abaixo da “linha ética de pobreza” definida pela riqueza que permitiria que as pessoas tivessem uma expectativa de vida normal de pouco mais de 70 anos.
“O relatório detalha como os grandes negócios e os indivíduos que mais detêm a riqueza mundial estão se alimentando da crise econômica, pagando menos impostos, reduzindo salários e usando seu poder para influenciar a política em seus países”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam no Brasil.
Os números da desigualdade foram extraídos do documento Credit Suisse Wealth Report 2016. (Veja link abaixo.) Segundo a organização, 1 em cada 10 pessoas no mundo sobrevive com menos de US $ 2 por dia. No outro extremo, a ONG prevê que o mundo produzirá seu primeiro trilhardário em apenas 25 anos. Sozinho, esse indivíduo deterá uma fortuna tão alta que, se ele quisesse gastá-la, seria necessário consumir US$ 1 milhão todos os dias, por 2.738 anos, para acabar com tamanha quantia em dinheiro.
O discurso da Oxfam em Davos também mostrará que 7 de cada 10 pessoas vivem em países cuja taxa de desigualdade aumentou nos últimos 30 anos. “Entre 1988 e 2011, os rendimentos dos 10% mais pobres aumentaram em média apenas 65 dólares (US$ 3 por ano), enquanto os rendimentos dos 10% mais ricos cresceram uma média de 11.800 dólares – ou 182 vezes mais”, aponta o documento.
“A desigualdade está mantendo milhões de pessoas na pobreza, fragmentando nossas sociedades e minando nossas democracias. É ultrajante que tão poucas pessoas detenham tanto enquanto tantas outras sofrem com a falta de acesso a serviços básicos, como saúde e educação”, reforça Katia Maia.
O relatório destaca ainda a situação das mulheres que, muitas vezes empregadas em cargos com menores salários, assumem uma quantidade desproporcional de tarefas em relação à remuneração recebida. O próprio relatório do Fórum Econômico Mundial (2016) sobre as disparidades de gênero estima que serão necessários 170 anos para que as mulheres recebam salários equivalentes aos dos homens. Segundo o texto, as mulheres ganham de 31 a 75% menos do que os homens no mundo.
A sonegação de impostos, o uso de paraísos fiscais e a influência política dos super-ricos para assegurar benefícios aos setores onde mantêm seus investimentos são outros destaques do documento da Oxfam.
A Oxfam é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em mais de 90 países, incluindo o Brasil, com o intuito de construir um futuro livre das desigualdades e da injustiça causada pela pobreza. Uma das características centrais de seu estudo é a postura não-contemplativa. A organização está empenhada em buscar alternativas que permitam construir “uma economia para os 99%”. Eis, a seguir, algumas de suas propostas para tanto.

Uma Economia Humana para os 99%

Outras conclusões do Relatório da Oxfam (Davos, 2017)
  • Desde 2015, o 1% mais rico detinha mais riqueza que o resto do planeta. i
  • Atualmente, oito homens detêm a mesma riqueza que a metade mais pobre do mundo. ii
  • Ao longo dos próximos 20 anos, 500 pessoas passarão mais de US$ 2,1 trilhões para seus herdeiros – uma soma mais alta que o PIB da Índia, um país que tem 1,2 bilhão de habitantes. iii
  • A renda dos 10% mais pobres aumentou em menos de US$ 65 entre 1988 e 2011, enquanto a dos 10% mais ricos aumentou 11.800 dólares – 182 vezes mais.iv
  • Um diretor executivo de qualquer empresa do índice FTSE-100 ganha o mesmo em um ano que 10.000 pessoas que trabalham em fábricas de vestuário em Bangladesh.v
  • Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente realizada pelo economista Thomas Pickety revela que, nos últimos 30 anos, a renda dos 50% mais pobres permaneceu inalterada, enquanto a do 1% mais rico aumentou 300%.vi
  • No Vietnã, o homem mais rico do país ganha mais em um dia do que a pessoa mais pobre ganha em dez anos. vii
  • Uma em cada nove pessoas no mundo ainda dorme com fome viii.
  • O Banco Mundial deixou claro que, sem redobrar seus esforços para combater a desigualdade, as lideranças mundiais não alcançarão seu objetivo de erradicar a pobreza extrema até 2030.ix
  • Os lucros das 10 maiores empresas do mundo somam uma receita superior à dos 180 países mais pobres juntos. x
  • O diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa. xi
  • Na década de 1980, produtores de cacau ficavam com 18% do valor de uma barra de chocolate – atualmente, ficam com apenas 6%. xii
  • A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas anualmente. xiii
  • As maiores empresas de vestuário do mundo têm ligação com fábricas de fiação de algodão na Índia que usam trabalho forçado de meninas rotineiramente.xiv
  • Embora as fortunas de alguns bilionários possam ser atribuídas ao seu trabalho duro e talento, a análise da Oxfam para esse grupo indica que um terço do patrimônio dos bilionários do mundo tem origem em riqueza herdada, enquanto 43% podem ser atribuídos ao favorecimento ou nepotismo. xv
  • Mulheres e jovens são particularmente mais vulneráveis ao trabalho precário: as atividades profissionais de dois em cada três jovens trabalhadores na maioria dos países de baixa renda consistem em trabalho vulnerável por conta própria ou trabalho familiar não remunerado. xvi
  • Nos países da OCDE, cerca de metade de todos os trabalhadores temporários tem menos de 30 anos de idade e quase 40% dos jovens trabalhadores estão envolvidos em atividades profissionais fora do padrão, como em trabalho por empreitada ou temporário ou empregos involuntários em tempo parcial. xvii
  • A edição de 2016 do relatório anual do Fórum Econômico Mundial sobre as disparidades de gênero revela que a participação econômica de mulheres ficou ainda mais baixa no ano passado e estima que serão necessários 170 anos para que as mulheres recebam salários equivalentes aos dos homens. xviii


Sugestões da Oxfam para uma economia mais humana

1. Governos que trabalhem para os 99%
2. Incentivo à cooperação entre os países
3. Modelos de empresas com melhor distribuição de benefícios
4. Tributação justa à extrema riqueza
5. Igualdade de gênero na economia humana
6. Tecnologia a serviço dos 99%
7. Fomento às energias renováveis
8. Valorização e mensuração do progresso humano

Fonte: IHU

Oração

Senhor, meu Deus, é a Ti que pertence o tempo e a história. Tu és liberdade! Tu és amor, que se revela na predilecção pelos mais pequenos e fracos, no ver além das aparências, no reconhecer o primado da pessoa humana sobre toda as leis e instituições. Enche-me do teu Espírito para que me saiba movimentar nos teus espaços, onde os pequenos são os grandes, onde a atenção aos outros vale mais do que a lei escrita. Ensina-me a discernir o que realmente conta, para além das aparências, para além do imediato, para além do politicamente correcto.

Enche-me do teu Espírito que me purifique da rigidez e do fanatismo, e acende em a fé firme, a caridade ardente e a esperança segura. Amém.

Fonte: dehonianos