O capitalismo, o maior evento da modernidade, tem no trabalho o seu centro disruptivo e normativo. O que pode parece ser um paradoxo, disruptividade versus normatividade, caracteriza na verdade a potência do trabalho e o seu caráter (des)organizador e transformador da vida individual e coletiva. Há uma tríade de autores que se tornaram uma referência na decifração e interpretação do lugar da função social do trabalho no capitalismo. São eles: Marx, Durkheim e Weber.
Esse é o tema central do livro O trabalho nos clássicos da sociologia: Marx, Durkheim e Weber de autoria de Cesar Sanson, professor do departamento de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Obra recém lançada pela editora Expressão Popular em co-edição com a editora da UFRN
Na obra, o autor destaca que Marx, Durkheim e Weber viveram a explosão e o amadurecimento da Revolução Industrial. O chamejar noturno das chaminés, o trepidar incessante das máquinas, a urbanização acelerada e a agitação das multidões operárias vergaram o feudalismo. Foi nessa sociedade, em acelerada mudança, carregada de contradições, que Marx, Durkheim e Weber viveram e por ela foram interpelados. Há uma inquietação vibrante nesses autores em decifrar a essência desse novo período histórico que se inaugura e abole, de forma devastadora, o que se conhecia anteriormente.
O livro tem como objetivo central introduzir a compreensão que cada um dos autores tem sobre o trabalho nessa nova sociedade que se inaugura de forma avassaladora. Destacamos aqui alguns insights da obra.
Marx anuncia mais de uma vez que “a moderna produção burguesa é, de fato, o nosso verdadeiro tema” (MARX, 2011, p. 41) [1]. Weber afirma que o capitalismo é “a mais fatídica potência da nova vida moderna” (WEBER, 2020, p. 10) [2] e dedica-se intensamente à compreensão desse acontecimento histórico. Durkheim, por sua vez, também se interessa pelo enigma proposto pela modernidade expandida pelo capitalismo: “Como é que, ao mesmo passo que se torna mais autônomo, o indivíduo depende mais intimamente da sociedade? Como pode ser, ao mesmo tempo, mais pessoal e mais solidário? (...) É este o problema que nos colocamos” (DURKHEIM, 2019, p. L) [3].
Marx se dá conta que, nessa nova sociedade, o trabalho foi elevado à condição de centro organizador da vida individual e coletiva. Percebe que a Revolução Industrial empurrou todos – homens, mulheres, jovens e crianças – ao trabalho sem tréguas e transformou aquela em uma sociedade do trabalho. Doravante, o sentido da vida se faz dentro dessa sociedade do trabalho. Não existe mais exterioridade, tudo concerne e converge ao trabalho. As relações sociais que se constroem, as expectativas que se adquirem, as contradições que emergem, a emancipação que se busca, o olhar de mundo que se tem fazem-se no e a partir do trabalho. Ainda mais: o trabalho, na obra marxiana, ocupa um lugar central para desvendar as entranhas do funcionamento do capitalismo. Em sua obra maior, O Capital, Marx descreve como o modo produtivo capitalista, organizado heteronomamente, esconde os seus dois grandes segredos: a produção do mais-valor e a fetichização da vida social.
A importância que o trabalho assume nessa nova sociedade também não é despercebida por Durkheim. Embora o trabalho não assuma, na obra durkheimiana, a centralidade com que se apresenta em Marx, e tenha outra significação, também nele desempenha papel chave no construto de sua teoria social. Em Da Divisão do Trabalho Social, uma das suas mais referenciadas obras, ao interpretar a modernidade, naquilo por ele denominado de sociedade da “solidariedade orgânica”, apresenta uma sociedade em que a divisão do trabalho social serve não apenas para a fruição da vida material, mas, sobretudo, é a base moral que possibilita a convivência humana. Em Durkheim, é o trabalho numa sociedade industrializada, urbana e eivada de tensões sociais que cria as condições para uma mínima coesão social.
Em Weber, por sua vez, o trabalho assume relevância na medida em que o autor percebe que este contribui para a resposta da questão maior de sua inquietação intelectual: a compreensão da racionalidade que conforma o capitalismo em sua experiência única no Ocidente. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber desenvolve uma tese bastante original: a de que o capitalismo é marcado por um “espírito”, um “ethos” originário da Reforma Protestante que exorta as pessoas ao trabalho acerbo, devotado e infatigável como única forma de alcançar a Salvação. É essa concepção espiritual do trabalho que constitui determinada ética profissional que favorecerá o desenvolvimento do capitalismo ocidental e sua singular racionalidade.
Nos autores, em comum, cada um ao seu modo, o trabalho apresenta-se como categoria relevante para a compreensão da vida social. Em uma aproximação aligeirada, vis-à-vis ao capital, em Marx o trabalho é o substrato de sua economia; em Durkheim, é a essência de normatização social e, em Weber, a sua legitimação racional-cultural.
O texto da obra, recém lançada, se orienta pela descrição e interpretação da categoria trabalho nos clássicos e utiliza-se do recurso de transcrição das obras dos próprios autores seguido do argumento interpretativo como auxílio à contextualização e compreensão da escrita dos autores.
No livro, ao final das chaves de leitura da categoria trabalho em cada autor, há dois tópicos comuns a todos eles, a saber: o lugar que a categoria trabalho ocupa em seu método e a sua contribuição, a partir do método, para a compreensão do trabalho hoje. O autor do livro pretende uma hermenêutica que procura responder à seguinte questão: o que pensariam esses autores da sociedade do trabalho hoje? Como conclusão da obra, o autor empreende um esforço em articular um possível diálogo entre os clássicos tendo a categoria trabalho como referência.
A obra tem como público-alvo todos que se interessam pelo tema do trabalho, porém, os professores que lecionam Sociologia e os estudantes de graduação da área de humanas são os destinatários principais.
Notas
1 – MARX, Karl. Grundrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política. São Paulo: Editora Boitempo, 2011.
2 – WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2020.
3 – DURKHEIM. Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2019.
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