07 janeiro, 2016

A doença do século: o fenômeno do esgotamento pessoal

As relações humanas são muito mais necessárias do que as relações materiais. São elas a dimensão humanizadora da nossa vida.

Uma reflexão à luz do novo livro do filósofo Pascal Chabot


Somos uma geração nascida no berço da utópica sociedade do entretenimento e do “Übermensch” tecnocrata. Estamos identificados com esta "última versão do paraíso terrestre, que, em vez de um jardim, prometia praias ensolaradas e velozes automóveis". E não podia ter sido diferente: o clima de otimismo trabalhado por vários fatores prometia um desenvolvimento tal em que as máquinas nos libertariam do trabalho e nos deixariam entregues ao tão cobiçado “ócio”. Esta sociedade utópica, no entanto, era um verdadeiro cavalo de Troia. Em vez das promessas de despreocupada liberdade, ela nos levou a uma escravidão nova e sem precedentes. Sobre ela, o filósofo Pascal Chabot escreve em seu livro “Global Burnout”.

Autômatos autônomos

Chabot analisa a situação de conformismo do homem moderno a um ritmo de vida projetado para torná-lo feliz, mas que, na realidade, o esgota e oprime. As pessoas de hoje são descritas assim pelo autor: "Formadas, qualificadas, trabalhadoras entusiastas: elas são zelosas partidárias dos modelos contemporâneos de vida; e é graças ao seu apego ao trabalho, com mais de 40 horas semanais, que o sistema se mantém de pé. Mas é precisamente por essa mesma razão que elas entram em colapso". Elas sofrem da "doença do século".

Impulsionados pelo desejo de ser autônomos, fomos gradualmente nos tornando autômatos. Criamos o computador para nos auxiliar na busca da felicidade, mas nos tornamos seus infelizes dependentes. É neste contexto que surge o "esgotamento profissional": somos abatidos "pela exigência do sistema de produção, pela aceleração dos prazos finais, pelo aumento dos níveis de estresse, pela generalização dos instrumentos de controle, pelas restrições cada vez mais apertadas".

É a doença do excesso, que, em vez de aumentar os recursos, os extingue. É um cansaço que surge "entre vontade e tensões, um tédio que derruba o desejo de superação, de trabalhar com ardor pela realização pessoal". Em vez de nos ouvirmos, ficamos cada vez mais surdos às nossas reais necessidades, imersos numa surdez lancinante que nos despersonaliza. "O indivíduo sente um vazio dentro de si mesmo, que se propaga como um incêndio, transformando o vazio em terra queimada".

Cansados de Deus

A genialidade do livro enquadra este fenômeno atual numa categoria do antigo monaquismo: o fenômeno de estar "cansados de Deus", conhecido pela teologia espiritual como "acídia": "O esforço físico, o sono, a fome, as tentações mais frequentes e mais violentas, em ausência prolongada de consolações dos sentidos, um desânimo derivado de fracassos reais ou aparentes na luta contra o mal ou de advertências mais ou menos motivadas, a simples monotonia dos exercícios regulares e a necessidade natural de mudança podem estar na origem de uma crise".

A acídia é, para a vida espiritual, o que o esgotamento é para a vida cotidiana atual. A acídia é preguiça e insensibilidade perante a realidade de Deus. Ela não afeta a alma morna, mas a alma zelosa: "Sente-se dentro de si um pesado desgosto: deve-se mudar a si mesmo; as graças interiores que se desfrutavam com tanta alegria já não têm qualquer suavidade; a doçura de ontem já se transformou em grande amargor". Assim como "a im-percepção" de Deus na acídia, assim há no esgotamento "um constante questionar os valores dominantes, dando vida aos novos ‘ateus’ do tecnocapitalismo".

Reforma

Todos estes fenômenos exigem uma mudança de curso, uma reavaliação e uma transformação do estilo de vida. Temos que entender que "adaptar-se a este mundo significa ser capaz de adaptar o mundo aos nossos projetos" (Joseph Nuttin). O contrário é o cúmulo do vazio e da frustração: ser obrigados a mudar continuamente sem nunca conseguir realizar-nos.

Uma segunda característica da reação é começar a chamar as coisas pelo nome. A sobrecarga de trabalho não será superada enquanto for chamada hipocritamente de "estresse positivo". Curvar-se a medidas numéricas é chamado de "avaliação". Responder a uma infinidade de mensagens é chamado de "conectividade". Manter o telefone ligado 24 horas por dia é chamado de "acessibilidade". Obedecer a qualquer ordem é chamado de "reatividade". Arruinar os olhos passando mais de doze horas por dia em frente à tela do computador é chamado de "disponibilidade". Todas essas palavras estranhas pregam as pessoas nas suas cadeiras.

Percebemos que é urgente reformar esse estilo de vida quando hábitos desumanos se transformam em elogios: "Fulano trabalha como um trem de carga". Precisamos trabalhar como seres humanos, não como trens de carga! Precisamos reformar a nossa relação com as coisas a partir da cotação da moeda do tempo: o tempo da nossa vida é o nosso recurso mais precioso.

As relações humanas são muito mais necessárias do que as relações materiais. São elas a dimensão humanizadora da nossa vida.

Fonte: Zenit


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