“Ninguém tem antipatia pelos turistas estrangeiros que invadem as nossas cidades artísticas, muito menos pelos empresários ou pelos financiadores estrangeiros que abrem ou adquirem empresas entre nós. O problema não é o estrangeiro, mas sim o pobre como tal e aquilo que ele representa.”
A opinião é do padre italiano Luciano Cantini, em artigo publicado em Il Sismografo, 10-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Adela Cortina é professora de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência (Espanha), diretora da Fundação Étnor para a Ética dos Negócios e das Organizações, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas, tem oito doutorados “honoris causa” conferidos por diversas universidades no mundo. Ela é a autora da “palavra do ano de 2017”, de acordo com a Fundação Espanhola Urgente(a de 2014 foi “selfie”), que está entrando na reflexão de quem está atento à evolução do pensamento e dos comportamentos sociais no mundo ocidental.
A palavra é “aporofobia”, que Adela cunhou e usou em diversos artigos, livros, entrevistas; é uma palavra emprestada da língua grega e tenta identificar uma fobia, um medo, uma patologia social que se manifesta na aversão a alguém que é percebido como diferente, como a homofobia, a islamofobia, a xenofobia.
Em grego, a palavra á-poros significa “sem recursos”, portanto, o termo aporofobia significa “rejeição ou aversão aos pobres”.
De acordo com a filósofa espanhola, é importante chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. De fato, é por uma mera questão política ou pela falta de uma percepção plena, talvez por limites de linguagem, que a nossa sociedade, muitas vezes, define como “xenofobia” ou “racismo” a rejeição aos imigrantes ou aos refugiados, termo que, na maioria dos casos, é indesejado, mas também inadequado para expressar a realidade. De fato, essa percepção dos nossos dias não se deve ao status de estrangeiros, mas sim ao fato de que são pobres.
Dos políticos às pessoas comuns, existe a preocupação de rejeitar o fato de serem tachados de racistas xenófobos, enquanto se esforçam para encontrar as justificativasmais diversas para uma atitude de antipatia e de rejeição não claramente identificada.
A professora espanhola defende que o que assusta a nossa sociedade do bem-estar é a pobreza, mas não se tem a coragem de reconhecer isso, mesmo que seja recorrente se apresentarem situações de crise econômica. Identificando a pobreza com os estrangeiros imigrantes e refugiados e com os Rom, é menos constrangedor e mais fácil apresentar essas pessoas como uma ameaça à identidade nacional. Desse modo, construiu-se um discurso social repleto de ódio que não é totalmente identificável com a xenofobia.
Nos últimos anos, mudaram rapidamente as formas em que a pobreza se manifesta, assim como a sua percepção. O certo é que, na Itália, a pobreza avança – cada vez menos ricos são mais ricos, e aumenta o número dos pobres mais pobres –, além disso, a pobreza e o desconforto geram e incentivam formas de microcriminalidade. Isso torna as pessoas incertas e preocupadas, assustadas a ponto de se perderem no escuro em busca do “leproso”, em vez de buscarem as causas para remediar isso seriamente. É mais fácil deixar os pobres do lado de fora da porta de casa (ou no meio do mar).
Ninguém tem antipatia pelos turistas estrangeiros que invadem as nossas cidades artísticas, muito menos pelos empresários ou pelos financiadores estrangeiros que abrem ou adquirem empresas entre nós. O problema não é o estrangeiro, mas sim o pobrecomo tal e aquilo que ele representa.
A pobreza e a degradação que ela envolve nunca desapareceram, mas são diferentes a percepção e o modo de enfrentá-la na história recente: passou-se de uma situação de pobreza generalizada desde a Grande Guerra aos anos do boom econômico, em que também eram generalizados a solidariedade e os modos de convivialidade (vivia-se com a chave na fechadura de casa), em que assistimos ao fenômeno da emigração; entre os anos 1960 e 1980, produzimos sistemas de assistencialismo, mas também de marginalização, surgiram bairros e estruturas inteiros para se relegar a pobreza – exemplo disso são o “serpentone” de Roma ou as “vele” de Nápoles; em Livorno, foram os bairros a norte que tiveram essa prerrogativa, mas os “campos nômades” também surgiram por toda a parte –, áreas onde a pobreza e uma espécie de separação se reproduziram, aumentando o empobrecimento e a guetização social. A pobreza foi mantida longe dos olhos.
Com o bem-estar, pensou-se em uma requalificação das periferias, mas não dos centros históricos, cujas estruturas de moradia, não mais adequadas a um estilo de vida rico, foram pouco a pouco ocupadas pelos menos ricos, como os estrangeiros imigrantes. A urbanização da pobreza é um fenômeno tão novo que criou o alerta de invasão.
Saber que existe a aporofobia não muda a situação, e talvez não seremos capazes de eliminar a rejeição aos pobres dos nossos medos, mas pelo menos poderemos nos tornar conscientes do problema real e identificar algum caminho de correção, talvez até tirando algumas máscaras, libertando-nos de formas de “libertação das consciências” do assistencialismo, trabalhando sobre o próprio coração e sobre o próprio sentimento, antes ainda de fazer escolhas operativas.
“É urgente redescobrir a ideia de bem comum, para a felicidade da convivência; é urgente se exercer na ‘con-vivialidade’, na partilha do alimento, para redescobrir os laços sociais, a possibilidade de instaurar uma confiança recíproca, que se traduz em responsabilidade um pelo outro” (Enzo Bianchi, Jesus, julho de 2018).
Fonte: IHU
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