28 abril, 2008

Entrevista com José Bové

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Entrevista com José Bové ‘Sem a destruição de campos transgênicos, hoje estariam sendo impostos à força pelas multinacionais’

Calmo e cansado. Esse é um José Bové fora do comum que nós encontramos em sua nova casa – toda de madeira e aquecida com energias renováveis – em Montredon, um lugarejo perdido no planalto de Larzac. Depois de uma greve de fome de dez dias que o fez perder seis quilos e voltar a ganhar os favores de uma opinião pública que não lhe foi muito favorável nesses últimos tempos, a julgar pelo fiasco político (1,32% dos votos na eleição presidencial), pela destruição contestada de campos de órgãos geneticamente modificados (OGMs) e pela superexposição midiática. Aos 54 anos, o ex-líder da Confederação de Agricultores aceitou ser entrevistado pela revista La Vie e falar, entre outras coisas, sobre os fundamentos de sua vida militante: a não-violência.
Segue a íntegra da entrevista que José Bové concedeu a Olivier Nouaillas e que está publicada na revista La Vie, de 7 a 13-04-2008, p. 8-11. A tradução é do Cepat.
Sua recente greve de fome para pedir uma moratória dos OGMs foi, pelo que parece, compreendida melhor pela opinião pública do que outras ações como a destruição de plantações. Isso não o leva a se perguntar sobre as formas de ação?
Um dos meus antigos cúmplices, Jean-Baptiste Libouban, verdadeiro pai dos destruidores voluntários de plantações transgênicas, é um dos pilares da comunidade de Arche, que foi fundada aqui no planalto de Larzac no começo dos anos 1970, por Lanza del Vasto [filósofo e seguidor de Gandhi]. Ele tinha o costume de dizer que a não-violência é ao mesmo tempo feminina (a mediação) e masculina (a luta) e que se necessita dos dois. Se as ações de destruição de plantações – a primeira aconteceu em junho de 1997 – não tivessem acontecido, hoje não estaríamos debatendo os OGMs na França. Eles seriam impostos à força pelas produtoras de sementes e as multinacionais sem nenhum debate público.
Mas, às vezes, as ações de destruição das plantações foram vistas como atos de violência.
Tudo depende de como se olha para esse tipo de ação. Não são atos de vandalismo, porque nós reivindicamos sua autoria e nós os assumimos. Por exemplo, Jean-Marie Muller, o fundador do Man (Movimento por uma alternativa não-violenta) veio muitas vezes testemunhar a meu favor. Podemos efetivamente dizer que a destruição é um ataque à propriedade privada. Mas nosso argumento sempre foi o de dizer: “Em nome da propriedade privada tu tens o direito de poluir as plantações de teu vizinho?”, que é o caso de uma plantação de milho OGM vizinha de uma plantação de milho convencional ou de uma cultura biológica. Na Grã-Bretanha, todos os processos movidos contra os que destruíram plantações terminaram com um relaxamento em nome deste interesse geral superior ao direito de propriedade.
Com o recuo, como você justifica a destruição do arroz transgênico nas estufas do Cirad, um órgão de pesquisa?
Contrariamente ao que se escreveu, no Cirad nós não destruímos um instrumento de pesquisa, mas destruímos canteiros de arroz cultivados na estufa para serem em seguida transplantados em Camargue. E foi o próprio sindicato dos rizicultores de Camargue que nos alertou para o fato, porque eles não queriam os OGMs na sua região. Grande parte dos pesquisadores do Cirad nem mesmo estava a par da finalidade desses trabalhos. E, quando em 2003 eu fui preso, agrônomos do Cirad tiveram a iniciativa de fazer uma petição para, ao mesmo tempo, me apoiar e propor um debate sobre a finalidade da pesquisa.
Será que a tua imagem de não-violento de Larzac não foi confundida com a de um ativista?
Eu não sou um ativista de coração. Eu não sou, em todo o caso, do tipo que se lança e diz: “vamos refletir sobre isso depois”. Eu sempre tenho dúvidas antes de realizar uma ação: é o momento propício? É coerente? Ela faz sentido? Eu creio também que há uma imagem de Épinal de não-violência que com o tempo se edulcora. Em Larzac, nos anos 1970, havia ações “duras” contra o projeto de expandir o campo militar: destruição de escrituras de venda, bloqueio de comboios militares. Mas, ao mesmo tempo, havia assembléias, marchas, a recusa a pagar impostos e cumprir o serviço militar. Sempre o feminino/masculino.
Recentemente, reli livros sobre Gandhi. Quando ele lançou o boicote dos tecidos ingleses, uma imagem correu mundo na qual o vemos fiar seu algodão. Mas, ao mesmo tempo, seus partidários quebraram todos os depósitos de tecidos detidos pelos ingleses. Porque Gandhi queria bloquear a máquina econômica britânica, ele queria fazer a Grã-Bretanha perder dinheiro para instaurar uma verdadeira relação de força. A mesma coisa aconteceu com os depósitos de sal; houve inclusive - e esse fato é pouco conhecido mas verdadeiro - descarrilamentos de trens de mercadorias.
Qual é, para você, a linha vermelha que não deve ser ultrapassada?
Primeiro, a integridade da pessoa em questão. Segundo, que haja sempre uma porta de negociação possível. Para não se meter numa situação em que haverá um perdedor e um vencedor absoluto. Podes ser muito radical em relação a um objetivo preciso, mas sem colocar o outro num impasse. Eu vejo, por outro lado, que a sociedade francesa tem cada vez mais uma relação paradoxal com o confronto social. Por um lado, os grandes meios de comunicação comparam uma greve dos transportes a “uma tomada de reféns”. E, por outro lado, quando beijo a Nathalie Kosciusko-Morizet, a secretária de Estado para a Ecologia, todo o UMP cai em cima dizendo que não se abraça um adversário político! Contudo, é verdade: nós nos estimamos, nos abraçamos e nos tratamos por tu.
Não há o risco, nalgum dia, de que o debate tão apaixonado sobre os OGM na França caia num enfrentamento violento entre “prós” e “contras”?
Sim, é um risco para o qual é preciso estar atento. Nós temos adversários poderosos: os produtores de sementes, a FNSEA (Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores), o maior sindicato agrícola, e a AGPM, a Associação Geral dos Produtores de Milho. Mas é nossa responsabilidade evitar uma situação onde isso se cristalize, como o que aconteceu neste verão em Verdun-sur-Garonne, quando os policiais estavam lá para separar os dois lados. Não é preciso se negar que estamos comprometidos com uma luta econômica em que estão em jogo interesses financeiros colossais. A relação de força é inevitável, mas não é necessário que degenere.
O que seria uma boa lei sobre os transgênicos?
Seria uma lei não ao estilo de Pôncio Pilatos que coloca frente a frente e no mesmo nível aqueles que querem se preservar dos OGMs e aqueles que querem o seu plantio. Uma boa lei, ao contrário, deve proteger o espaço público – o consumo, a agricultura biológica, os territórios – dos OGMs. Esses são os compromissos que foram tomados em Grenelle sobre o meio ambiente e que nós apoiamos.
Você faz uma distinção entre a cultura dos OGMs na lavoura e a pesquisa sobre OGM?
Exatamente. É uma questão sobre a qual nós avançamos. A transgenia é um instrumento técnico para a pesquisa, como o martelo é para o pedreiro. Ninguém hoje diz que é preciso proibir esta pesquisa em laboratórios. O que nós questionamos é que este instrumento – a transgenia – se torna um fim, especialmente pelo lado das patentes, que é o caso dos Estados Unidos. A pesquisa em meio restrito não é um problema para mim, mas é quando se transforma o campo do agricultor em mesas de laboratório que eu me insurjo.
Seu pai, pesquisador no Inra [Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica], disse em 2001 que “as plantas transgênicas não são o mal absoluto e que elas não devem ser condenadas como tal em bloco”. É este debate familiar que você fez evoluir?
Com meu pai, os meios de comunicação construíram muitos fantasmas. Esquecem de assinalar que ele sempre veio me apoiar em meus processos. A verdade é que nós sempre trabalhamos em conjunto, mesmo com pontos de vista diferentes, sobre o tipo de agricultura a promover. E mesmo que já esteja aposentado há muito tempo, ele continua trabalhando sobre as doenças das árvores frutíferas e dos cítricos. Assim, depois da ceia do último Natal, ele me informou que acabava de descobrir que não havia doenças de vírus no Vietnã porque as laranjeiras eram plantadas junto com outras espécies de árvores. E ele quer importar este método num projeto de plantações de laranjeiras com ONGs no Nepal! Você vê que temos cada vez mais convergências entre nós.
O que você responde àqueles que o acusam de ser “contra o progresso”?
Isso me remete às minhas leituras da adolescência e de estudante, quando lia Jacques Ellul, um teólogo protestante. No centro de todas as suas reflexões havia esta pergunta: como o homem pode guardar sua liberdade diante da ação das técnicas? E penso, como ele, que é preciso se perguntar pelo que se chama de progresso, esse positivismo obrigatório. Será que estamos melhor quando sabemos que o planeta está à beira de uma explosão? A tomada de consciência ecológica nos fez ver que se todo o mundo vivesse e consumisse como os europeus, ou, pior, como os americanos, seriam precisos quatro planetas! O crescimento indefinido num mundo finito, em que se esgotam os recursos naturais, não é mais possível. E o debate sobre os OGMs é uma ilustração: não é porque é possível fazê-lo que se deve realmente fazer.

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