24 outubro, 2025

STF tem cor e gênero: são 134 anos de homens brancos no poder

O que segue a baixo, é newsletter, recebido em meu e-mail, do "Brasil de Fato (24/10/2025)

STF tem cor e gênero: são 134 anos de homens brancos no poder

Dos 18.265 magistrados que atuam no Poder Judiciário brasileiro, cerca de 2.260 são pardos e 328 são pretos. Se nosso Judiciário é majoritariamente branco, como podemos esperar avanços na luta antirracista, na justiça racial e na reparação de mais de três séculos de escravidão?

Produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o relatório “Justiça em Números 2024” aponta que as pessoas negras são sub-representadas nos espaços da magistratura no país, apesar de serem maioria da população. Os dados evidenciam que o número de negros no Poder Judiciário é de 14,3%, sendo 12,4% de pardos e somente 1,8% de pretos.

Esses dados alarmantes deveriam ajudar a nortear a escolha de um sucessor para a vaga do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Com a antecipação de sua aposentadoria, retoma-se a disputa política pela próxima indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre os cotados estão o advogado-geral da União, Jorge Messias, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco — todos homens brancos.

Criado em 1891, o STF nunca teve uma mulher negra como ministra e apenas três homens negros ocuparam a Corte, sendo o último Joaquim Barbosa, aposentado em 2014. Mesmo a presença de mulheres brancas é ínfima: desde a aposentadoria de Rosa Weber, a única ministra é Cármen Lúcia. Segundo os movimentos populares, essa falta de representatividade evidencia a “baixa intensidade da democracia brasileira”.

Em entrevista ao Conexão BdF, jornal diário da Rádio Brasil de Fato, a jurista Amanda Vitorino afirmou que a saída de Barroso oferece uma oportunidade para corrigir desigualdades na composição da Corte. “É o momento histórico perfeito para conseguirmos indicar uma mulher negra no STF. Lula tem a possibilidade de trazer um legado, um marco na história”, reforçou.

Novo nome, velha democracia racial

Contrariando a reivindicação dos movimentos, Lula parece já ter seu favorito e, em termos de representatividade, a velha política deve se repetir. Messias é o grande esperado para assumir a vaga de Barroso.

Mas será que o Brasil precisa de mais um ministro branco no STF, ou de uma guinada democrática e representativa? O Fórum Justiça, a plataforma Justa e a Themis – Gênero e Justiça formalizaram a reivindicação por uma mulher negra na Corte, por ser uma “janela única” para corrigir a “constrangedora e histórica desigualdade” que marca a composição do Supremo.

Em nota pública, as organizações apresentaram uma lista com sete mulheres, parte delas negras, de perfil técnico e trajetória consolidada, ressaltando que não há escassez de nomes qualificados.

Com a saída do ministro Ricardo Lewandowski da Corte em 2023, o movimento Mulher Negra no STF ganhou força. Apesar da mobilização, Lula indicou Cristiano Zanin para a vaga. Dois anos depois, a história parece se repetir e os esforços para subverter o legado da escravidão serem, mais uma vez, escanteados.

Esperamos 122 anos da nossa República para ver uma mulher — branca — assumir a presidência do país. Já são 134 anos aguardando uma mulher negra sentar-se à cadeira da maior Corte do Brasil. Lula, que batalhou pela posse de Dilma em 2011, vai descartar facilmente a chance de dar um novo e grande passo no país?

Se o petista escolhe fechar os olhos para a possibilidade de ter uma jurista comprometida com a justiça racial no STF, o Brasil de Fato redobra seu compromisso com a luta antirracista, a democracia e a reparação. Quanto mais gente, mais forte é a nossa contracorrente.

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Marcela Reis
Supervisora de conteúdo de redes sociais

Movendo as peças

O que segue a baixo, é newsletter, recebido em meu e-mail, do "Brasil de Fato (24/10/2025)

Movendo as peças

Olá, o governo busca consolidar suas posições de olho em 2026, enquanto a direita continua em busca de um candidato.

.Quase tudo em seu lugar. Lula partiu para o encontro com Donald Trump com a expectativa que a química corroa o tarifaço, mas também aproveitou a estadia na Ásia para marcar posição contra o monopólio do dólar. A tranquilidade se deve à rara ocasião de quem deixou as reformas bem encaminhadas em casa. Depois de um longo chá de cadeira, Guilherme Boulos foi nomeado ministro da Secretaria-Geral da Presidência, sinalizando uma inclinação mais à esquerda do governo e mais proximidade com os movimentos populares, além da possibilidade de que pautas como o fim da escala 6x 1 e a regulação dos trabalhadores de aplicativos avancem. Para a classe média, o governo já apresentou um pacote de sete medidas, principalmente de crédito e financiamento imobiliário, incluindo R$40 bilhões para reformas habitacionais, que também contemplam as classes mais baixas, o que deve ajudar a manter o patamar da aprovação do governo em elevação. O Planalto anunciou ainda investimentos para as guardas municipais e um projeto que agrava a pena para organizações criminosas, tentando romper a resistência de governadores e abrir caminho para a PEC da Segurança, mas também tratando de um tema que é caro para a mesma classe média. E, nos bastidores, segue a limpa dos cargos dos infiéis do centrão. O suficiente para o PP, discretamente, recuar, deixar André Fufuca no Ministério do Esporte e até pedir mais cargos no segundo escalão. Entusiasmado, Lula voltou até a criticar os patamares da taxa Selic. É verdade que nem tudo foi resolvido antes da viagem para a Ásia. O maior imbróglio do governo continua sendo o orçamento de 2026, que segue parado no Congresso, tanto pela ação da oposição que não quer o governo com um caixa forte em ano eleitoral, quanto pelo atraso na compensação da MP do IOF, que esbarra na resistência da Faria Lima e do centrão. Para viabilizar uma saída, o governo pretende bater de frente com outro lobby poderoso, o das Bets. Outro problema que fica para a volta é a nomeação do novo ministro do STF. Apesar de tudo indicar que o escolhido será Jorge Messias, o Planalto ainda precisará convencer o preterido Rodrigo Pacheco a ser o palanque mineiro de Lula nas eleições e mitigar as frustrações de seu cabo eleitoral, Davi Alcolumbre. Por isso também a urgência na exploração de petróleo na Margem Equatorial, nas águas profundas do Amapá, às vésperas da COP 30.

.A COP no divã. Autossabotagem é a melhor palavra para descrever a decisão do Ibama de autorizar a exploração de petróleo na foz do Amazonas a apenas duas semanas da COP 30. Mesmo com o malabarismo verbal da “transição energética justa”, é cada vez mais forte a percepção de que os interesses das petroleiras e a agenda ambiental são incompatíveis. Na verdade, o olho do governo cresceu depois que Guiana e Suriname começaram explorar o potencial energético da região há alguns anos. Desde então, estabeleceu-se o embate entre Petrobrás, Ministério de Minas e Energia e Casa Civil, de um lado, e o Ministério do Meio Ambiente, de outro. No meio, sempre esteve o Ibama. Marina Silva acabou isolada no pior emprego do mundo dentro do governo. Lula nunca escondeu sua vontade de levar adiante o projeto, mas manteve uma uma pressão moderada para não esvaziar completamente os compromissos ambientais do Brasil na opinião pública internacional. Mas, além de Lula e Alcolumbre, o sonho de um “emirado amazônico” seduz também as oligarquias regionais do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte de olho nos royalties. Aliás, tudo isso num contexto de crescente presença dos Estados Unidos na região e cada vez mais agressiva. A perspectiva é que a nova área ainda a ser prospectada, que fica a 500 quilômetros da foz do Amazonas e a 175 quilômetros da costa do Amapá, guarde a maior reserva de petróleo do país. Porém, a autorização do Ibama ainda pode sofrer revezes. O Ministério Público Federal no Amapá já havia acionado a Justiça Federal para a realização de um novo simulado de emergências antes que a autorização fosse concedida. Afinal, trata-se de um santuário ecológico ainda pouco estudado e que pode ser ameaçado por qualquer vazamento de óleo. Como era de se esperar, o tema agrava a crise que perpassa a COP 30 desde seu início. Deve consolidar-se um clima de divisão entre a COP oficial, amiga das petroleiras e do agronegócio, e a COP do povo, organizada paralelamente pelos movimentos populares, em defesa dos povos da floresta, do campo e dos afetados pelas mudanças climáticas.

.Estamos contratando. As contradições do governo na área ambiental só não são maiores que as da direita quando o assunto é a sucessão de Bolsonaro nas urnas. A começar pelas infindáveis páginas policiais que envolvem a família e os amigos. Depois da condenação do núcleo crucial do golpe pelo STF, que em breve deve ser executada, o grupo responsável por disseminar fake news e desacreditar as urnas eletrônicas também foi condenado. E o Supremo ainda solicitou à PGR a retomada das investigações sobre a participação de Valdemar da Costa Neto na trama golpista. Sem falar do avanço no processo de extradição de Carla Zambelli da Itália para o Brasil, onde aguarda para cumprir pena pela invasão do sistema do CNJ. Assim, a direita continua órfã de alternativas eleitorais. Trocando em miúdos, como lembra Thomas Traumann, ninguém ainda foi capaz de operacionalizar a delicada manobra de capturar os votos de Bolsonaro sem parecer bolsonarista demais, especialmente Tarcísio de Freitas, que abraçou-se à anistia no momento errado. É claro que o demérito não foi só de Tarcísio. Contou também o veto de Eduardo Bolsonaro a qualquer diálogo com o centrão e, no final, restou para o bananinha salvar o próprio mandato. Outro eterno candidato a presidente, Ciro Gomes, voltou às origens tucanas numa nova virada à direita, mas deixou de ser qualquer alternativa nacional e deve se concentrar nas disputas regionais do Ceará, onde talvez seja candidato ao governo. Na verdade, o mais animado candidato a herdeiro do bolsonarismo seria Luiz Fux se ele não fosse ministro do STF. Depois de condenar o delator e inocentar os delatados no julgamento do núcleo golpista, Fux tentou sem sucesso atrasar o acórdão da condenação. Agora, isolado dos colegas, Fux foi literalmente procurar a sua turma ao lado de André Mendonça e Nunes Marques, onde vai fortalecer a ala bolsonarista na Segunda Turma do Supremo e pode entrar em confronto com Gilmar Mendes, Edson Fachin e Dias Toffoli. Lá, ele também terá condições mais favoráveis para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, matéria da qual é relator.


.Ponto Final: nossas recomendações.

.A revanche da financeirização: por que a desigualdade resiste no Brasil. No Terapia Política, Maria Luiza Falcão Silva explica porque as pautas igualitárias não avançam no Brasil.

.Como Brasil se tornou 5º maior mercado de bets no mundo. A BBC conta como nos tornamos o paraíso do golpe financeiro.

.Na sala de aula com minha nova aluna, a IA. O relato de uma docente sobre a invasão da tecnologia na sala de aula. No Intercept.

.Há 50 anos, Vlado foi morto pela ditadura. Mas as lições do professor continuam. O Jornal da USP lembra a saga de Vladimir Herzog meio século depois de sua morte.

.Os 10 anos da morte de um torturador. O major Carlos Alberto Brilhante Ustra é o retrato da impunidade dos crimes da ditadura. No Construir Resistência.

.O que urnas funerárias descobertas na Amazônia revelam sobre os antigos habitantes da maior floresta do mundo. Na BBC, veja a incrível história de uma descoberta arqueológica brasileira.

.EUA: Decadência e fim da imaginação. Enquanto a China projeta um futuro para a humanidade, resta ao imaginário norte-americano decadência e distopia. Por Estevam Dedalus no Outras Palavras.

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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.