Fogo, dinheiro e traição
Olá, o título é de novela mexicana, mas é apenas a tragédia da política brasileira.
.Não era amor. Todo mundo sabe que o casamento entre o governo e o centrão era movido por interesses. No caso do PL Anti Facção, o presidente da Câmara, Hugo Motta, se mostrou disposto a ceder às investidas da direita. Num gesto de traição ao Planalto, Motta entregou a relatoria para Guilherme Derrite (PP-SP) que, em poucos dias, fez circular seis versões diferentes do projeto, causando confusão e desconfiança na capacidade do Estado de enfrentar seriamente o crime organizado, e desagradando tanto o governo quanto parte da oposição. Aliás, a atuação sofrível de Derrite prova que a
direita sabe menos de política de segurança pública do que diz por aí. Se, por um lado, o enquadramento como terrorismo foi enterrado por pressão do Planalto, por outro, foi criada uma
parafernália conceitual nova, a “organização criminosa ultraviolenta”, substituindo o consolidado termo “facção criminosa”. Mas, o que é pior, mesmo depois de muita pressão da base governista, a Polícia Federal saiu enfraquecida. O único ponto consensual parece ter sido o aumento das penas a membros de facções. Trocando em miúdos, o Planalto saiu derrotado, mas, depois de tanta bagunça,
Hugo Motta tampouco pode se considerar vencedor. O presidente da Câmara ainda
conseguiu criar um atrito com o STF, ao conceder autorização e suporte técnico para que o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) votasse desde o exterior, apesar do Supremo ter proibido sua saída do país. Na prática, a Câmara foi usada como palanque para a oposição bater no governo e as principais digitais são dos governadores Tarcísio de Freitas (PL-SP), Ronaldo Caiado (União-GO) e Cláudio Castro (PL-RJ). Em compensação,
o trabalho sério ficará, mais uma vez, a cargo do Senado, onde o governo contará com Alessandro Vieira (MDB-SE) como relator e Randolfe Rodrigues (PT-AP) na articulação política para corrigir o PL Anti Facção. O problema é que desta vez, provavelmente o governo não poderá contar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre,
magoado com a indicação de Jorge Messias à vaga de ministro do Supremo em lugar de Rodrigo Pacheco, preferido de Alcolumbre.
.Facção Centrão. O Banco Master não é apenas
a maior intervenção da história do sistema financeiro nacional - o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) poderá arcar com um valor três vezes maior do que a quebra do Bamerindus - mas o fio de um complexo novelo que vai
desde o PCC até figuras influentes da política, especialmente no centrão. Segundo as investigações da Polícia Federal, várias das operações fantasmas do banco, usadas para maquiar o caixa, foram feitas com instituições financeiras públicas ou fundos de pensão por
pressão de políticos influentes. As investigações continuam e as operações da PF devem ter mais uma fase, mas a lista dos políticos que devem estar insones têm nomes bastante óbvios. Começando por Ciro Nogueira, todo poderoso do PP e do centrão, que se envolveu diretamente na fracassada tentativa de forçar a compra do Master pelo BRB. Nogueira também tentou apresentar um projeto que ampliava a cobertura do FGC, beneficiando diretamente o banco, tanto que era conhecida no Senado como “
emenda Master”. Obviamente, o governador do Distrito Federal e pré-candidato a senador, Ibaneis Rocha (MDB), que comandou a operação indefensável de fazer um banco público comprar uma instituição suspeita e sem liquidez. Ainda o Governador do Rio,
Cláudio Castro, que colocou quase R$1 bilhão do Rio Previdência no banco. E, por fim, o deputado Claudio Cajado (PP), também relator da PEC da Bandidagem, que pediu publicamente a cabeça dos diretores do BC que impediram a compra mafiosa. Mas a lista dos amigos de Daniel Vorcaro, presidente preso do Master, é mais longa e inclui
Antônio Rueda, presidente do União Brasil; Hugo Motta, que convidou Vorcaro para a festa de comemoração de sua eleição à presidência da Câmara; o deputado federal Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esteve no seleto e ostentador camarote do Master na Sapucaí. As relações se espalham pelo poder Judiciário e inclui até mesmo
figuras do PT baiano. Por isso, é improvável que vá adiante o pedido de
uma CPI protocolado por PSOL, PSB e PT, mas apenas a continuidade das investigações da PF e a possibilidade de uma
delação premiada de Vorcaro já são suficientes para deixar Brasília em estado de alerta permanente.
.Churrasco da floresta. Na reta final da COP 30, o governo brasileiro não esperava que a melhor notícia do período viesse de Donald Trump, com a retirada da
tarifa extra de 40% que incidia sobre produtos brasileiros. Mas, em se tratando de Trump, o Brasil pisa em ovos, especialmente num cenário em que a tensão escala na Venezuela, enquanto
a extrema-direita trumpista vai galgando mais espaço nos países vizinhos, como na recente eleição no Chile. Quanto à COP, sem contar o fracasso simbólico que veio com um incêndio, ela chega ao fim
sem entregar nada muito concreto além de
recomendações e procedimentos e, principalmente,
recusando o mapa de abandono dos combustíveis fósseis, numa prova de que os governos não estão a fim de discutir a catástrofe climática. Mas, como balcão de negócios, ela foi um sucesso. Que o diga o agronegócio, que comemorou com um grande churrasco, incluindo
um fazendeiro conhecido pelos conflitos agrários na região e por ameaçar jornalistas e a missionária Dorothy Stang. Aliás, o clima estava tão bom para a turma dos ruralistas que o Ministério da Agricultura nem se incomodou em anunciar, em plena COP, a
liberação de 30 novos agrotóxicos, incluindo substâncias proibidas na União Europeia. Por outro lado, essa foi também
a COP da Cúpula dos Povos, com a mobilização de milhares de pessoas e organizações em paralelo à COP oficial e com manifestações que arrancaram, pelo menos,
a demarcação de duas terras para o povo Munduruku depois da mobilização dos indígenas.
.Ponto Final: nossas recomendações.
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’Uma dor insuportável’. O Intercept denuncia a impunidade no caso do assassinato do indigenista da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, em 2019.
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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.