26 abril, 2019

Rosemberg Cariry: A triste noite


"Depois das lágrimas, os nossos olhos estavam mais límpidos e tudo ganhou uma insuportável transparência, nos adveio uma dolorosa lucidez. Sim, este é o País em que vivemos, em seu feitio mais brutal, violento, racista e autoritário. Sim, muitos colaboraram com a ascensão do fascismo, mas não todos. Como pode parte do povo brasileiro marchar de forma tão cega para o matadouro, arrastando consigo a outra parte? Como pode, de forma tão servil, renegar a liberdade?  Agora, em vez de diálogos, mais repressão. Em vez de livros, mais armas. Em vez de escolas e universidades, mais presídios. Em vez de florestas, mais risco de sua destruição. Em vez de justiça social, mais favorecimento dos ricos.  "  

Rosemberg Cariry*

Fonte da foto Googlo Imagem

Sim, choramos, porque os nossos olhos não acreditavam no que viam e os nossos corações não podiam aceitar sem dor tamanha tragédia. Cercado por um aparato militar, o líder racista, da extrema direita, violento e cheio de ódio, falava em nome de Deus, da família e da pátria, sob os aplausos dos fiéis seguidores.

Depois das lágrimas, os nossos olhos estavam mais límpidos e tudo ganhou uma insuportável transparência, nos adveio uma dolorosa lucidez. Sim, este é o País em que vivemos, em seu feitio mais brutal, violento, racista e autoritário. Sim, muitos colaboraram com a ascensão do fascismo, mas não todos. Como pode parte do povo brasileiro marchar de forma tão cega para o matadouro, arrastando consigo a outra parte? Como pode, de forma tão servil, renegar a liberdade? Agora, em vez de diálogos, mais repressão. Em vez de livros, mais armas. Em vez de escolas e universidades, mais presídios. Em vez de florestas, mais risco de sua destruição. Em vez de justiça social, mais favorecimento dos ricos. O grande capital está em festa, abertas foram as porteiras da grande colônia Brasil para o saque final. Aleluia, aleluia, gritam os neopentecostais, guiados por seus pastores em transe. Agora são livres para massacrar gays, atacar terreiros de umbanda, acabar com os índios hereges e tomar as suas terras. Em nome do Senhor, vão querer decretar o fim do livre pensar e do livre arbítrio. Tentarão impedir o nosso sonho, vigiando o nosso sono, mas o sono acabou.

Quando os homens maus falam em nome de Deus e das armas, a vida corre perigo. Sob o guarda-chuva da força e do arbítrio se abrigam os covardes. De tudo isso sabemos, mas também sabemos que, daqueles que resistem, virá a flor e a canção de liberdade.

Parafraseando Sartre, afirmo que, mais do que nunca, é preciso compreender que somos livres para escolher de qual lado estamos. Mais do que nunca se faz necessária a poesia e a arte. Entre ruínas e escombros, não nos deve faltar a coragem de lutar e recomeçar. Mas, por precaução, amigo, põe em dia o teu passaporte, consulta os mapas e refaz as trilhas.

(Para Chico Buarque - a canção que resiste).

*Rosemberg Cariry é cineasta e escritor.  


Fonte: Portal Vermelho  


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