No dia 24 de setembro, no meio da aldeia onde viveu 60 anos, Geneviève Boyé, partiu para a Casa do Pai. Chegou francesa, adquiriu cidadania brasileira, mas, por opção evangélica tornou-se índiaTapirapé. Seguiu a orientação da Irz Madalena quando deixou as três companheiras, em 1952, no Mato Grosso. "Explico às Irmãzinhas o meu pensamento que é muito simples: elas se farão Tapirapé para, daqui, irem aos outros e amá-los... Mas serão sempre Tapirapé".
Veva era muidinha, humilde, de aparência frágil, porém, capaz de transmitir a vitalidade e a coragem de quem descobriu que viver o Evangelho numa aldeia significa "ser índia com os índios". Ninguém como ela conheceu as dificuldades que teve que enfrentar o povo Tapirapé para conseguir sobreviver e preservar sua cultura.
Em 1995, quando era assessor do Setor Vocações e Ministérios, acolhi a Irz Veva na sede da CNBB, em Brasília. Acompanhei-a às embaixadas da França e da Espanha. Ela precisava preparar a documentação para viajar a estes países. As Irmãzinhas e os Tapirapé havia recebido o prêmio Bartolomé de las Casas, oferecido pelo rei da Espanha. Tal condecoração é dada à pessoas ou instituições que ajudam minorias em extinção a garantir sua sobrevivência. Disse-me que o único motivo que as levou a aceitar tal distinção foi a "possibilidade de receber ajuda econômica para continuar a luta pela demarcação da terra dos índios e tornar conhecido o povo Tapirapé".
Recordo que precisou de um par de sapatos para comparecer diante do rei. Habituada a caminhar de pé no chão, fez alguns calos para ajeitar-se aos sapatos. Naqueles dias eu tinha um compromisso com algumas irmãs e convidei a Veva para que desse um testemunho de sua missão. Ficou escandalizada quando uma das imãs lhe perguntou se os índios ainda eram antropófagos.
Ele viajou à Europa acompanhada por dois caciques. No regresso descreveu-me as rações deles diante das novidades do velho Continente. Admirados com o que viam diziam-lhe: "Veva, você deixou tudo isto pra viver quase sem nada junto conosco?!
Herdeira autêntica do carisma de Charles de Foucuald, Veva testemunhou o Evangelho inculturado através da inserção radical, do profundo repeito pelo diferente, do permanente diálogo intercultural e interreligioso. Sem impor nada, soube caminhar de mãos dadas e integrar a boa nova da cultura Tapirapé com a Boa Nova de Jesus. Deste modo, as Irmãzinhas tornaram-se as "parteiras do CIMI", novo jeito de ser presença cristã missionária no meio dos povos Indígenas.
Gostaria que você pudesse ler o belíssimo livro "Renascer do Povo Tapirapé - Diário das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucuald", Editora Salesiana, São Paulo, 2002 (vendaslivros@editorasalesina. com.br). Não resisto a tentação de transcrever o prefacio de Dom Pedro Casaldáliga.
"Eu sou testemunha
Este Diário das Irmãzinhas de Jesus, O renascer do povo Tapirapé, é uma página matriz da nova evangelização no meio dos povos indígenas. Uma pequena jóia de antropologia vivida e de missão inculturada. No respeito, na gratuidade,na acolhida. Na procura, na surpresa, na fé.
Diante de um mundo colonialista e de uma tradição pastoral mais ou menos compulsória, elas, as "Irmãzinhas azuis", como dizia Darcy Ribeiro, aprenderam e ensinaram a ver e acolher o outro, como outro e como igual.
O dia-a-dia, o detalhe, a delicada atitude e toda uma vida dada evangelicamente a esse povo, que elas, em grande parte elas - as Irmãzinhas de Jesus -, ajudaram a salvar da extinção.
Para minha conscientização e para minha pastoral, tive a sorte de viver o primeiro contato com os povos indígenas à sombra luminosa das Irmãzinhas de Jesus no povo Tapirapé.
A veterana Genoveva, nossa Veva, tão singelamente heróica, continua aí e aí estava bem antes da minha chegada. Aí estava a saudosa Mayie Batista, falecida há pouco.
E neste ano de 2002, precisamente, as Irmãzinhas de Jesus e nós todos/todas, com elas, celebramos seus cinquenta anos de presença junto ao povo Tapirapé. Seus cinquenta anos de presença em Nossa América.
Logo no início desta nova "missão", que seria depois a Prelazia de São Felix do Araguaia, eu senti como um detalhe amoroso da Providência a presença aqui de uma Fraternidade das Irmãzinhas. O irmão Carlos de Foucuald já vinha marcando minha vida. O que eu não conhecia ainda era essa contribuição pioneira das Irmãzinhas à nova pastoral indigenista, que apenas despontava.
Este Diário, tão simples como veraz, dá fé de uma verdadeira alvorada de missão nova, feita de amizade, de partilha, de testemunho. Ser e estar ali mesmo é mais do que fazer.
Em boa parte, pela aventura evangélica cujos primórdios este Diário recolhe, nada seria igual na pastoral indigenista. Há sementes escondidas que revolucionam toda uma colheita...
Pedro Casaldáliga
Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT)
Encontrei a Veva pela última vez no Congresso que celebrou os 40 anos do CIMI, em Brasília, de 20 a 23 de novembro do ano passado.Cansada, magrinha, encurvada, mas muito lúcida, sempre alegre e com os olhos brilhando de felicidade.
Estou chorando sua despedida. O consolo me vem da certeza de que os povos indígenas do Rio Negro e de toda a Pátria Grande ganharam uma carinhosa intercessora na definitiva Terra sem males.
Em comunhão de preces, abraço você com afeto de irmão menor no amor de Jesus
+ edson damian
pobre bispo do povo do mato
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