Dom Palmer-Buckle, foi escolhido pelos bispos de Gana para
ser um dos participantes do Sínodo dos bispos, programado para os dias 4 a 25
de outubro no Vaticano. O Papa Francisco confirmou sua eleição no fim de
janeiro.
Dom Palmer-Buckle também atua como bispo responsável pela
família na Conferência dos Bispos de Gana e coo tesoureiro deo Simpósio das
Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM), organização de todos os
bispos católicos do continente africano.
A entrevista com o arcebispo Palmer-Buckle aconteceu no dia
5 de fevereiro, após uma reunião do Comitê Permanente do SECAM em Roma.
A reportagem é de Diane Montagna, publicada no sítio
Aleteia, 25/02/2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Sua Excelência, o que é importante para a África no Sínodo?
O que é importante para a África é que a Igreja seja clara sobre a
doutrina antiga e moderna da Igreja sobre o casamento, ou seja, que o casamento
é uma união entre um homem e uma mulher.
O que estamos realmente
esperando ouvir é a posição clara da Igreja em relação ao que é e continua
sendo a doutrina sobre o sagrado matrimônio: a união entre homem e mulher, um
homem e uma mulher, para se ajudarem mutuamente e para a procriação. Isso é o que
estamos esperando ouvir, porque há muitas vozes conflitantes, não
necessariamente da Igreja - mas, infelizmente, do mundo ocidental - que estão
tentando abafar a voz de Deus, a voz da Igreja. Essa é a primeira coisa.
Na África, muitas
pessoas, previamente, estavam envolvidas em casamentos polígamos. Mas, para o
nosso povo, o casamento sempre foi entre macho e fêmea, entre homem e mulher.
Inclusive entre um homem e várias mulheres, ou, em casos raros, mesmo entre uma
mulher e vários homens. Mas, já que o Cristianismo não aceita isso, a maioria
de nosso povo tem tentado muito duramente viver de acordo com os preceitos de
Jesus Cristo.
Em Mateus 19, 1-6, Jesus
diz que "o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e serão
os dois uma só carne ... Então, o que Deus uniu o homem não separe". Isso
é o que nós estamos esperando ouvir, claramente enunciado pela Igreja.
O senhor tem alguma dúvida de que o ensinamento da Igreja sobre o
casamento não seja enunciado claramente no Sínodo em outubro?
Eu não tenho
absolutamente nenhuma dúvida em relação a isso. A minha preocupação é que
muitos gostam de tornar a "voz dos meios de comunicação" em "voz
da Igreja". É a Igreja que deve se pronunciar sobre isso.
O primeiro Sínodo
Extraordinário foi concebido para trazer à tona as questões relacionadas com o
casamento na era atual - para as pessoas de dentro da Igreja e para aquelas de
fora da Igreja - e perguntar quais deveriam ser as nossas preocupações
pastorais sobre o casamento: sobre as pessoas casadas, sobre as pessoas que se
casaram e deixaram a relação, sobre aqueles que voltaram a se casar, e até
mesmo pensar sobre as novas formas de uniões que estão sendo impostas sobre a
humanidade com o nome de casamento.
O Sínodo Extraordinário, na verdade, era só para dizer: este é o status
quaestionis [estado
da investigação]. O que a Igreja faz com isso? O que vamos fazer com isso? Como
vivemos neste tipo de mundo sem ser desse tipo de mundo? Como podemos viver
neste mundo e levar o ensino e a salvação de Cristo ao povo? Isso é o que
tratava o primeiro Sínodo Extraordinário.
O próprio Santo Padre elaborou uma síntese muito bonita. O
resumo dela é: ninguém deve impedir ninguém de dizer o que pensa sobre o estado
atual do casamento, família etc. Ninguém deve sufocar ninguém. Devemos ouvir
uns aos outros e devemos refletir sobre isso e tentar ver o que o Espírito
Santo vai nos dizer sobre como acompanhar as pessoas que se encontram em
qualquer forma de casamento em direção a Cristo. Essa é a preocupação principal
[do Papa Francisco]:
como vamos levar essas pessoas, sejam elas quem forem, em qualquer contexto em
que se encontrem, a Cristo. Eu acho que foi uma mensagem bonita.
O que o senhor quer dizer com "qualquer forma de
casamento"?
Tome como exemplo a África. Há
pessoas em relações poligâmicas, que estavam envolvidas nelas antes de se
tornarem cristãs. Sua família teve que fazer uma escolha: mandar embora uma
mulher ou duas mulheres com todos os seus filhos, sem ferir as crianças, sem
ferir as esposas. Por isso, é um problema.
Como faço para batizar
filhos de casamentos polígamos? O que eu vou ensiná-los? Se eu lhes disser:
"Seu pai deve deixar a sua mãe", isso não vai machucar a criança
emocionalmente, espiritualmente, até mesmo pelo resto de sua vida, a ponto de
que ela possa até decidir que a Igreja é má porque dilacerou a sua família?
Eu posso dizer com
certeza que existem casamentos polígamos, em que você vai se surpreender com a
harmonia entre o marido e as suas diferentes esposas, entre as diferentes
mulheres e entre os seus filhos. É incrível. Há muitos, muitos outros casos em
que há muita dor em curso entre as diferentes mulheres, entre as diversas
crianças, e isso deve ser trazido à tona. Como podemos ajudar todos os
envolvidos a olharem para Cristo e para o que Cristo os convida a fazer?
A carta aos Hebreus diz
para termos "o olhar fixo em Cristo" e nos empenharmos em direção a
ele. Então, como posso ajudá-los a manter Cristo em vista? E como faço para
acompanhá-los em qualquer circunstância em que se encontram?
Na África - este é o contexto com que estou
lidando - eu não vou fechar meus olhos para o fato de que há casos de
homossexuais, de pessoas com tendências homossexuais, de pessoas com tendências
lésbicas. A África sempre desaprovou isso, uma vez que
sempre olhou para o casamento como algo que contribui para o bem-estar da
sociedade, não necessariamente só para o bem-estar dos indivíduos.
Então, de certa forma,
podemos dizer que qualquer um que tem uma certa tendência não foi visto com
ternura. De fato, tem havido casos em que os seus direitos humanos foram
violados. A Igreja está nos pedindo para entender isso. Se a pessoa tem
tendências homossexuais ou tendências heterossexuais, a pessoa é criada à
imagem e semelhança de Deus, e essa imagem e semelhança de Deus é o que devemos
proteger. Isso é o que devemos defender. E é por isso que temos que ajudar essa
pessoa a ouvir o que Deus diz sobre o seu estado. E eu acho que essa é a beleza
do que a Igreja nos ensina.
Portanto, esse período entre o Sínodo Extraordinário e o Sínodo
Ordinário está nos proporcionando um tempo, enquanto analisamos os Lineamenta,
para ouvir, para orar e discernir. Quando nos encontrarmos em outubro, eu
acredito que nós estaremos indo para afirmar o que a Igreja sempre ensinou. Nós
não estamos indo para diluir o ensinamento. Mas isso vai ser declarado de uma
forma que não exclua, de modo algum, quem quer que seja da jornada e do caminho
para Cristo, que é o cumprimento da nossa perfeição.
No Ocidente, o lobby gay é muito forte e tem muito poder na mídia.
Muitas pessoas, portanto, estão preocupadas que, se a linguagem for muito
"solta", o Sínodo será uma ocasião em que alguns poderão usar essa
linguagem vaga para levar adiante ideias que são contrárias ao Evangelho. Por
exemplo, a palavra "accogliere" [acolher] foi uma palavra muito usada
durante o Sínodo Extraordinário em outubro passado. A palavra, em alguns casos,
foi sequestrada para fazer parecer como se a Igreja estivesse a caminho de
aprovar as relações homossexuais. O que os bispos precisam dizer em outubro
próximo, a fim de comunicar tanto para a África quanto para o Ocidente a
posição exata da Igreja?
Você sabe, se há algo que eu acho bonito sobre o Papa
Francisco é como
ele nos faz voltar à pergunta: como é que Cristo agiria nesta circunstância?
E eu creio que um dos aspectos mais profundos foi quando ele
estava voltando do Rio de Janeiro e foi entrevistado por jornalistas que
estavam interessados em saber o que o papa pensava sobre gays e
lésbicas e ele disse: "Se um gay está à procura de Cristo, quem sou eu
para julgar a pessoa?".
Acho que o papa tomou a
postura de Jesus Cristo. Por exemplo, diante da mulher que foi pega em
adultério, aqueles que estavam ali queriam apedrejá-la até a morte. E o que
Jesus disse? "Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra".
A Bíblia nos diz: "Eles foram embora, um por um". Agora, se você se
lembra da pergunta que Jesus fez para a mulher: "Mulher, alguém te
condenou?". Ela responde: "Ninguém". Ele diz: "Então, eu
também não te condeno. Vai e não peques mais".
A beleza disso é que
Jesus primeiro pensou que ele deveria salvar essa mulher, a sua dignidade dada
por Deus e o dom da vida que Deus lhe dera. Depois de lhe ter salvo e feito
compreender que Deus a ama, então ele diz a ela: agora vá e repare tudo o que
há entre você e Deus. Acho que isso é bonito.
Eu gostaria de dizer que
isso não acontece somente no caso da mulher pega em adultério, mas também na
forma como ele se relaciona com os leprosos. Quando o leproso vem e diz:
"Senhor, se quiseres, podes purificar-me", Jesus diz: "Sim, eu
quero". Ele toca o leproso e diz: "Fique purificado". Por que
Jesus tocou o leproso? Era contra a lei judaica tocar um leproso. Ele fez o
leproso entender que: "O fato de que você tem essa doença não significa
que você não é um filho de Deus. É também por sua causa que eu vim".
Eu gostaria de usar
outro exemplo, não só os negativos. Tomemos a mulher que foi ao encontro de
Jesus e estava chorando aos seus pés. Agora, o que é muito engraçado é que diz
que todo mundo sabia que ela era uma pecadora. Quanto ao tipo de pecado, não
nos é dito, mas eles a conheciam como uma pecadora.
As pessoas que
convidaram Jesus já estavam condenando a mulher em suas mentes, e ele diz:
"Simão, você vê esta mulher? Eu vim para a sua casa, e você nem sequer
lavou minha cabeça, e ela não parou de lavar os meus pés com suas lágrimas, e,
portanto, os seus muitos pecados, eu não sei quantos são, nem quais são, mas
eles estão perdoados, porque ela muito amou".
Então, veja, Jesus tem
uma bela maneira de confirmar em cada pessoa: "Você é um filho de Deus,
você é único, e eu amo você por quem você é, independentemente do que os outros
pensam de você ou do que você se tornou. No entanto, tenha Deus em vista, continue
andando".
Então, eu não culpo a
mídia. O mais provável é que temos feito as pessoas sofrerem por tanto tempo
apenas porque elas não são "como nós". Nós já as fizemos sofrer, as
discriminamos, as ostracizamos. Então, se hoje o lobby gay é muito grande, é porque
quase desumanizamos essas pessoas.
O senhor gostaria de explicar isso melhor?
O que o papa está
levantando é que não temos o direito de desumanizar ninguém, seja pela cor,
pelo credo ou pela orientação sexual. Nós devemos abraçar essas pessoas e, em
seguida, apontar, caminhar com elas para o que o papa acredita ser essa certa
voz interior que ninguém pode sufocar, que nem mesmo a mídia pode sufocar.
Aqueles que estão no
lobby gay, por uma razão ou outra, têm sido obrigados por nós, os chamados
"bons", até mesmo a sufocar uma certa voz interior que
definitivamente eu acho que os está advertindo de que algo não está 100% certo.
Temos contribuído para isso. Nós também estamos calando em nós mesmos a voz que
diz: "Todos são filhos de Deus, e devemos acolher a todos". Não temos
o direito de apedrejar ninguém, e não temos o direito de desprezar ninguém.
Devemos acolhê-los.
Alguns leitores estão se perguntando: O que se entende por
"acolher", se é o caso de um casal que se divorciou e casou novamente
civilmente ou algum outro caso? O cardeal Kasper propôs que, em alguns casos,
aqueles que estão divorciados e recasados civilmente - mas sem uma nulidade - deveriam ser autorizados a
receber a Sagrada Comunhão, depois de seguir um caminho de penitência. Essa é uma
maneira de acolher as pessoas. Outra maneira de acolher é dizer: "Sim,
venha à Igreja, faça parte da comunidade, mas há limites em termos de recepção
da Sagrada Comunhão". O que significa "acolher", na sua opinião?
Deixe-me usar um parâmetro muito diferente. Deixe-me usar a Europa.
Deixe-me usar os Estados Unidos.
O que está acontecendo agora, por exemplo, nos Estados Unidos,
é que o presidente Obama está dizendo que há muitas pessoas
vivendo ilegalmente nos EUA. Não
podemos mandá-las de volta para casa. Por isso, vamos achar um jeito de legalizar seu estado para que elas possam
contribuir dignamente para o bem do país. Há muitos norte-americanos que são
contra isso. Não é verdade?
Sim, muitos norte-americanos pensam que não é por isso que Obama
quer que as pessoas sejam legalizadas nos Estados Unidos. Eles enxergam como
uma tentativa de mudar o caráter do eleitorado.
Veja, tentar pensar por ele [Obama] é sempre o problema. Tudo o que ele disse
é: "Se você está nessa posição, como você gostaria que nós o tratássemos?".
Quando se trata dos refugiados em Lampedusa, olhe para a atitude
aqui na Europa. O que
eu acho é que o papa está tentando nos fazer analisar, especialmente no que diz
respeito às pessoas divorciadas e novamente casadas. Ele não disse
"sim" ou "não". Ele disse "pensem".
A Sagrada Comunhão é
remédio para os doentes. Não é uma recompensa para os perfeitos.
Mas, de acordo com a doutrina da Igreja Católica, seja qual for o
seu pecado, é preciso estar em um estado de graça, a fim de receber a Santa Eucaristia
(CCC 1415).
Eu tenho que admitir
que, ao longo dos séculos, nós fizemos uma linha muito dura nesse contexto. Eu
conheci um pastor protestante uma vez. Tivemos uma grande discussão. Ele disse
que, em Mateus 16, Jesus deu o poder das chaves para Pedro, dizendo: "Tudo
o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra
será desligado nos céus".
De acordo com esse meu
amigo pastor protestante, por causa disso, em algumas das Igrejas protestantes,
eles acreditam que Cristo deu-lhes o poder de desvincular aqueles que se
comprometeram em alguns casamentos que são irregulares, que são difíceis, que
são contraproducentes, e permitir-lhes ir adiante em outro contexto.
Então, veja, é uma
interpretação. Segundo a nossa interpretação, sim, a Igreja tem o poder das
chaves, mas não nesse contexto particular dos casamentos. Portanto, o casamento
deve passar por todo o processo e ser anulado antes de o casal estar autorizado
a ir mais além. Eu acho que nós vamos olhar para o que "o poder das
chaves" pode significar nesse contexto.
Como isso pode ser conciliado com as palavras do Senhor: "O
que Deus uniu, o homem não separe"?
Isso é verdade. O que
Deus uniu... Na verdade, não é "o homem não separe", mas "o que
Deus uniu, o homem não pode separar". Nenhum homem pode separar o que Deus
uniu, e isso é verdade. Mas, em seguida, o mesmo Jesus diz: "Tudo o que
ligares na terra será ligado no céu, tudo o que desligares na terra é desligado
no céu." Então, o que ele quis dizer com isso? São duas afirmações que se
contradizem?
Bem, Vossa Excelência, elas não podem se contradizer, porque foi o
Senhor que disse, e Ele é a Verdade.
Elas não podem se
contradizer, por isso vamos ter que descobrir por meio da oração o que fazer.
Eu acredito que cada instituição, como a Igreja, deve ter regras e
regulamentos. Mas as regras e regulamentos são ideais, pontos de chegada. Eles
são a perfeição a que aspiramos. No entanto, estamos caminhando e, quando
caímos, deveríamos ser capazes de levantar e de seguir em frente. E é por isso
que o papa nos pede: como podemos ajudar as pessoas, cujos casamentos estão em
ruínas, sem possibilidade de reparo, a tomar o remédio de que necessitam e a
continuar a andar?
Vamos mantê-las
perpetuamente se sentindo culpadas por si mesmas e pelas crianças que tiveram a
partir daí, e assim por diante? Vamos ajudá-las dessa maneira? Deus não é todo
misericórdia? É somente em Deus que a justiça e misericórdia se encontram e se
abraçam. Nós somos apenas seus instrumentos, então eu acredito fortemente que
devemos ser capazes de dizer: "Senhor, esta é a situação, mas nós a
elevamos a ti em sua grande misericórdia". Vai ser difícil, mas vamos ter
que fazer isso.
É ousado dizer o que
estou dizendo.
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