A população carcerária no Brasil
já ultrapassou as 600 mil pessoas. A cada dia, um preso é assassinado. Só em
2016, foram mais de 370 mortes violentas nesses estabelecimentos, segundo dados
dos governos estaduais. Nos últimos dias, no Amazonas e Roraima,
o país presenciou o maior massacre em unidades prisionais desde a Chacina do Carandiru, com mais de 100
mortos.
Entretanto, governos e meios de comunicação e a maioria da
população insistem em apontar como solução medidas que, aplicadas ao longo de
décadas, já se mostraram fracassadas: aumento das prisões, punições e a
violência promovida pelo Estado. Esse modelo, além do mais, atinge
seletivamente os mais pobres, negros e jovens de periferia, privados do devido
acesso à Justiça e da garantia de direitos fundamentais.
O Brasil de Fato, conversou,
ontem, dia 16, com o cientista social Robson Sávio, coordenador do Núcleo de
Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e associado pleno do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Eis a entrevista
O que se pode dizer sobre os presídios em funcionamento em Minas
Gerais atualmente? Qual a condição das pessoas que estão nesses presídios? Eles
são adequados à recuperação?
A população carcerária cresce absurdamente no Brasil. Entre 2005
e 2012, esse aumento foi de 74%, enquanto a população brasileira cresceu apenas
5,3% no mesmo período, segundo o IBGE. Em Minas Gerais, o
número de presos foi multiplicado por sete: cresceu 624% nesse período. Hoje, o
estado tem quase 70 mil presos, sendo que mais de 40% sequer tem uma sentença
definitiva (os chamados presos provisórios). A superlotação do sistema
prisional de Minas é da ordem de 111%. Ademais, temos problemas estruturais,
como a questão da qualificação dos agentes prisionais. Com exceção dos presos
que estão abrigados nas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, as Apacs, a situação do sistema tradicional
reproduz o caos do sistema prisional brasileiro. Nessas condições precárias,
com vínculos familiares e sociais rompidos, entregues às facções que comandam
as prisões, não há que se falar em “recuperação”. As taxas de reincidência
criminal no país chegam a 80% e Minas não foge à regra.
O primeiro presídio privado do país, gerido por Parceria
Público-Privada (PPP), está em Ribeirão das Neves (MG). O modelo foi anunciado
pelo governo tucano como forma de se promover a segurança, eficiência e uma
condição digna para os detentos. Justificativas semelhantes aparecem no PLS
513/2011, projeto de lei sobre a contratação PPP para construir e gerir
estabelecimentos penais. Como você vê esse modelo?
O presídio administrado por PPP em Neves tem a função de ser uma
espécie de fotografia bonita para justificar a sanha privatista que ronda o
sistema prisional mineiro e brasileiro. Nele, não há superlotação; os presos
são seletivamente escolhidos, porque têm que trabalhar. Há condições para o
exercício laboral, assistência médica, jurídica e social. Ora, se essas mesmas
condições, determinadas pela Lei de Execução Penal (e não cumpridas pelo
Estado), fossem implementadas nas prisões do sistema tradicional, não teríamos
esses locais transformados em quartéis-generais do crime organizado. Ademais,
os presos do presídio privado de Neves são monitorados por sistemas eletrônicos
dos mais modernos; tudo para controlar a unidade prisional e evitar fugas e
rebeliões. E o custo, muito mais alto que o sistema tradicional. Ou seja, o
estado investe muito no seu cartão-de-visita a justificar a privatização dos
presídios e deixa à míngua uma imensa quantidade de presos. Como temos uma
expansão da indústria do preso com o adensamento da massa carcerária - e muitos
homens de bens e empresas ganham com isso (inclusive com o caos e o descontrole
estatal do sistema) -, os presídios privados estão se transformando num novo
filão para o ganho de capitalistas que só pensam em dinheiro; nunca nas
pessoas. A carnificina de Manaus prova que prisões terceirizadas tendem a
complicar ainda mais a questão prisional.
Na última semana, Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de
Moraes, anunciaram medidas para amenizar a crise no sistema prisional. A
principal ação seria um gasto de mais de R$ 400 milhões para construir novos
presídios e aumentar a segurança dos que já existem. Qual a sua avaliação sobre
essas medidas?
Há uma máquina de aprisionamento no país. A sociedade, vingativa
e mal informada, acha que a prisão é o lenitivo para todos os crimes; o poder
judiciário (cujos juízes, promotores e advogados sequer conhecem a realidade
prisional) age seletivamente, entupindo as cadeias de usuários e
microtraficantes de drogas e ladrões de galinhas - que serão as presas fáceis
das organizações criminosas que comandam o sistema. Aliás, dos quatro países
com as maiores populações carcerárias do mundo, o Brasil é o único que desde
2008 aumentou seu número de presos. Este dado revela que existe uma clara
preferência do Judiciário brasileiro pelo encarceramento em massa e que os
juízes que prendem não se sentem responsáveis pela tragédia que é o nosso
sistema penitenciário". Por fim, o poder executivo colabora com essa
máquina do aprisionamento, seja através da ação seletiva das polícias (que
prendem muito e prendem mal) ou não tomando as medidas necessárias para uma
gestão e controle eficientes do sistema. Ora, construir mais prisões nessas
condições é colaborar com o adensamento das facções criminosas, com a indústria
do preso e da insegurança (que enriquece muitas pessoas e instituições) e não
resolve absolutamente em nada a situação atual nem futura.
Quando se discute o combate à criminalidade no Brasil, por que
tantas pessoas preferem vingança e punição e não a reeducação?
Temos uma cultura punitiva, que começa dentro de casa,
espraia-se nas relações interpessoais e sociais, passa pela educação formal e
ratifica a crença segundo a qual a punição é melhor que a prevenção, a
negociação, a mediação de conflitos, etc. Ademais, nosso modelo educacional não
educa para a solidariedade, responsabilidade, cidadania. É cada um por si e
Deus por todos. Nessas condições, com um sistema de justiça altamente seletivo,
polícias violentas e poderes públicos sem credibilidade, parece que a única
solução é tentar de todas as maneiras se dar bem e torcer para que a lei valha
somente para o outro que, quando erra, deve ser severamente punido. De uma
maneira geral, todos achamos que o outro é perigoso e que nós e os nossos somos
os bons. Acontece, que o outro também pensa assim sobre nós. Quem entra, então,
para o sistema de justiça criminal? Primeiro critério de entrada, a renda;
segundo, a etnia e terceiro o acesso à justiça. Assim, pobres, negros e jovens
da periferia sem advogados são as principais vítimas desse sistema. Quem tem
bons advogados, é branco, classe média, serve-se dessa legislação
propositalmente confusa e com inúmeros recursos e conseguirá, na maioria das
vezes, se livrar das armadilhas do sistema de punição e vingança social,
concretizado no sistema prisional.
Que alternativas podemos pensar ao atual sistema prisional?
São medidas de médio e longo prazo: separar os membros de
facções criminosas para evitar novos massacres; reformar nossas polícias e a
justiça; controlar as prisões; tirar os presos condenados das delegacias;
separar presos perigosos dos demais; ampliar as vagas no sistema prisional (não
com a criação de mais prisões, mas com a liberação de vagas ocupadas por presos
provisórios); estimular a participação da comunidade nos processos de
ressocialização; ampliar programas de prevenção ao uso de drogas, oferecendo
oportunidades a jovens em situação de vulnerabilidade fora das prisões e de
tratamento de dependentes dentro das prisões; criar programas de acompanhamento
e orientação para egressos; intensificar a aplicação das penas e medidas
alternativas, com fiscalização eficiente do poder público; oferecer
acompanhamento jurídico dos processos dos condenados; manter os condenados no
seu local de origem, visando ao não rompimento de vínculos familiares e
sociais; proporcionar a todos os presos com sentença definitiva a oferta de
trabalho e educação. A empreitada é grande, mas precisa ser enfrentada. O resto
é conversa para boi dormir.
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