"No seguimento de Jesus, que se deixou tocar pelo grito da mulher siro-fenícia, "escutar Deus onde a vida clama" é convocação do Espírito que sopra onde e como quer."
Jesus nas suas andanças pela sua terra natal, ele também fez uma coisa ainda mais difícil. Ele ultrapassou fronteiras humanas, fronteiras de raça, religião e preconceito.
A história de Cananéia, narrada no evangelho de hoje está cheia de detalhes que podemos refletir.
A região de Tiro
Tiro é uma cidade com ambição de domínio e com grande poder. Desde sua origem até o período romano, havia uma luta do povo fenício sobre as terras da Galileia. Tiro pode ser considerada uma cidade rica e economicamente estável. Mas, ao lado desta realidade, também há pobreza. O diálogo acontece entre os pagãos e os judeus.
Jesus anda em território pagão, perto de Tiro e Sidom. Nesse lugar é normal encontrar-se uma mulher "cananeia". Ela mora numa região de pagãos. Eles não são semitas, não são israelita nem seguem a religião judaica. Mas ela chama Jesus de "Filho de Davi", que é o título messiânico israelita por excelência. Podemos pensar que ela está tão profundamente angustiada que se humilha até invocar o Messias dos israelitas. "E partindo dali foi para a Região de Tiro…" (7,24a).
A mulher identificada é designada como Cananeia. Podemos pensar que ela esta tão profundamente angustiada que se humilha até invocar o Messias dos israelitas. Seu amor de mãe pela sua filha a leva a quebrar as possíveis fronteiras da sua tradição e das brigas dos povos na procura da saúde de sua filha.
A insistência da Mulher e as reações de Jesus e dos discípulos
Mateus descreve com muito mais detalhes o gradativo clamor da mulher e as diferentes reações de Jesus e dos discípulos. O grito da mulher pede a compaixão de Jesus reconhecido como Filho de Davi. Ao seu clamor que expressa a solidariedade entre mãe e filha, Jesus fica em silêncio e nada responde (Mt 15, 23). Será indiferença ou presença silenciosa e reflexiva? O silêncio também faz parte da aproximação para um verdadeiro encontro, quando as diferenças são muito grandes.
Os discípulos ficam bravos com a mulher. Querem afastar o grito porque ele incomoda: "Despede-a, porque vem gritando atrás de nós" (Mt 15,23). Eles querem que Jesus mande-a embora para que não os incomode mais. Jesus parece pensar em voz alta e Mateus coloca em sua boca a mentalidade dos judeus da época, através de uma compreensão exclusivista da missão: "Eu não fui enviado senão para as ovelhas perdidas de Israel" (Mt 15, 24). Diante da insistência do grito da mulher, a resposta de Jesus é muito dura e difícil de entender. Para isso, é preciso entrar em sua atitude pedagógica, destinada aos discípulos e também à mulher.
Ele insiste no seu messianismo israelita: "Não fui enviado senão às ovelhas perdidas de Israel" (Mt 15,24). E era verdade mesmo: Jesus foi mandado a um povo pequeno, para realizar uma esperança limitada nos seus termos – ele é o Messias de Israel.
Jesus não a rejeita, mas a provoca para uma maior confiança. Ele vai pedir que ela transgrida as fronteiras de suas próprias ideias. As fronteiras que tinham marcado dentro do seu coração e de seus conceitos.
A mulher volta a insistir. Seu grito agora é acompanhado por um gesto de aproximação maior. Prostrando-se de joelhos implora: "Senhor, ajuda-me" (v. 25). "Não fica bem tirar o pão dos filhos para atirá-lo aos cachorrinhos" (Mt 15, 26). Os judeus se consideravam filhos de Deus e diziam que os estrangeiros não eram dignos da bênção divina.
A mulher pagã ajudou Jesus a compreender que ele era enviado de Deus não só para os judeus, mas para toda pessoa humana de todas as culturas e tempos; o que é uma alusão à profecia do Servo de Javé (Is 49, 1-6). A mulher assumiu sua condição de "cachorrinho" com grande esperança; não aceitou as condições que a deixavam excluída da vida, mas quebrou as fronteiras que a discriminavam.
Jesus ficou admirado com os valores que encontrou nos pagãos e compreendeu que Deus já estava entre eles como Deus vivo e libertador: aquele que ouve o clamor e desce para libertar (cf. Ex3, 7ss.). O evangelho de Mateus faz esse caminho progressivo e muito diferente do envio de discípulos apenas para as "ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 10, 6), e conclui: "Ide e fazei com que todos os povos sejam meus discípulos" (Mt 28, 19). O encontro de transformação e libertação só aconteceu quando Jesus "desce" ao nível humano, tornando-se aprendiz e discípulo da mulher estrangeira, excluída. E confirma sua cidadania teológica: "Mulher, grande é tua fé! Seja feito como queres!" (Mt 15, 28).
Como ela, nós somos convidados a ir lá onde a vida clama e sofre discriminação; ali onde as pessoas sofrem a separação da vida social e cultural.
Sendo a mensagem de hoje a universalidade da salvação, devemos perguntar:
– Não concebemos essa universalidade à maneira do Antigo Testamento, esperando os outros aderirem ao nosso sistema? Deixamos pelos menos algumas "migalhas" para aqueles e aquelas que não são cristãos?
– Somos capazes de reconhecer a realidade crítica fora do nosso ambiente católico institucional?
No seguimento de Jesus, que se deixou tocar pelo grito da mulher siro-fenícia, "escutar Deus onde a vida clama" é convocação do Espírito que sopra onde e como quer.
Precisamos ter nossos corações abertos e atentos aos múltiples clamores da vida que aparece ao nosso redor.
Fonte: CEBI
Nenhum comentário:
Postar um comentário