Neste domingo (9), a seleção feminina entra em campo para disputar a Copa do Mundo da França, evento que já conta com uma audiência recorde: cerca de 40 milhões de europeus assistiram o primeiro jogo quando as francesas bateram as sul-coreanas por 4 a 0. Mas nem sempre foi assim. Entre as ditaduras do Estado Novo (Getúlio Vargas) e a Militar, mulheres brasileiras foram presas por se aventurarem nos gramados, reservados apenas aos homens. No entanto, elas nunca pararam de jogar, mesmo clandestinamente.
Assinado por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1941, durante a ditadura do Estado Novo, o artigo 54 do decreto-lei 3.199, afirmava que ”às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.
A proibição da presença feminina em campos de futebol durou quase 40 anos, e vigorou entre 1941 e 1979, marcando gerações de brasileiras que não puderam exercer seu talento nos gramados. O argumento sexista de que o futebol poderia ferir a “natureza feminina” serviu para criar um vácuo no esporte feminino, em prol da “dedicação ao lar” e “à família”.
Em declarações à imprensa brasileira, Aira Bonfim, historiadora e pesquisadora, responsável pela implementação do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, no Museu do Futebol, em São Paulo, afirma que era “como se você, por quase 40 anos, construísse uma ideia, uma cultura e uma proibição moral”.
Em 1965, após o golpe de 1964 que instaura a Ditadura Militar no Brasil, o recente governo militar decide tornar expressa a proibição de mulheres jogarem futebol, e inclui na lei uma série de esportes considerados “inapropriados para mulheres”, como futebol, pólo aquático e rúgbi. Mas a proibição não se limitava apenas às esportistas.
A brasileira Lea Campos, 75, que marcou o futebol brasileiro e mundial ao se tornar a primeira mulher árbitra do Brasil e do mundo, relatou à Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (6) ter sido presa mais de 15 vezes entre 1967 e 1971, por desobedecer ao decreto assinado por Vargas. Ela conta que, quando a polícia invadia o campo para prender as jogadoras, ela se oferecia como responsável, enquanto árbitra da partida.
Clandestinidade
A literatura especializada mostra que a saída das jogadoras, entre esses “anos de chumbo”, foi jogar bola nas periferias ou em locais clandestinos, onde “não pudessem ser vistas”. Literalmente, mulheres jogando bola, em 1940, se tornavam “caso de polícia”, como demonstram vários registros históricos da imprensa mineira da época.
Curiosamente, pouco antes do decreto de Vargas, criminalizando o futebol feminino, o ano de 1940 viu surgir em Belo Horizonte o primeiro time feminino de Minas Gerais, que ganhou repercussão nacional, uma agremiação chamada Mineiras F.C., que veio se juntar a times como Casino Realengo e S.C. Brasileiro, que frequentavam normalmente as páginas dos jornais esportivos brasileiros, antes da onda de repressão iniciada pelo decreto da Era Vargas.
Mesmo com o fim da proibição de mulheres jogarem futebol no Brasil, em 1979, a regulamentação da modalidade feminina só aconteceu em 1983, e graças à mobilização das próprias jogadoras. Especialistas avaliam que os cerca de 40 anos de proibição do esporte no Brasil deixaram um saldo extremamente negativo, com péssimas condições de trabalho e falta de patrocinadores. Além de tudo, um enorme vácuo em relação à criação de uma cultura brasileira do futebol feminino, no país das chuteiras. O futebol feminino foi sufocado e relegado à clandestinidade com argumentos banais e sem respaldo médico.
Elas estão de volta
Depois da primavera feminista e da era #metoo, as garotas brasileiras voltam aos gramados neste domingo (9), estreando no Mundial contra a Jamaica, na cidade de Grenoble, no leste da França. As jamaicanas disputam sua primeira Copa do Mundo. Já as brasileiras, estão em seu oitavo torneio.
O Brasil sofre com contusões e traz um histórico de nove derrotas nos últimos amistosos. A seleção sofrerá ainda em sua estreia com as ausências de duas jogadoras experientes: a zagueira Erika, lesionada no tornozelo e substituída por Daiane, e a atacante e estrela do time, Marta, que ainda se recupera de dores na coxa e deve ficar no banco, segundo o técnico Vadão.
Fonte: RFI
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