31 maio, 2022

Jornada de Oração pela Paz em Burkina Faso

Jornada de Oração e Missão pela Paz de 2022

A Jornada de Oração e Missão pela Paz da CNBB é dedicada aos refugiados de guerra

No dia 1º de junho, quarta-feira, a Comissão para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que sofre (ACN) convidam todos a rezarem pela paz no Burkina Faso, na África.

O Burkina Faso, um pequeno país no centro do continente africano, sofreu há um ano, em junho de 2021, um dos piores atentados em sua história recente. Na ocasião, mais de 160 pessoas, dentre elas 20 crianças, perderam suas vidas. Casas, mercados, escolas e instituições públicas foram queimadas em uma pequena vila ao norte do país. O atentado foi reivindicado por um grupo terrorista.

Desde 2015 mais de 1.500 pessoas foram mortas por causa de repetidos episódios de violência”, diz o vídeo de divulgação da Jornada.

“Muitas vezes nós pensamos que nossa vida cristã se resume aos nossos afazeres, as nossas necessidades particulares e muitas vezes por causa dessa situação bem próxima de nós rezamos pelas nossas intenções, rezamos pelas nossas dificuldades, pelos problemas das nossas famílias, pelos nossos problemas. E é justo que seja assim, é correto que seja. No entanto, descobrimos com a vida dos santos, de forma especial, a de Santa Teresinha do Menino Jesus, que temos condições de fazer com que a nossa oração nos leve aonde nossos passos, nossos pés não podem ir. Rezando nos tornamos missionários.

Quando a gente reza por intenções, por situações que estão distantes de nós, nós intercedemos por aquelas pessoas, por aquelas situações e nos tornamos também missionários, pois a oração é uma forma de missão”, afirma padre Daniel Rocchetti, assessor da Comissão para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da CNBB.

Assista ao vídeo.


27 maio, 2022

A força transformadora da escuta hospitaleira e convivial

A escuta é uma ação que permite “hospedar” o interlocutor no próprio universo de sentidos. Esse gesto, por sua vez, é capaz de transformar a realidade, principalmente da própria pessoa “escutante”: escutar é se deixar transformar pelo forasteiro, pelo desconhecido. Com isso, é possível aprender a conviver como iguais, sem precisar abrir mão de nossas respectivas diferenças.

A opinião é de Moisés Sbardelotto, jornalista, doutor em Ciências da Comunicação e autor de "Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?" (Ed. Vozes, 2020).

Publicada por IHU, 27/05/2022.


Eis o texto.


Neste domingo, 29 de maio, festa da Ascensão do Senhor, a Igreja celebra o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Em sua mensagem por ocasião dessa data, o Papa Francisco nos convida a “escutar com o ouvido do coração”, entendendo a escuta como um elemento “decisivo na gramática da comunicação e condição para um autêntico diálogo”.

A partir das páginas bíblicas, Francisco lembra que “a escuta corresponde ao estilo humilde de Deus”, que reconhece o ser humano como seu interlocutor e lhe dá ouvidos. “Deus ama o ser humano: por isso ‘inclina o ouvido’ para o escutar”, afirma o papa.

Disso decorrem duas necessidades, segundo Francisco. A primeira, de nível pessoal, é a “arte do discernimento, que se apresenta sempre como a capacidade de se orientar numa sinfonia de vozes”. A segunda, de nível eclesial, é o “apostolado do ouvido”, considerado pelo papa como “a obra mais importante” da ação pastoral. “Devemos escutar, antes de falar, como exorta o apóstolo Tiago: ‘Cada um seja pronto para ouvir, lento para falar’ (1,19).”

Hoje, em meio a divisões, intolerâncias e violências dos mais diversos gêneros, números e graus, a “escuta com o ouvido do coração” possibilita ir além dos ditos, dos não ditos e dos silêncios, para encontrar a verdade mais profunda e mais comum a todos nós: somos todos humanos, provindos todos do mesmo húmus. Somos todos “filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (Fratelli tutti, n. 8). Por isso, particularmente neste tempo histórico, é preciso dar ouvidos principalmente ao “desejo de estar em relação com os outros e com o Outro. Não fomos feitos para viver como átomos, mas juntos”, afirma Francisco em sua mensagem. É o reconhecimento de base dessa nossa comum humanidade que torna “boa e plenamente humana a comunicação”, segundo ele.

Como um convite à leitura na íntegra de todo a reflexão do papa, quero aqui articular a mensagem de Francisco com três ações que se revelam cada vez mais essenciais nos tempos atuais: hospedar, transformar(-se) e conviver. A escuta é uma ação que permite “hospedar” o interlocutor - seja ele quem for, venha de onde vier, fale a linguagem que seja - no próprio universo de sentidos. Esse gesto, por sua vez, é capaz de transformar a realidade, principalmente da própria pessoa “escutante”: escutar é se deixar transformar pelo forasteiro, pelo desconhecido. Com isso, é possível aprender a conviver como iguais, sem precisar abrir mão de nossas respectivas diferenças.

Escutar para hospedar

Francisco apresenta a escuta como um gesto de “acolher como dom a voz dos outros”. Trata-se, segundo ele, de prestar atenção “a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos”, o que permite “crescer na arte de comunicar, cujo cerne não é uma teoria nem uma técnica, mas a capacidade do coração que torna possível a proximidade”.

Não por acaso, como exemplo disso, o papa cita os migrantes e a necessidade de ouvir as suas histórias, para que seja possível superar os preconceitos em relação a eles. Francisco afirma que é preciso reconhecer que eles não são apenas “números nem invasores perigosos”, mas “rostos e histórias de pessoas concretas, olhares, expectativas, sofrimentos de homens e mulheres para ouvir”.

É significativo que o papa traga à tona os migrantes para abordar o tema da escuta. Escutar é estabelecer uma relação acolhedora em relação ao hospes, do latim estrangeiro, forasteiro, peregrino. É romper a reação automática baseada no imaginário milenar de que “hospes, hostis”, ou seja, de que todo estrangeiro é inimigo.

Pelo contrário, é a recusa a escutar que acaba se transformando muitas vezes em agressividade contra o outro, reconhece Francisco. Escutar, por sua vez, é um enriquecimento, pois “sempre haverá alguma coisa, por mínima que seja, que posso aprender com o outro e fazer frutificar na minha vida”, continua o papa.

Acolher o dom do outro, de quem é diferente, de quem “vem de fora” é praticar uma comunicação hospitaleira, nem sempre fácil, muito menos simples. É transformar a hostilidade dos “ouvidos moucos” em hospitalidade escutante, dialogante, humanizante.

Reescrevendo e dando novos sentidos ao que Christian Dunker e Cláudio Thebas apresentam no livro “O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas” (Planeta, 2019), podemos dizer que a relação com o hospes pode ocorrer por meio da constituição de três “lugares” metafóricos de escuta: a hospedaria, o hospital e o hospício.

A escuta como hospedaria envolve o acolhimento e a receptividade à outra pessoa do modo como ela é, seja quem for e de onde vier, independentemente do momento em que chegar e da linguagem que utilizar, com suas riquezas e pobrezas, sem exigências nem imposições. Trata-se de uma escuta não apenas simpática, mas radicalmente empática, disponível, aberta, heterorreferencial, não narcísica. Muitas vezes, significa entrar em contato com o desconhecido, com o ab-surdo, com aquilo que “soa mal” e “fora do tom” aos nossos ouvidos, apresentando-se, à primeira audição, como sem sentido. Com essa escuta sem receios, nem medos ou ameaças, pode-se aprender coisas novas, pois ela envolve “a capacidade de se deixar surpreender pela verdade – mesmo que seja apenas um fragmento de verdade – da pessoa que estamos escutando”, como diz Francisco.

A escuta como hospital diz respeito ao cuidado pela outra pessoa e pela relação com ela, especialmente nos momentos de dor, de sofrimento, de dissonância existencial. Trata-se do gesto de escutar o outro em suas necessidades, para ajudá-lo a se refazer, a se restabelecer, a restaurar suas forças. É acolher a vulnerabilidade, partilhando-a. O escutar hospitaleiro envolve aproximar-se da pessoa machucada interiormente e cuidar de suas feridas, de modo totalmente gratuito e desinteressado, como fez o bom samaritano (cf. Lc. 10,34). Por isso, Francisco também reconhece que “a capacidade de escutar a sociedade é ainda mais preciosa neste tempo ferido pela longa pandemia. (...) É preciso inclinar o ouvido e escutar em profundidade, sobretudo o mal-estar social” agravado pelo período de distanciamento e, hoje, por tantas formas de violência e desprezo pela vida no Brasil e no mundo.

Já a escuta como hospício é a postura contrária à da hospedaria e do hospital. O hospício traz as marcas de um passado histórico de silenciamento, isolamento, aprisionamento e reclusão daquilo que fugia aos padrões sociais, de quem era considerado “alienado”, “anormal”, “louco”. É o local em que se reconhecem apenas as alienações, anormalidades e loucuras alheias - nunca próprias. É, portanto, um lugar da não escuta, de uma surdez metódica ou, no máximo, de uma escuta ofensiva. É a tendência a “fugir da relação, a virar as costas e 'fechar os ouvidos' para não ter de escutar”, como afirma Francisco. Não se busca o cuidado ou mesmo a cura, mas apenas a exclusão do outro, considerado “estranho”, totalmente diferente, incompreensível, incoerente e até inaceitável. Ouve-se o que o outro diz, mas sem lhe dar voz, reconhecendo-lhe apenas insensatez e desrazão, até mesmo e principalmente quando se apresenta como porta-voz de verdades insuportáveis. Não há qualquer esforço para ir além das palavras pronunciadas, em busca dos sentidos mais profundos em jogo. Ouve-se o outro, mas apenas para confirmar os próprios pressupostos e preconceitos em relação a ele ou ela.

Em suma, escutar acolhendo o dom do outro e hospedando-o com hospitalidade é o primeiro passo para a construção de uma sociedade capaz de irmandade, capaz de reconhecer que somos todos “irmãos e irmãs”, com a mesma dignidade e o mesmo valor.

Para o papa, também na Igreja há uma grande necessidade de escuta recíproca, particularmente no atual processo de reflexão sobre a sinodalidade, ao qual Francisco também faz referência na mensagem, rezando para que o processo sinodal “seja uma grande ocasião de escuta recíproca” entre irmãos e irmãs. Citando o teólogo alemão Dietrich Bonhöffer, Francisco lembra que “devemos escutar através do ouvido de Deus, se queremos poder falar através da sua Palavra”. Pois, continua o pontífice, “quem não sabe escutar o irmão bem depressa deixará de ser capaz de escutar o próprio Deus”.

Nesse processo de escuta sinodal, podemos questionar: qual daqueles três “lugares” de escuta tem sido mais praticado e frequentado pela prática eclesial nos últimos tempos? Em que aspectos a escuta colabora com a “conversão pastoral” pedida por Francisco?

Escutar para transformar(-se)

Segundo Dunker e Thebas, a escuta é um “ato político”, porque suspende e subverte os lugares estabelecidos e constituídos, colocando todo centro e poder naquilo que está efetivamente sendo dito, independentemente de quem esteja falando.

Esse ato político, porém, não é automático, muito menos na Igreja, e demanda um grande esforço - às vezes até o “martírio da paciência”, nas palavras de um cardeal diplomata citado pelo papa.

Afinal, para que se escuta? O objetivo principal não é concordar com o outro nem discordar dele. Muito menos ser apenas condescendente com o interlocutor, “emprestando-lhe o ouvido” como um favor. No fundo, escuta-se porque se reconhece a importância da voz alheia e que, com ela, pode-se aprender algo, rever as próprias premissas, corrigir o rumo, transformar a si mesmo, em primeiro lugar.

Pelo contrário, quem busca se manter no centro e deter todo o poder pode até fingir ouvir, mas assume aprioristicamente que o outro não tem nada a lhe acrescentar. Já se sente satisfeito com as próprias suposições e pressuposições. Fecha-se à mudança, não reconhece a necessidade de mudar. Na cultura em geral, é justamente isso que as mulheres criticam em relação à escuta masculina, quando os homens interrompem ou até silenciam a fala feminina (o chamado manterrupting), pressupondo que sabem mais ou podem explicar às próprias mulheres aquilo que elas já sabem ou mesmo acabaram de afirmar (mansplaining).

Alguns membros da Igreja e da hierarquia muitas vezes têm agido dessa forma. O papa lamenta o surgimento de “partidos ideológicos” inclusive na Igreja, que deixam de escutar para dar lugar a “estéreis contraposições”. Em tais casos, “estamos simplesmente à espera que o outro acabe de falar para impor o nosso ponto de vista”, sintetiza Francisco. Escuta-se, mas como um gesto de tolerância e transigência, que, no fundo, busca apenas reafirmar o próprio poder de fala e a “função magisterial” de poucos. Em tempos de processo sinodal, seria um testemunho de coerência reconhecer, evitar e denunciar também os inúmeros casos, globais e locais, de “churchterrupting” e “churchsplaining” (ou seria melhor dizer “clericterrupting” e “clericsplaing”?), não apenas em relação às vozes femininas, mas também às de outras minorias eclesiais e “periferias existenciais” da cultura em geral.

O documento preparatório para o Sínodo sobre a Sinodalidade afirma explicitamente que “a capacidade de imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições, à altura da missão recebida, depende em grande medida da escolha de encetar processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir” (n. 9).

Por isso, o documento - embora com um foco ainda um pouco excessivo no papel dos Pastores e na estrutura hierárquica (cf. n. 14) - afirma a importância de que, do papa aos fiéis em geral, cada um esteja à escuta dos outros, e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade” (n. 15), com a mente e o coração abertos, “sem preconceitos” (n. 30).

Disso decorrem algumas perguntas fundamentais para uma autoavaliação eclesial: “Conseguimos identificar preconceitos e estereótipos que impedem a nossa escuta? Como ouvimos o contexto social e cultural em que vivemos?” (n. 30).

Esse é o grande desafio: praticar uma escuta que não seja apenas cosmética, mas verdadeiramente ética, em que o interlocutor - seja ele ou ela quem for - seja levado em consideração pela Igreja e possa, assim, contribuir para uma “renovação eclesial inadiável” (EG 27, afirmação de quase uma década atrás, ainda no primeiro ano de pontificado de Francisco). Como uma “boa mãe”, a Igreja deve não apenas saber escutar as preocupações dos seus filhos, mas também aprender com eles (EG 139). É essencial saber escutar, desde que estejamos “dispostos também a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses iniciais”, reconhece o papa na mensagem.

A escuta é transformadora quando permitimos que uma diferença positiva e produtiva se introduza no nosso universo de sentidos pelo poder de fala do outro. Escutar é deixar-se transformar pelo outro, nem que seja pelo fato de momentaneamente sair do centro e perder poder - mas esse “momento”, quando acolhido, pode ser semente e impulso de uma duradoura (auto)transformação.

Para que a Igreja não seja “monótona”, ela precisa reconhecer e escutar a “polifonia” da cultura contemporânea, com sua pluralidade e variedade das vozes, afirma Francisco. Só assim, continua o papa, é possível construir uma “Igreja sinfônica”, em que cada um canta com a própria voz, acolhe como dom as vozes dos outros e manifesta a harmonia cujo compositor é o próprio Espírito Santo. É o dom e o desafio da convivência.

Escutar para conviver

Em uma conferência proferida há 15 anos, o teólogo italiano Rosino Gibellini retomava o pensamento do teólogo alemão Theo Sundermeier, analisando particularmente os seus quatro modelos para compreender o estrangeiro. Podemos desdobrar esses modelos pensando-os como “modelos de escuta do outro” em geral.

O primeiro modelo de escuta se fundamenta em uma igualdade extrema: “O outro é igual a mim em tudo”. Com isso, exacerba-se uma similaridade absoluta. Não se reconhecem, assim, as diferenças culturais e de linguagem, correndo o risco de favorecer a mera assimilação.

O segundo é um modelo de escuta baseado em uma alteridade extrema: “O outro é totalmente diferente de mim”. Com isso, ele é percebido como uma ameaça, como inimigo. Enfatizam-se as diferenças, sem levar em conta a igualdade em humanidade.

O terceiro é um modelo de escuta complementar: “O outro me complementa”. Reconhece-se a diferença, mas ela é subordinada à própria identidade e aos próprios interesses, não reconhecendo a dignidade do outro, que serve apenas para nos enriquecer culturalmente. É uma escuta que instrumentaliza os outros para os próprios interesses, como diz o papa na mensagem.

O quarto modelo é o da escuta convivial. Nesse modelo, mantêm-se unidas a igualdade e a diferença. A convivialidade reconhece as diferenças, respeita-as, mas sem isolá-las: pelo contrário, busca o seu encontro pacífico e mutuamente construtivo. Para Francisco, “na verdadeira comunicação, o eu e o tu encontram-se ambos ‘em saída’, tendendo um para o outro” - em uma “tensão convivial”, poderíamos dizer.

Segundo Gibellini, “a convivência não assimila, como no primeiro modelo; não exclui, como no segundo modelo; não subordina a si, como no terceiro modelo; mas cria espaços de compreensão (...) e de comunicação”. É a escuta pensada como ajuda recíproca e, ao mesmo tempo, como aprendizagem recíproca: “A convivência visa à reciprocidade”, continua o autor.

Essa experiência de convivialidade se torna cada vez mais rara hoje em dia, particularmente no Brasil. Opta-se ou pela total indiferença ou pela violência direta. Na Fratelli tutti, Francisco reitera a necessidade de escuta e diálogo para construir a “amizade social”, ou seja, a experiência de “uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo” (n. 215).

Gibellini também já afirmava que “a fraternidade cristã é amor ao irmão, como ser humano”, permitindo não apenas viver juntos, mas viver bem juntos. E Francisco relaciona a fraternidade justamente com o “milagre de uma pessoa amável”, que “deixa de lado as suas preocupações e urgências para (...) possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença” (n. 224). Essa escuta amável ou amabilidade escutante, continua o papa, quando se torna cultura, transforma profundamente o estilo de vida pessoal e as relações sociais, porque cria uma convivência sadia que supera as incompreensões e evita os conflitos.

A convivialidade possibilitada pela escuta aponta para relações interpessoais e sociais em que as diferenças não são negadas, mas sim reconhecidas e respeitadas. Reconhecem-se e respeitam-se as diferenças entre os iguais e a igualdade entre os diferentes, sem fazer da igualdade uma homogeneidade, nem da diferença uma desigualdade.

Isso favorece a construção do comum - experiências de comunidade e de comunhão por meio de gestos de comunicação. Abandona-se uma perspectiva relacional dicotômica (“nós” versus “eles”) para uma perspectiva relacional complexa (“nós neles” e “eles em nós”). Trata-se de uma ação comunicacional que valoriza a diversidade e a multiplicidade, evitando a dispersão e a divisão. Por meio dessa comunicação convivial, é possível construir uma “sociedade boa que permite uma vida boa” (Alain Caillé), para todas e todos.

26 maio, 2022

Auxílio Brasil deixa fora ao menos 2 milhões de famílias em extrema pobreza

Seis meses após sua criação, o programa Auxílio Brasil deixou de fora da lista de beneficiários de março ao menos 2 milhões de famílias em extrema pobreza. 

Segundo o Cadastro Único, do governo federal, das 17.820.667 famílias registradas como extremamente pobres no país em março, 1.995.898 não receberam o benefício. Os números de abril ainda não estão disponíveis.

Os dados foram obtidos pela coluna no sistema Cecad (Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico), do Ministério da Cidadania, que coordena o programa.

Famílias em extrema pobreza são aquelas com renda per capita (por pessoa) de até R$ 105 por mês. 

O número de famílias nesse estrato social à espera do benefício teve crescimento de 15% em março, em relação a fevereiro, quando eram 1.735.253 na miséria sem auxílio.

Das famílias fora da lista de beneficiários, mais de 85% estão nas regiões Norte, Nordeste ou Sudeste do país.

Leia AQUI a íntegra a reportagem de Carlos Madeiro, publicada por portal UOL, 26-05-2022.

25 maio, 2022

10 homens mais ricos do mundo têm riqueza equivalente a 3,1 bilhões de pessoas

Um novo bilionário surgiu no mundo a cada 30 horas nos últimos dois anos, durante a pandemia de Covid-19.

O total de 2.668 bilionários – 573 a mais que em 2020 — tem uma fortuna que chega a US$ 12,7 trilhões, um aumento de US$ 3,78 trilhões.
O mundo poderá ter um milhão de pessoas empurradas para a pobreza extrema a cada 33 horas em 2022, quase a mesma velocidade do surgimento de novos bilionários durante a pandemia (um a cada 30 horas).
A riqueza total dos bilionários do mundo é hoje equivalente a 13,9% do PIB global – quase três vezes maior do que o verificado em 2000 (4,4%).

O total de 2.668 bilionários – 573 a mais que em 2020 — tem uma fortuna que chega a US$ 12,7 trilhões, um aumento de US$ 3,78 trilhões.

O mundo poderá ter um milhão de pessoas empurradas para a pobreza extrema a cada 33 horas em 2022, quase a mesma velocidade do surgimento de novos bilionários durante a pandemia (um a cada 30 horas).

O novo estudo da Oxfam, Lucrando com a dor, lançado às vésperas da reunião presencial do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), revela ainda que O total de 2.668 bilionários do mundo – 573 a mais que em 2020 — tem uma fortuna que chega a US$ 12,7 trilhões, um aumento de US$ 3,78 trilhões.



A reportagem é publicada por EcoDebate, 24-05-2022.


A riqueza total dos bilionários do mundo é hoje equivalente a 13,9% do PIB global – quase três vezes maior do que o verificado em 2000 (4,4%).

“O aumento das fortunas de um pequeno grupo de pessoas enquanto a maioria da população do mundo enfrenta o drama da fome, falta de acesso à saúde e à educação, falta de perspectiva de vida, é aviltante. Os valores humanos estão escorrendo pelo ralo dos privilégios e da concentração de renda, riqueza e poder”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.

“Esse aumento desproporcional da riqueza de poucos não é celebrável. Ao contrário, é um sinal de alerta, de urgência para que algo seja feito a fim de recolocar a humanidade nos trilhos da inclusão de todos e todas, e de resgate da dignidade de cada pessoa, independente de cor, raça/etnia, gênero, orientação sexual, religião, lugar de origem e território que habita”, diz Katia Maia.

O estudo da Oxfam também revela que as grandes empresas dos setores de energia, alimentação, tecnologia e medicamentos tiveram lucros acima da média, ao mesmo tempo que salários ficaram estagnados e os trabalhadores tendo que encarar a alta nos preços dos produtos básicos.

Setores que mais lucraram: energia, alimentos, tecnologia e medicamentos

Energia: Cinco das maiores empresas de energia (BP, Shell, TotalEnergies, Exxon e Chevron) tiveram US$ 82 bilhões de lucro em 2021 – cerca de US$ 2.600 a cada segundo. Nesse ano, essas empresas pagaram US$ 51 bilhões de dividendos a seus acionistas. Isso significa que 63% de seu lucro líquido foi diretamente para os acionistas.

Alimentos: Os bilionários desse setor tiveram sua riqueza coletiva aumentada em US$ 382 bilhões nos últimos dois anos – um aumento de 45%. Durante a pandemia 62 novos bilionários surgiram no setor. Juntamente com apenas outras três empresas, a família Cargill controla 70% do mercado agrícola global. Em 2021, a Cargill conseguiu seu maior lucro na história – US$ 5 bilhões – e deve bater essa marca em 2022. A família Cargill, sozinha, tem mais de 12 bilionários – eram 8 antes da pandemia.

Medicamentos: A pandemia ajudou a criar 40 novos bilionários na indústria farmacêutica. Empresas como Moderna e Pfizer estão lucrando US$ 1.000 a cada segundo graças ao monopólio que têm sobre as vacinas de Covid-19, apesar de o desenvolvimento desses medicamentos ter sido financiado com bilhões de dólares de dinheiro público. Essas empresas cobram dos governos valores até 24 vezes maiores do que o custo de produção desses remédios.

Tecnologia: A indústria do setor produziu alguns dos homens mais ricos do mundo. Cinco das 21 maiores empresas existentes hoje são companhias de tecnologia (Apple, Microsoft, Tesla, Amazon e Alphabet). Essas cinco empresas lucraram US$ 271 bilhões em 2021, quase o dobro do resultado obtido em 2019 (antes da pandemia).

“Os super-ricos e poderosos estão lucrando com a dor e sofrimento das pessoas. Isso é inadmissível. Alguns ficaram ricos negando a bilhões de pessoas o acesso a vacinas, outros explorando a alta dos preços da comida e da energia”, afirma Katia Maia.

Os 10 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que a combinação de 40% da população mais pobre (equivalente a 3,1 bilhões de pessoas).

A riqueza dos 20 maiores bilionários do mundo é mais alta do que o PIB de todos os países localizados na região da África Subsaariana.

Um trabalhador médio que está entre os 50% mais pobres da população mundial teria que trabalhar 112 anos para ganhar o que alguém que está no topo da pirâmide recebe em apenas 1 ano.

A Oxfam recomenda

Introdução de taxas sobre lucros extraordinários dos bilionários para financiar apoio às pessoas que enfrentam os altos custos de energia e alimentação pelo mundo, bem como uma recuperação justa e sustentável da pandemia. A Argentina adotou uma taxação especial, chamada de “imposto dos milionários” e agora pensa em criar uma nova taxação, desta vez mirando os lucros obtidos por empresas de energia, e também sobre bens não declarados que estão foram do país, para pagar a dívida com o FMI.

Acabar com o lucro sobre a crise introduzindo um imposto temporário sobre lucro excedente de 90% das grandes corporações. A Oxfam estima que, se aplicado às 32 empresas que mais lucraram em 2020, esse novo imposto poderia gerar US$ 104 bilhões.

Criação de impostos permanentes sobre a riqueza para regular a extrema riqueza e o poder dos monopólios, bem como reduzir as altas emissões de carbono dos super-ricos. Um imposto anual sobre os milionários começando em apenas 2%, depois 5% para bilionários, poderia gerar US$ 2,52 trilhões por ano – o suficiente para tirar 2,3 bilhões da pobreza extrema, produzir vacinas suficientes para o mundo e oferecer serviços de saúde e proteção social para todos os habitantes de países de renda baixa e média.

08 maio, 2022

MAE!

MÃE!
Amor Eterno.
 Presença Amiga.
🌸🌼🌸🌼🌸🌼🌸🌼🌸

03 maio, 2022

"As palavras"


As palavras

As palavras são boas.
As palavras são más.
As palavras ofendem.
As palavras pedem desculpa.
As palavras queimam.
As palavras acariciam.
As palavras são dadas, trocadas,
oferecidas, vendidas e inventadas.
As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam:
são como carraças: vêm nos livros, nos jornais,
nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes,
nas cartas e nos cartazes.
As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam,
impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas.
O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo
de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras
que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas.
Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam,
julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. (...)
(...)
Daí que seja urgente moldar
as palavras para que a sementeira se mude em
seara. Daí que as palavras sejam instrumento
de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha
o que valer o silêncio do ato.
Há também o silêncio. O silêncio, por definição,
é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina,
observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo.
O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser,
a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele
as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as
más. O trigo e o joio. Mas só o trigo dá pão.


(José Saramago - in "As palavras")