O que segue a baixo, é newsletter, recebido em meu e-mail, do "Brasil de Fato" (05/12/2025)
Um triângulo nada amoroso
Olá, não convide o Planalto, o STF e o Congresso para a mesma festa de fim de ano.
.Instituições funcionando. Até poucos dias atrás, os senadores eram os adultos da casa que consertavam a lambança feita pelas crianças da Câmara. Mas, depois que Lula indicou Jorge Messias à vaga de ministro do Supremo, a situação mudou. Davi Alcolumbre aproveitou que o governo escanteou Rodrigo Pacheco para retaliar, retomando pautas-bomba no Senado que poderiam custar cerca de R$100 bilhões no orçamento. Mas o jogo nas relações entre Planalto, Senado e STF é mais complexo e vai além das desavenças pessoais. Parte da resistência à indicação de Messias, que era Advogado-Geral da União, se deve ao fato de que ele fazia dobradinha com Flávio Dino para fiscalizar com maior rigor as emendas parlamentares. Mas, curiosamente, apesar da resistência de membros do centrão e bolsonaristas no Congresso, quem apoia o indicado de Lula nos bastidores é parte da bancada evangélica, assim como os ministros André Mendonça e Kássio Nunes Marques dentro do STF, enquanto Flávio Dino e Gilmar Mendes preferem manter neutralidade. Assim, na queda de braços entre Lula e Alcolumbre, a solução foi adiar a sabatina de Jorge Messias, contando que os ânimos se acalmem. O problema é que o próprio STF causou rebuliço com a decisão de Gilmar Mendes que pode blindar a Corte ao decidir que a única instituição competente para solicitar a destituição de um membro do Supremo é a PGR. Em resposta, o Senado protestou e a Câmara aproveitou para retomar projetos que limitam decisões monocráticas no Supremo. Se, por um lado, o novo embate tira o foco do conflito entre Planalto e Senado, por outro, dá de bandeja justamente os argumentos que a direita no Congresso precisava para reavivar o ranço contra o STF, o que pode respingar na sabatina de Jorge Messias. Já o governo, interpretou a nova crise como uma oportunidade de posicionar-se como mediador e reconstruir os laços com o Senado, o que explica que, ainda que tardiamente, a AGU tenha se manifestado contra a decisão de Gilmar, assim como o próprio Jorge Messias, num claro afago aos senadores. Mas é preciso acompanhar para ver qual será o desfecho dessa nova queda de braços entre STF e Congresso.
.Última rodada. No jogo de escaramuças entre o Congresso e o Planalto até aqui, os parlamentares venceram ao impor o PL da Devastação, mas também na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. No primeiro caso, a derrota era esperada e, no segundo, obrigou o governo a falar o único idioma que os parlamentares entendem: liberar emendas. Mesmo com a reclamação de Lula, o acordo prevê que o governo pague 65% das emendas parlamentares antes do início do período eleitoral em julho do próximo ano, destravando a votação da LDO que estava engavetada há cinco meses. Até emendas dos foragidos Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem quase foram incluídas. O pior é que Lula já percebeu que vai ter que se envolver mais vezes nas articulações com o Congresso se quiser que a pauta do governo seja cumprida nos poucos dias que restam antes do fim do ano legislativo. A próxima prioridade, como o próprio presidente apontou, são os temas da segurança. Lula quer terminar o ano com a aprovação da PEC Segurança, ainda que o relator Mendonça Filho (União-PE) seja um conhecido adversário do Planalto. Já no Senado, mesmo com o PL Anti Facção em melhores mãos, com a relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE), as previsões também não são otimistas, já que ele precisaria voltar para a Câmara e agora inclui a proposta de um tributo sobre casas de apostas, donas de um lobby poderoso no Congresso. O governo ainda espera aprovar o PL do Devedor Contumaz para encerrar a pauta econômica do ano e deixar para 2026 a disputa pela escala 6 x 1, cuja comissão especial para a PEC na Câmara propôs… deixar como está.
.Sem direção. Por trás do belicismo de Davi Alcolumbre há mais do que a contrariedade com a indicação de Jorge Messias. Ao liderar o descontentamento de parlamentares com o governo e o STF - e em ambos os casos, por causa das emendas - o presidente do Senado também quer ocupar um lugar que está vazio, o da direção do centrão e do bolsonarismo no Congresso. O escândalo do Banco Master atingiu diretamente os dois líderes formais da direita, Ciro Nogueira e Antônio Rueda que, obviamente, sumiram dos holofotes da política. Ao bater de frente com Lula, Alcolumbre sinaliza para os colegas que pode ser o presidente do grande Sindicato de Parlamentares que virou o Congresso, assumindo as pautas de interesse da categoria. E se assumir o posto, aumenta seu poder de barganha caso decida se reconciliar com o governo ali na frente. Os bolsonaristas podem ser atraídos por este movimento, porque também seguem sem direção no parlamento, incapazes de esboçar uma reação à prisão do chefe. No caso dos partidários do ex-capitão condenado, a crise ultrapassa o Congresso. O episódio em que Michelle Bolsonaro desfez a aliança do PL com Ciro Gomes no Ceará não apenas a colocou de fato na disputa pelo espólio com os enteados, como também escancarou outras divisões internas que o PL têm sofrido nos estados. A posição também ungiu Michelle como uma defensora do bolsonarismo raiz e a disputa foi vencida quando a sua posição foi validada pelo próprio Jair, credenciando-a como porta-voz de confiança do detento. O seu protagonismo pode ser uma solução para a chapa presidencial da extrema-direita, mesmo como vice e, por enquanto, sem o peso das trapalhadas dos filhos de Bolsonaro. Mas pode não ser suficiente para resolver a falta de direção e de unidade do próprio PL. A prova de que a crise pode ser mais profunda é o inferno astral pelo qual passa outra estrela da extrema-direita, Nikolas Ferreira, que amargou uma semana de derrotas políticas e, acostumado a atacar, se viu obrigado a usar suas redes para se defender.
.Saldo em conta. A verdade é que nem todos os problemas do governo são culpa do centrão. As próprias contradições internas explicam porque as vitórias e derrotas se sucedem, o que se reflete nas pesquisas de opinião: depois da euforia de outubro, com o aumento da popularidade e o tom nacionalista, veio a ressaca de novembro, com estagnação ou leve redução da popularidade. Parte das dificuldades vêm das relações internacionais. Uma nova conversa entre Lula e Trump reacendeu as esperanças do Planalto de que Washington atenue ainda mais o tarifaço sobre produtos brasileiros. O problema é que, ainda que não seja explícito, o preço da relação amigável é uma posição mais tímida do Brasil em relação à agressão norte-americana à Venezuela, que visa justamente estrangular os governos de centro-esquerda que ainda restam no continente. Enquanto isso, no Mercosul, Lula aproveita para reafirmar a liderança do Brasil e levar os méritos pela assinatura do acordo com a União Européia. Na economia interna, o governo não vai mal. A expectativa é que a economia brasileira cresça acima de 2% este ano. É um resultado singelo, ruim se comparado aos 3,4% do ano passado, mas bom perto do desempenho da última década. A notícia boa é que, mesmo acima da meta, a inflação está controlada e, em alguns setores está em redução, como no caso dos alimentos, o que afeta positivamente o bolso dos mais pobres. Pode-se ainda comemorar a redução da pobreza e da pobreza extrema, que deve continuar caindo com a ajuda da isenção do IR para as rendas mais baixas a partir de 2026. O problema é que a economia desacelerou no terceiro trimestre e, para o ano que vem, as projeções de crescimento do PIB caem para 1,6%. Ou seja, se a política de juros do Banco Central não mudar, a economia pode ser asfixiada.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.O Brasil e o sistema-mundo. Em entrevista ao Phenomenal World, Fernando Haddad fala sobre os limites e possibilidades de enfrentamento ao neoliberalismo no Brasil.
.A facção 'evangélica' que emerge como terceira força do crime organizado do Brasil. Facção em ascensão no Rio de Janeiro, o Terceiro Comando Puro (TCP) mobiliza a identidade religiosa. Na BBC.
.O comércio de minerais críticos: a rota ilegal que conecta a Amazônia à China. No InfoAmazônia, a rede de contrabando que inclui empresas, guerrilhas e governos da região.
.Resistir, verbo imperativo no Assentamento Irmã Dorothy Stang. Na cidade de Anapu (PA), os assentados lutam para enfrentar a seca e construir a agrofloresta. No Joio e o Trigo.
.Descobrimos o preço da Embrapa para Nestlé, Bayer e empresários do agro na COP 30: R$18 milhões. Este foi o valor dos patrocínios recebidos pela Embrapa durante o evento em Belém.
.A repórter que desnudou o ChatGPT. No Outras Palavras, Karen Hao mostra como as empresas de tecnologia atuam como verdadeiros impérios contemporâneos.
.Eliana Sousa: segurança pública e trauma. Educadora que atua na Maré discute o impacto psicológico da violência nas comunidades periféricas. No Podcast da Revista Gama.
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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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