Jesus vivia em uma época profundamente conflitiva, num país irremediavelmente dividido. Havia fome, pobreza e muita doença; havia gente explorada por um sistema injusto (Lc 22,25), com desemprego, empobrecimento e endividamento crescentes (Mt 6,12; 18,24. 28-34; 20,3.6; Lc 16,5); havia classes altas, comprometidas com os romanos na exploração do povo (Jo 11,47-48; Lc 20,47) e poderosos ricos que não se importavam com a pobreza dos irmãos (Lc 15,16; 16,20-21); e havia grupos de oposição aos romanos que se identificavam com as aspirações do povo (At 5,36-37); havia muitos conflitos e tensões sociais (Mc 15,6; Mt 24,23-24) com repressão sangrenta que matava sem piedade (Lc 13,1); havia a religião oficial. Ambígua e opressora, organizada em torno da sinagoga e do templo (Mt 23,4.23-32; Mt 21,13); e havia a piedade confusa e resistente dos pobres com suas devoções, romarias e práticas seculares (Mt 11,25; 21,8-9; Lc 2,41; 21,2). Numa palavra, havia conflitos nos vários níveis da vida da nação: econômico, social, político, ideológico, religioso. O povo estava sem condições de reencontrar a unidade. Todos muitos parecidos com os conflitos que vivemos hoje.
Jesus não se manteve neutro. Em Nome de Deus, tomou posição. Assim. Através da sua atitude, a Boa Nova de Deus se fez presente na vida do povo. O anúncio da Boa Nova é antes de tudo, uma nova prática, fruto da experiência que Jesus tinha do Pai e que o levava a tomar determinadas atitudes.
Jesus conviveu a maior parte do tempo com aqueles que não tinham um lugar dentro do sistema social e religioso da época. Ele passou a ser conhecido como “o amigo dos publicanos e dos pecadores” (Mt 11,19). Acolhia os que não eram acolhidos: os imorais (prostitutas e pecadores), os hereges (samaritanos e pagãos), os impuros (leprosos e possessos), os marginalizados (mulheres, crianças, doentes de todo tipo), os colaboradores (publicanos e soldados), os fracos (o povo da terra e os pobres sem poder). Jesus falava para todos. Não excluía ninguém. Mas falava a partir dos pobres e dos marginalizados.
O apelo que resulta desta atitude evangelizadora é muito claro: não era possível alguém ser amigo de Jesus e, ao mesmo tempo, continuar apoiando o sistema que marginalizava tanta gente em Nome de Deus.
Jesus denunciou e combateu as divisões criadas pelo homem, Por exemplo, as divisões entre próximo e não-próximo (Lc 10,29-37), entre santo e pecador (Mc 2,15-17), entre puro e impuro (Mc 7,1-23), entre judeu e estrangeiro (Mt 15,21-28). Sua prática evangelizadora incomodava profundamente os homens do poder.
Por outro lado, ele convidava e provocava as pessoas a se definirem em face dos valores fundamentais da vida humana e do Projeto de Deus: justiça, fraternidade, amor, misericórdia, partilha, honestidade.
Jesus não teve medo de denunciar a hipocrisia dos líderes religiosos da época: sacerdotes, escribas e fariseus (Mt 21,1-36; Lc 11,37-52; Mc 11,15-18). Condenou a pretensão dos ricos e não acreditava muita em sua conversão (Lc 16,31; 6,24; Mt 6,24; Mc 18,24-27; 12,13-21). Diante das ameaças dos representantes do poder político, seja dos judeus como dos romanos, Jesus não se intimidava e mantinha uma atitude de grande liberdade (Lc 13,32; 23,9; Jo 19,11; 18,23).
Jesus defendeu a vida, Deus criou a vida e a abençoou (Gn 1,28), Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso faz parte da prática evangelizadora de Jesus libertar a vida de todos os males que a oprimiam e marginalizavam. Ele enfrentou e combateu a fome (Mc 6,35-44), a doença (Mc 1,29-34), a tristeza (Lc 7,13; Mt 5,5), a ignorância (Mc 1,27), o abandono (Mt 9,36), a solidão (Mc 1,40-41; 5,34), a letra que mata (Mc 3,4. Mt 5,38-42), as leis opressoras (Mc 7,8-13), a injustiça (Mt 5,20), o medo (Mc 6,50), o sofrimento (Mc 6,55-56), o pecado (Mc 2,5) a morte (Mc 5,41-42; Lc 14,1-8). Ele combateu e expulsou o demônio.
A novidade da prática evangelizadora de Jesus transparece, sobretudo no novo jeito que ele tem de se relacionar com as pessoas e de ensinar as coisas: atenção às pessoas sem fazer distinção (Mt 22,16); ensina em qualquer lugar, acolhe todos como ouvintes e permite que mulheres o sigam com discípulas (Lc 8,1-3; Mc 15,41); usa linguagem simples em forma de parábolas; reflete a partir dos fatos da vida (Lc 21,1-4; 13,1-5; Mt 6,26); confronta os discípulos com os problemas do povo (Mc 6,37); ensina com autoridade sem citar “autoridades” (Mc 1,22); apresenta crianças como professoras de adultos (Mt 18,3); sendo livre, comunica liberdade aos que o cercam (Jo 8,32-36), e estes, por sua vez, criam coragem para transgredir tradições caducas (Mt 12,1-8). Jesus vive o que ensina; passa noites em oração (Lc 5,16; 6,12; 9,18.28; 22,41) e suscita nos outros a vontade de rezar (Lc 11,1).
A Boa Nova do Reino se encarna numa convivência humana. A prática de Jesus revela uma nova visão das coisas, um novo ponto de partida, uma nova ordem. Os valores básicos dessa nova ordem aparecem encarnados na pequena comunidade itinerante que se formou ao seu redor. Eis alguns deles: partilha dos bens ou caixa comum (Jo 13,29); igualdade básica de todos: “Vocês todos são irmãos” (Mt 23,8-10); poder como serviço: “Quem quiser ser o primeiro seja o servidor de todos” (Mc 9,35; Mt 20,24-28); Jo 13,14; Mt 23,11); convivência amiga a ponto de não ter mais segredos (Jo 15,15); novo relacionamento homem-mulher (Mt 19,1-9).
Estes pontos nos dão uma idéia de como era a prática evangelizadora de Jesus. Através da prática de Jesus, Deus se tornou uma Boa Nova para o povo.
A mística de Jesus é a mística das CEBs. Os sinais do Reino de Deus se encontram visíveis na Igreja através das CEBs, sinais como por exemplo: Criar comunidade (Mc 1,16-20); Fazer nascer consciência crítica (Mc 1,21-22); Restaurar a vida para o serviço (Mc 1,29-34); Permanecer unido ao Pai pela oração (Mc 1,35); Manter e aprofundar a consciência da missão (Mc 1,36-39); Reintegrar os marginalizados na convivência (Mc 1,40-45).
A missão de Jesus assumida pelas CEBs se resume em fazer brilhar o rosto de Deus na vida do povo. “Faze brilhar sobre nós a tua face e seremos salvos”(Sl 80,4). O rosto de Deus é luz que brilha na escuridão (2Pd 1,19). É a eterna Boa Nova para o povo oprimido. Sem este rosto tudo escurece. Quem não o conhece talvez não sinta a sua falta. Mas quem, como Jesus, o encontrou, já não sabe viver sem ele. O encontro com Ele revoluciona a vida, faz descobrir o que está errado em nós e ao redor de nós, e anima para a luta, a fim de recolocar tudo no seu devido lugar, como Deus o quer.
Com a ajuda do Espírito Santo de Deus, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) reproduzem nas suas vidas a prática evangelizadora de Jesus, revelando Deus ao povo, “a carta de Cristo, reconhecida e lida por todos os homens”(2Cor 3,2.3)
Lucimar Moreira Bueno (Lucia)
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