Segundo a Oxfam,
cerca de 3,5 bilhões de pessoas ganham, somadas as suas rendas, o mesmo que as
85 pessoas mais ricas do mundo.
A desigualdade mundial é tão
forte que até a Cúpula dos Ricos de Davos, que começou ontem, citou-a como uma
das grandes ameaças para a economia global. Um relatório da organização
humanitária Oxfam, divulgado na segunda-feira,
apresenta uma comparação que revela os extremos do desequilíbrio social em
pleno século XXI. Segundo os cálculos da Oxfam, a metade da
população mundial – cerca de 3,5 bilhões de pessoas – recebem o mesmo que as 85
pessoas mais ricas do planeta. Esta aparente confluência no diagnóstico, feita
por uma ONG que luta contra a pobreza global e o Fórum
Econômico Mundial, organizador de Davos, termina na identificação do problema.
Em uma pesquisa da consultora
internacional Pricewaterhouse Coopers, publicada
ontem, fica claro que as mil multinacionais que financiam o Fórum acreditam que a desregulação e a redução do
déficit fiscal são fundamentais para lidar com os problemas econômicos globais.
Discordando disso, a Oxfam considera
que é preciso acabar com os paraísos fiscais, promover um sistema tributário
progressivo e salários dignos, condições que são rejeitadas pelas
multinacionais.
O jornal Página/12 conversou com o chefe de Pequisas da Oxfam, Ricardo Fuentes-Nieva (foto),
a respeito dos desafios para se promover uma maior igualdade, em um mundo
globalizado.
Eis a entrevista.
A Oxfam está
participando em Davos e concordou com a avaliação do Fórum Econômico Mundial a
respeito dos perigos que a desigualdade apresenta. Entretanto, essa
concordância para por aí?
Em nosso relatório, vimos que em 24 dos 26 países
do mundo em que há informação estatística dos últimos 30 anos, a desigualdade
cresceu. Posto de outra forma, sete em cada 10 pessoas do mundo vivem em um
lugar mais desigual do que há 30 anos. Uma segunda conclusão de nosso relatório
é que os ricos têm uma crescente influência nos processos políticos, que
apresentam sérios problemas de legitimidade. Por último, pensamos que não há
razões para que isso continue assim. É uma questão que pode ser corrigida com
políticas concretas.
Justamente, o
caminho que vocês apresentam é totalmente o contrário daquilo que se promove em
Davos.
Nós acreditamos que deve haver um combate global
contra a evasão fiscal e os paraísos fiscais. O estouro financeiro de 2008
aprofundou a desigualdade, a partir dos programas de austeridade que foram
levados adiante para solucionar uma crise que teve sua origem nos mais ricos do
mundo e em sua especulação financeira. Os paraísos fiscais foram fundamentais
nesta especulação e constituem uma das chaves da ausência de financiamento dos
estados, pois distorcem a política governamental. Por um lado, forçam as
políticas de redução fiscal para os mais ricos, para que não recorram à evasão
e fuga de capital, por outro, impedem políticas sociais e econômicas que
reduziriam a desigualdade em razão da queda da arrecadação fiscal. Desde os
anos 1970, a carga tributária baixou para os ricos em 29 dos 30 países em que
existem dados disponíveis. Esta é uma política impulsionada pelo crescente
poder político dos ricos e o desequilíbrio em favor das corporações na
distribuição dos benefícios econômicos entre trabalhadores e o capital.
O argumento mais
citado em favor de salários baixos e vantagens fiscais é a competitividade das
empresas, em um mundo globalizado. Sem questionar a globalização atual, não
parece haver solução ao problema da desigualdade.
É um ponto muito importante. Parte desta
concentração da renda está relacionada à globalização que, ao mesmo tempo, teve
aspectos positivos, ajudando milhões de pessoas a saírem da pobreza. Porém, o
certo é que o salário real médio decresceu em muitos países. Também não se pode
dizer que este fenômeno se deve pura e exclusivamente à globalização. Os
avanços tecnológicos, que surgiram da globalização, foram enormes e geraram uma
redistribuição econômica para grupos que tem maior nível de educação. Contudo,
ao mesmo tempo, a concentração da renda, que vimos nos últimos dois anos, não
pode ser explicada por este fator, porque a globalização é um processo que está
em marcha há muito tempo.
Por muito tempo, a América Latina foi um dos lugares mais desiguais do
planeta. Como vocês avaliam a situação da região, nos últimos dez anos?
Acreditamos que ocorreram grandes progressos que demonstram que as coisas podem melhorar, caso exista vontade política. Programas sociais como Bolsa Família no Brasil, Trabalhar na Argentina, Chile Solidário eOportunidades no México, colocaram a América Latina na vanguarda de políticas inovadoras de intervenção estatal para lidar com a desigualdade. No entanto, é verdade que isto não foi suficiente. Os protestos no Chile ou no Brasil são sinais de que fica muito a desejar. Mesmo assim, a tendência é animadora na América Latina e muito melhor do que em outras partes do mundo.
O que pode ocorrer,
caso não se modifique esse panorama de crescente desigualdade global?
Estamos diante de um perigo de ruptura do contrato social e de uma dissolução da ideia de cidadania. Se os governos não refletem a vontade de grande parte da população, começam a perder legitimidade, dinamismo e colocam em risco a democracia, os direitos humanos e outras conquistas. Nesse sentido, independente se a avaliação que Davos faz, a respeito da desigualdade como uma das ameaças da economia mundial, é um mero exercício de relações públicas, acredito que não é interesse das próprias companhias de Davos que esta situação transborde. Este transbordamento não irá acontecer de um ano para o outro, mas há um risco de que a sociedade se torne esclerosada com um impacto concreto econômico e com um risco crescente de explosão social, porque, nesse momento, a desigualdade está afetando ao conjunto da sociedade de muitos países, incluindo as próprias classes médias, que foram uma das grandes perdedoras da crise de 2008.
Estamos diante de um perigo de ruptura do contrato social e de uma dissolução da ideia de cidadania. Se os governos não refletem a vontade de grande parte da população, começam a perder legitimidade, dinamismo e colocam em risco a democracia, os direitos humanos e outras conquistas. Nesse sentido, independente se a avaliação que Davos faz, a respeito da desigualdade como uma das ameaças da economia mundial, é um mero exercício de relações públicas, acredito que não é interesse das próprias companhias de Davos que esta situação transborde. Este transbordamento não irá acontecer de um ano para o outro, mas há um risco de que a sociedade se torne esclerosada com um impacto concreto econômico e com um risco crescente de explosão social, porque, nesse momento, a desigualdade está afetando ao conjunto da sociedade de muitos países, incluindo as próprias classes médias, que foram uma das grandes perdedoras da crise de 2008.
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