É preciso denunciar o que existe de diabólico, no Brasil e no mundo
O diabo é, na tradição cristã, a significativa encarnação do mal. Há variadas interpretações, religiosas e científicas, antigas e modernas, de como se dá a existência deste mal encarnado.
Muitas vezes ela é reduzida à imagem de uma entidade, representada de muitas formas, a depender da cultura e do clima social. Por isso as imagens variam de um homem vermelho, com tridente e rabo, a um galã elegante e sedutor, e são fonte de medo, de narrativas orais, teatrais ou cinematográficas, motivo de piadas ou de fantasia do Carnaval.
Na teologia cristã, o diabo é, porém, muito mais do que uma entidade. Compreender isto é ir à origem do termo:
o grego diabolos, o hebraico, Satan, “aquele que divide“, “provocador de confusão, discórdia”. Nesse sentido, enquanto Deus, o Criador, age para unir, harmonizar, trazer paz, o diabo trabalha na oposição: divide, confunde, traz violência. Mais do que uma entidade, diabolos é uma postura, um caráter.
É fato que temos de superar os binarismos certo-errado, legal-ilegal, bem-mal, entre outros. Em nome da vida, da paz e da justiça, precisamos, porém, chamar o mal pelo nome e denunciar o diabólico em curso.
É diabólico que Donald Trump, com poder sobre todo o arsenal bélico atômico dos Estados Unidos, faça uso de um discurso populista de incitação a uma cruzada militar contra não brancos e não cristãos no exterior, e acabe estimulando-a no seu próprio país.
É diabólico que as ações de grupos terroristas, que também o são, sejam usadas para se negar refúgio às massas de seres humanos sem nada que sofrem tanto os efeitos de abusos governamentais quanto de uma globalização econômica inumana.
É diabólico tratar as mudanças climáticas provocadas por este mesmo processo econômico devastador como um “devaneio de ecologistas”, enquanto Ilhas do Pacífico desaparecem, submersas por conta de erosão e aumento do nível do mar, desequilibrando o ambiente e desalojando populações inteiras.
É diabólico um governo que toma o poder para “devolver a dignidade ao Brasil” se revelar espúrio e ainda trabalhar para o capital financeiro conquistar espaços antes limitados e lucrar mais.
É diabólico decretar a pena de morte a jovens das periferias do Brasil pelo simples fato de terem a pele negra, assim como manifestar indiferença ou apoio a este extermínio.
Age diabolicamente quem promove e apoia estas ações. Nesse sentido, são diabólicas as grandes mídias, que negam ao público informação ampla e responsável, e tomam partido do poder inumano, incitando a confusão e promovendo ódio e negação do diálogo.
Estão também incluídas neste grupo, de forma contraditória, até mesmo lideranças religiosas que se apresentam como agentes de Deus e combatentes do Diabo nos espaços políticos e midiáticos. Já alertava Jesus de Nazaré: “Pelos frutos os conhecereis“. E os frutos que tais lideranças produzem na política, nas mídias, nas ruas, são divisão e confusão.
Mas sempre há chance de exorcizar o diabo: expeli-lo do processo. Por isso há que se ter esperança da presença de cidadãos e grupos, religiosos ou não, que atuam pela superação das ações diabólicas.
Há muita gente fazendo exorcismo com a produção de espaços de paz e diálogo, no oferecimento de fontes alternativas de informação, no chamado à paz com justiça. Esses indivíduos e grupos são, boa parte das vezes, invisíveis, por conta dos processos midiáticos diabólicos. A despeito disto eles/as estão por aí, como fermento na massa, tentando juntar e não dividir. Tentando in-formar (dar forma/dar liga) e não de-formar. Não vou dar nome ao Bem desta vez. Fica o “trabalho de casa”, para quem ler este texto, de fazer o exercício de identificar quem são e se somar a elas.
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Fonte: Texto de Magali do Nascimento Cunha, Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora e pesquisadora em mídia, religião e cultura da Universidade Metodista de São Paulo. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Publicado no blog Diálogos da Fé, de Carta Capital, 31/08/2017.
Fonte: site do CEBI
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