29 maio, 2019

Lei N. CCXCVII sobre a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis do Estado da Cidade do Vaticano


Lei N. CCXCVII sobre a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis do Estado da Cidade do Vaticano 

LEI N. CCXCVII SOBRE A PROTEÇÃO DOS MENORES E DAS PESSOAS VULNERÁVEIS

26 DE MARÇO DE 2019

O Santo Padre Francisco

— considerada a Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, de 26 de novembro de 2000;

— considerada a Lei sobre as Fontes do Direito n. LXXI, de 1 de outubro de 2008;

— considerado o Motu Proprio «Ai nostri tempi», de 11 de julho de 2013;

— considerada a Lei n. VIII, contendo normas complementares em matéria penal, de 11 de julho de 2013;

— considerada a Lei n. IX, contendo modificações no Código Penal e no Código de Processo Penal, de 11 de julho de 2013;

— considerada a Convenção sobre os Direitos da Criança, concluída em Nova Iorque a 20 de novembro de 1989, ratificada pela Santa Sé e também em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano em 20 de abril de 1990;

— considerado o Protocolo opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil, concluído em Nova Iorque a 25 de maio de 2000, ratificado pela Santa Sé e também em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano, em 24 de outubro de 2001;

adotou a seguinte

Lei

Artigo 1 (Âmbito de aplicação)

1. A presente lei aplica-se aos delitos referidos no Título II da Lei n. VIII, contendo normas complementares em matéria penal, de 11 de julho de 2013, e também aos delitos referidos nos artigos 372, 386, 389, 390 e 391 do Código Penal, no caso de serem cometidos em dano dum menor ou dum sujeito a ele equiparado.

2. Para efeitos da presente lei, é equiparada ao «menor» a «pessoa vulnerável».

3. É vulnerável toda a pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou privação da liberdade pessoal que de facto, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou querer e, em todo o caso, de resistir à ofensa.

Artigo 2 (Acusação e prazos de prescrição)

1. Os delitos referidos no artigo 1 são perseguíveis de ofício.

2. O prazo de prescrição dos delitos referidos no artigo 1 é de vinte anos e decorre, em caso de ofensa a um menor, a partir do momento em que este completa dezoito anos de idade.

Artigo 3 (Obrigação de denúncia)

1. Salvaguardado o sigilo sacramental, o funcionário público que, no exercício das suas funções, tiver notícia ou fundados motivos para considerar que um menor é vítima dum dos delitos referidos no artigo 1, deve apresentar denúncia sem demora, mesmo se os delitos foram cometidos alternadamente:

a) no território do Estado da Cidade do Vaticano;

b) em dano de residentes ou de cidadãos do Estado;

c) durante o exercício das suas funções, pelos funcionários públicos do Estado da Cidade do Vaticano ou pelos sujeitos referidos no ponto 3 do Motu Proprio «Ai nostri tempi», de 11 de julho de 2013.

2. Salvo se o facto constituir delito mais grave, o funcionário público que omite ou adia indevidamente a denúncia referida no parágrafo anterior é punido com multa que varia de mil a cinco mil euros. Se o facto for cometido por um agente ou oficial de polícia judiciária, a pena é a reclusão até seis meses.

3. Salvaguardado o sigilo sacramental, pode apresentar denúncia qualquer outra pessoa, inclusive totalmente alheia aos factos, que tenha conhecimento de comportamentos em dano de um menor.

4. Caso o procedimento seja contra um clérigo ou um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica, o promotor de justiça, recebida a denúncia, informa tempestivamente o Ordinário ou o Superior Maior competentes para a adoção das medidas previstas pelo direito canónico.

Artigo 4 (Medidas gerais de proteção)

No processo penal, a pessoa ofendida:

a) é informada sobre os direitos e serviços à sua disposição, e também, se fizer requerimento, sobre os resultados das sucessivas fases do processo;

b) é informada da adoção e da cessação, por qualquer título que seja, das providências restritivas da liberdade pessoal, provisórias ou definitivas, dispostas contra o arguido;

c) diretamente ou por intermédio do defensor, pode fornecer provas, solicitar a realização de específicas atividades de investigação e pedir para ser ouvida;

d) tem direito à tutela da própria imagem e privacidade, e também da confidencialidade dos dados pessoais;

e) tem direito à adoção de medidas idóneas para evitar um contacto direto com o arguido, excetuando as exigências inderrogáveis do processo.

Artigo 5 (Audição do menor)

Quando se procede à audição do menor:

a) o menor pode ser acompanhado pelo seu advogado, e também por uma pessoa de maior idade da sua confiança admitida pela autoridade que procede;

b) a audição do menor com menos de 14 anos é realizada sempre com o auxílio dum psicólogo e segundo modalidades adequadas ao objetivo. Do mesmo modo procede a Autoridade judicial em todos os outros casos em que julgue oportunas tais modalidades;

c) a deposição é documentada também através duma vídeo gravação, que deve ser incluída como prova em juízo.

Artigo 6 (Investigações)

1. O promotor de justiça solicita a adoção, mesmo em via provisória, das medidas necessárias para:

a) garantir a segurança e a integridade física da pessoa ofendida;

b) afastar o suspeito da pessoa ofendida ou doutros menores;

c) prevenir a repetição dos delitos;

d) tutelar a pessoa ofendida e a sua família de qualquer intimidação ou retaliação.

2. O promotor de justiça, caso os representantes legais se encontrem em conflito de interesses com o menor, pede ao juiz único para nomear um curador especial que, a cargo do Estado, represente os seus interesses.

3. O promotor de justiça, para tutela da pessoa ofendida:

a) assegura que as investigações sejam realizadas com caráter prioritário e no respeito pela dignidade e integridade física e psíquica da pessoa ofendida;

b) recebe sem demora a deposição da pessoa ofendida;

c) encaminha a pessoa ofendida para o Serviço de Acompanhamento referido no artigo 9.

4. O promotor de justiça, de acordo com a Direção dos Serviços de Segurança e Proteção Civil e com o Serviço de Acompanhamento referido no artigo 9, adota as diretrizes acerca das modalidades a seguir nas atividades de polícia judiciária que envolvam menores.

Artigo 7 (Julgamento)

Quando se procede por um dos delitos referidos no artigo 1, a Autoridade judicial, para tutela do menor:

a) pode ordenar que se proceda com as portas fechadas;

b) pode dispor que o menor deponha em videoconferência ou mediante o uso dum vidro-espelho com sistema de intercomunicação;

c) nos casos em que os representantes legais estejam em conflito de interesses com o menor, nomeia um curador especial que, a cargo do Estado, represente os seus interesses;

d) se o arguido for um clérigo ou um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica, juntamente com a sentença transmite cópia das atas do processo ao Ordinário ou ao Superior Maior competentes para a adoção das medidas previstas pelo direito canónico.

Artigo 8 (Direção de Saúde e Higiene)

1. O Presidente do Governatorato, por proposta da Direção de Saúde e Higiene, adota diretrizes para a tutela dos menores.

2. A Direção de Saúde e Higiene dispõe dum Serviço de Acompanhamento para as vítimas de abusos. Aquela individua, no seu âmbito, um perito qualificado, a quem confiar, na qualidade de Responsável, a coordenação de tal serviço.

Artigo 9 (Serviço de Acompanhamento)

O Serviço de Acompanhamento:

a) oferece um serviço de escuta;

b) garante a assistência médica e social às pessoas ofendidas e aos seus familiares, incluindo a assistência terapêutica e psicológica de urgência;

c) explica à pessoa ofendida os seus direitos e o modo de os fazer valer;

d) facilita o recurso da pessoa ofendida à Autoridade judicial;

e) tem em consideração o parecer e as necessidades da pessoa ofendida, tutelando a sua imagem e privacidade, e também a confidencialidade dos dados pessoais;

f) adota as diretrizes que forem necessárias para o tratamento dos menores.

Artigo 10 (Formação)

1. O Serviço de Acompanhamento proporciona aos menores, aos seus pais, formadores, educadores e responsáveis uma informação adequada sobre os riscos em matéria de exploração, de abuso sexual e de maus-tratos, e também sobre os meios úteis para individuar e prevenir tais ofensas.

2. O Departamento do Trabalho da Sé Apostólica organiza, de acordo com o Serviço de Acompanhamento, programas de formação para o pessoal do Governatorato acerca dos riscos em matéria de exploração, de abuso sexual e de maus-tratos dos menores, e também sobre os meios para individuar e prevenir estas ofensas e sobre a obrigação de denúncia.

Artigo 11 (Recrutamento do pessoal)

1. Na seleção e assunção do pessoal do Governatorato, e também de quantos prestam colaboração de forma voluntária, deve ser apurada a idoneidade do candidato para interagir com os menores.

2. A Comissão para a Seleção do pessoal recorre ao Serviço de Acompanhamento para adotar orientações e definir procedimentos com a finalidade de apurar a idoneidade dos candidatos.

Artigo 12 (Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no dia 1 de junho de 2019.

Ordenamos que o original da presente lei, munido com o selo do Estado, seja depositado no Arquivo das leis do Estado da Cidade do Vaticano e o texto correspondente seja publicado, para além do Suplemento de Acta Apostolicae Sedis, também mediante afixação no pátio de São Dâmaso, na porta dos Serviços do Governatorato e nos Serviços do Correio do Estado, enviando-o a todos quantos compete observá-lo e fazê-lo observar.

Cidade do Vaticano, 26 de março de 2019, sétimo ano do nosso Pontificado.

Francisco 

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