Lei N. CCXCVII sobre a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis do Estado da Cidade do Vaticano
LEI N. CCXCVII SOBRE A PROTEÇÃO DOS MENORES E DAS PESSOAS VULNERÁVEIS
26 DE MARÇO DE 2019
O Santo Padre Francisco
— considerada a Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, de 26 de novembro de 2000;
— considerada a Lei sobre as Fontes do Direito n. LXXI, de 1 de outubro de 2008;
— considerado o Motu Proprio «Ai nostri tempi», de 11 de julho de 2013;
— considerada a Lei n. VIII, contendo normas complementares em matéria penal, de 11 de julho de 2013;
— considerada a Lei n. IX, contendo modificações no Código Penal e no Código de Processo Penal, de 11 de julho de 2013;
— considerada a Convenção sobre os Direitos da Criança, concluída em Nova Iorque a 20 de novembro de 1989, ratificada pela Santa Sé e também em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano em 20 de abril de 1990;
— considerado o Protocolo opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil, concluído em Nova Iorque a 25 de maio de 2000, ratificado pela Santa Sé e também em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano, em 24 de outubro de 2001;
adotou a seguinte
Lei
Artigo 1 (Âmbito de aplicação)
1. A presente lei aplica-se aos delitos referidos no Título II da Lei n. VIII, contendo normas complementares em matéria penal, de 11 de julho de 2013, e também aos delitos referidos nos artigos 372, 386, 389, 390 e 391 do Código Penal, no caso de serem cometidos em dano dum menor ou dum sujeito a ele equiparado.
2. Para efeitos da presente lei, é equiparada ao «menor» a «pessoa vulnerável».
3. É vulnerável toda a pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou privação da liberdade pessoal que de facto, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou querer e, em todo o caso, de resistir à ofensa.
Artigo 2 (Acusação e prazos de prescrição)
1. Os delitos referidos no artigo 1 são perseguíveis de ofício.
2. O prazo de prescrição dos delitos referidos no artigo 1 é de vinte anos e decorre, em caso de ofensa a um menor, a partir do momento em que este completa dezoito anos de idade.
Artigo 3 (Obrigação de denúncia)
1. Salvaguardado o sigilo sacramental, o funcionário público que, no exercício das suas funções, tiver notícia ou fundados motivos para considerar que um menor é vítima dum dos delitos referidos no artigo 1, deve apresentar denúncia sem demora, mesmo se os delitos foram cometidos alternadamente:
a) no território do Estado da Cidade do Vaticano;
b) em dano de residentes ou de cidadãos do Estado;
c) durante o exercício das suas funções, pelos funcionários públicos do Estado da Cidade do Vaticano ou pelos sujeitos referidos no ponto 3 do Motu Proprio «Ai nostri tempi», de 11 de julho de 2013.
2. Salvo se o facto constituir delito mais grave, o funcionário público que omite ou adia indevidamente a denúncia referida no parágrafo anterior é punido com multa que varia de mil a cinco mil euros. Se o facto for cometido por um agente ou oficial de polícia judiciária, a pena é a reclusão até seis meses.
3. Salvaguardado o sigilo sacramental, pode apresentar denúncia qualquer outra pessoa, inclusive totalmente alheia aos factos, que tenha conhecimento de comportamentos em dano de um menor.
4. Caso o procedimento seja contra um clérigo ou um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica, o promotor de justiça, recebida a denúncia, informa tempestivamente o Ordinário ou o Superior Maior competentes para a adoção das medidas previstas pelo direito canónico.
Artigo 4 (Medidas gerais de proteção)
No processo penal, a pessoa ofendida:
a) é informada sobre os direitos e serviços à sua disposição, e também, se fizer requerimento, sobre os resultados das sucessivas fases do processo;
b) é informada da adoção e da cessação, por qualquer título que seja, das providências restritivas da liberdade pessoal, provisórias ou definitivas, dispostas contra o arguido;
c) diretamente ou por intermédio do defensor, pode fornecer provas, solicitar a realização de específicas atividades de investigação e pedir para ser ouvida;
d) tem direito à tutela da própria imagem e privacidade, e também da confidencialidade dos dados pessoais;
e) tem direito à adoção de medidas idóneas para evitar um contacto direto com o arguido, excetuando as exigências inderrogáveis do processo.
Artigo 5 (Audição do menor)
Quando se procede à audição do menor:
a) o menor pode ser acompanhado pelo seu advogado, e também por uma pessoa de maior idade da sua confiança admitida pela autoridade que procede;
b) a audição do menor com menos de 14 anos é realizada sempre com o auxílio dum psicólogo e segundo modalidades adequadas ao objetivo. Do mesmo modo procede a Autoridade judicial em todos os outros casos em que julgue oportunas tais modalidades;
c) a deposição é documentada também através duma vídeo gravação, que deve ser incluída como prova em juízo.
Artigo 6 (Investigações)
1. O promotor de justiça solicita a adoção, mesmo em via provisória, das medidas necessárias para:
a) garantir a segurança e a integridade física da pessoa ofendida;
b) afastar o suspeito da pessoa ofendida ou doutros menores;
c) prevenir a repetição dos delitos;
d) tutelar a pessoa ofendida e a sua família de qualquer intimidação ou retaliação.
2. O promotor de justiça, caso os representantes legais se encontrem em conflito de interesses com o menor, pede ao juiz único para nomear um curador especial que, a cargo do Estado, represente os seus interesses.
3. O promotor de justiça, para tutela da pessoa ofendida:
a) assegura que as investigações sejam realizadas com caráter prioritário e no respeito pela dignidade e integridade física e psíquica da pessoa ofendida;
b) recebe sem demora a deposição da pessoa ofendida;
c) encaminha a pessoa ofendida para o Serviço de Acompanhamento referido no artigo 9.
4. O promotor de justiça, de acordo com a Direção dos Serviços de Segurança e Proteção Civil e com o Serviço de Acompanhamento referido no artigo 9, adota as diretrizes acerca das modalidades a seguir nas atividades de polícia judiciária que envolvam menores.
Artigo 7 (Julgamento)
Quando se procede por um dos delitos referidos no artigo 1, a Autoridade judicial, para tutela do menor:
a) pode ordenar que se proceda com as portas fechadas;
b) pode dispor que o menor deponha em videoconferência ou mediante o uso dum vidro-espelho com sistema de intercomunicação;
c) nos casos em que os representantes legais estejam em conflito de interesses com o menor, nomeia um curador especial que, a cargo do Estado, represente os seus interesses;
d) se o arguido for um clérigo ou um membro dum Instituto de Vida Consagrada ou duma Sociedade de Vida Apostólica, juntamente com a sentença transmite cópia das atas do processo ao Ordinário ou ao Superior Maior competentes para a adoção das medidas previstas pelo direito canónico.
Artigo 8 (Direção de Saúde e Higiene)
1. O Presidente do Governatorato, por proposta da Direção de Saúde e Higiene, adota diretrizes para a tutela dos menores.
2. A Direção de Saúde e Higiene dispõe dum Serviço de Acompanhamento para as vítimas de abusos. Aquela individua, no seu âmbito, um perito qualificado, a quem confiar, na qualidade de Responsável, a coordenação de tal serviço.
Artigo 9 (Serviço de Acompanhamento)
O Serviço de Acompanhamento:
a) oferece um serviço de escuta;
b) garante a assistência médica e social às pessoas ofendidas e aos seus familiares, incluindo a assistência terapêutica e psicológica de urgência;
c) explica à pessoa ofendida os seus direitos e o modo de os fazer valer;
d) facilita o recurso da pessoa ofendida à Autoridade judicial;
e) tem em consideração o parecer e as necessidades da pessoa ofendida, tutelando a sua imagem e privacidade, e também a confidencialidade dos dados pessoais;
f) adota as diretrizes que forem necessárias para o tratamento dos menores.
Artigo 10 (Formação)
1. O Serviço de Acompanhamento proporciona aos menores, aos seus pais, formadores, educadores e responsáveis uma informação adequada sobre os riscos em matéria de exploração, de abuso sexual e de maus-tratos, e também sobre os meios úteis para individuar e prevenir tais ofensas.
2. O Departamento do Trabalho da Sé Apostólica organiza, de acordo com o Serviço de Acompanhamento, programas de formação para o pessoal do Governatorato acerca dos riscos em matéria de exploração, de abuso sexual e de maus-tratos dos menores, e também sobre os meios para individuar e prevenir estas ofensas e sobre a obrigação de denúncia.
Artigo 11 (Recrutamento do pessoal)
1. Na seleção e assunção do pessoal do Governatorato, e também de quantos prestam colaboração de forma voluntária, deve ser apurada a idoneidade do candidato para interagir com os menores.
2. A Comissão para a Seleção do pessoal recorre ao Serviço de Acompanhamento para adotar orientações e definir procedimentos com a finalidade de apurar a idoneidade dos candidatos.
Artigo 12 (Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor no dia 1 de junho de 2019.
Ordenamos que o original da presente lei, munido com o selo do Estado, seja depositado no Arquivo das leis do Estado da Cidade do Vaticano e o texto correspondente seja publicado, para além do Suplemento de Acta Apostolicae Sedis, também mediante afixação no pátio de São Dâmaso, na porta dos Serviços do Governatorato e nos Serviços do Correio do Estado, enviando-o a todos quantos compete observá-lo e fazê-lo observar.
Cidade do Vaticano, 26 de março de 2019, sétimo ano do nosso Pontificado.
Francisco
Nenhum comentário:
Postar um comentário