Os comentários – cautelosos ou apocalípticos ou
clarividentes - acerca da conjuntura, proliferam, nestes dias, nos meios de
comunicação.
Não vou repetir “o óbvio ululante”. O problema está em saber
ler a conjuntura à luz dos sinais dos tempos, descobrindo causas, interesses,
“efeitos colaterais”, jogos de vida ou morte para a família humana.
A obra de Pedro
Casaldáliga
Nesta hora kairós de mundialização e de maturidade de
consciência, que é simultaneamente uma hora nefasta de novas prepotências, de
macroditaduras, de fundamentalismos e de radicalizações, se impõe para nós,
como um dom e como uma conquista, o diálogo, interpessoal, intercultural,
ecuménico e macroecuménico.
Um diálogo de pensamentos,
de palavras e de corações.
Não a simples tolerância, que se parece demais com a guerra
fria, mas a convivência cálida, a acolhida, a complementariedade.
Esses processos de mudança, que são sonho e missão, reclamam de todos nós, cristãos ou não, uma
forte espiritualidade, uma mística de vida.
Cada qual a viverá segundo a respectiva fé, porém sem essa
espiritualidade não se faz caminho.
Pensando nisso, e a raíz do retiro espiritual que celebramos
todos os anos a equipe pastoral da Prelazia à beira do Araguaia, naquele morro
acolhedor de Santa Terezinha, eu resumia
assim essa espiritualidade, tão nova e tão antiga, como sendo
espiritualidade de:
1. Contemplação
confiada
Abrindo-se mais gratuitamente ao Deus Abbá, que é, por
autodefinição suprema, misericórdia, amor.
Uma contemplação mais
necessária do que nunca nestes tempos de eficiências imediatas e de
visibilidades.
Confiada, digo, porque tenho a impressão de que volta – o
quiçá nunca foi embora- a religião do medo, do castigo, da prosperidade ou do
fracasso, segundo como a gente se haver com Deus. Falta-nos, pois, confiança
filial, infância evangêlica, a descontraida liberdade dos pequenos do Reino.
2. Coerência
testemunhante
Tem-se repetido até a saciedade que vivemos na civilização
da imagem, que o mundo quer “ver”.
O testemunho foi sempre uma espécie de definição do ser
cristão. “Vocês serão minhas testemunhas”, dizia Ele por toda recomendação, por
todo testamento.
E esse testemunho, hoje mais do que nunca, quando tudo se vê
e tudo se sabe, tem de ser coerente, sem
fisuras, na vida pessoal e na gestão estrutural da Igreja (que poderá ser a
Igreja Católica ou uma Igreja Evangélica, o Vaticano, uma diocese, uma
congregação religiosa, uma comunidade).
Veracidade e transparência pede o mundo, tão submetido à
mentira e à corrupção.
3. Convivência
fraterno-sororal
A isso se reduz o mandamento novo. Este é o desafio maior e
o mais cotidiano para as pessoas, para as comunidades, para os povos.
Conviver, não
coexistir apenas; conviver carinhosamente em fraternura e sororidade; não
apenas em tolerância mútua. Ajudar a tornar a vida agradável.
Ser “sal da terra” deve significar isso também.
4. Acolhida gratuita
e serviçal
Capacidade de encontro e de diaconia. Não somente descer do
burro e atender o caído quando por casualidade a gente o encontrar à beira do
caminho, mas se fazer encontradiço.
Acolher ás vezes somente com uma palavra ou com um sorriso,
porém acolher sempre, gratuitamente. Fazer de todos os ministérios e de todas
as profissões aquele serviço desinteressado e generoso que nos propunha aquele
Senhor que não veio a ser servido mas a servir.
É mais facil celebrar uma eucaristia ritual que exercer um
lava-pés engajado.
5. Compromisso
profético
Continua a ser a hora, e talvez mais do que nunca, de se comprometer proféticamente contra o
deus neoliberal da morte e da exclusão e em favor do Deus do Reino da Vida
e da Libertação.
É preciso sugar da fé toda a sua força política.
Fazer da profecia uma espécie de hábito conatural -fruto
específico do batismo para os cristãos e cristãs-, de denúncia, de anúncio, de
consolação.
A caridade
socio-política é a caridade mais estrutural. Vai às causas, não somente aos
efeitos. Cuida a Vida. Transforma a História. Faz Reino.
6. Esperança pascal
Depois da “morte de Deus” e da “morte da Humanidade”, nesta
posmodernidade facilmente sem sentido, e já no “final da história”, parece que
a esperança não tem muito a fazer. Hoje,
mais do que nunca, se impõe a esperança!. Ela é a virtude dos “depois de”.
“Contra toda esperança” (produtivista, consumista,
imediatista, pasiva), esperamos.
Devemos proclamar humildemente, porém sem complexos, nossa
esperança pascal e escatológica. E devemos torná-la crível aquí e agora. Porque esperamos, agimos. O tempo e a
história são o espaço sacramental da esperança.
Pedro Casaldáliga, Carta Cirular de 2002.
Fonte: les causes de Casaldáliga - Associação Araguaia i
ANSA
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