EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
PÓS-SINODAL - QUERIDA AMAZONIA
QUERIDA AMAZONIA
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO POVO DE DEUS E A TODAS AS PESSOAS DE BOA VONTADE
ÍNDICE
A Amazónia querida [1]
O sentido desta Exortação [2-4]
Sonhos para a Amazónia [5-7]
Capítulo I
UM SONHO SOCIAL
Injustiça e crime [9-14]
Indignar-se e pedir perdão [15-19]
Sentido comunitário [20-22]
Instituições degradadas [23-25]
Diálogo social [26-27]
Capítulo II
UM SONHO CULTURAL
O poliedro amazónico [29-32]
Cuidar das raízes [33-35]
Encontro intercultural [36-38]
Culturas ameaçadas, povos em risco [39-40]
Capítulo III
UM SONHO ECOLÓGICO
Esse sonho feito de água [43-46]
O grito da Amazónia [47-52]
A profecia da contemplação [53-57]
Educação e hábitos ecológicos [58-60]
Capítulo IV
UM SONHO ECLESIAL
O anúncio indispensável na Amazónia [62-65]
A inculturação [66-69]
Caminhos de inculturação na Amazónia [70-74]
Inculturação social e espiritual [75-76]
Pontos de partida para uma santidade amazónica [77-80]
A inculturação da liturgia [81-84]
A inculturação do ministério [85-90]
Comunidade cheias de vida [91-98]
A força e o dom das mulheres [99-103]
Ampliar horizontes para além dos conflitos [104-105]
A convivência ecuménica e inter-religiosa [106-110]
Conclusão
A Mãe da Amazónia
[111]
1. A Amazónia querida apresenta-se aos olhos do mundo com
todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério. Deus concedeu-nos a graça
de a termos presente de modo especial no Sínodo que se realizou em Roma de 6 a
27 de outubro de 2019, concluindo com o Documento Amazónia: Novos Caminhos para
a Igreja e para uma Ecologia Integral.
O sentido desta
Exortação
2. Ouvi as intervenções ao longo do Sínodo e li, com
interesse, as contribuições dos Círculos Menores. Com esta Exortação, quero
expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e
discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas
no Documento conclusivo; não pretendo substitui-lo nem repeti-lo. Desejo apenas
oferecer um breve quadro de reflexão que encarne na realidade amazónica uma
síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas por mim em documentos
anteriores, que ajude e oriente para uma receção harmoniosa, criativa e
frutuosa de todo o caminho sinodal.
3. Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o
citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram
muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a
problemática da Amazónia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam
apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a
lê-lo integralmente.
4. Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e
interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e
os fiéis-leigos da Amazónia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma
forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.
Sonhos para a
Amazónia
5. A Amazónia é um todo plurinacional interligado, um grande
bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana,
Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao
mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e
solicitude por esta terra, que também é «nossa», convidando-o a admirá-la e
reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja
às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas
questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras
regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.
6. Tudo o que a
Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo,
para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a
riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a
espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta
breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a
Amazónia me inspira:
7. Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais
pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua
dignidade promovida.
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a
carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza
natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas
florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e
encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços
amazónicos.
Capítulo I
UM SONHO SOCIAL
8. O nosso é o sonho duma Amazónia que integre e promova
todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se
um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do
desastre ecológico que a Amazónia está a enfrentar, deve-se notar que «uma
verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve
integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor
da terra como o clamor dos pobres»[1]. Não serve um conservacionismo «que se
preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazónicos»[2].
Injustiça e crime
9. Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente,
fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que
foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e
afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu:
«São muitas as árvores
onde morou a tortura e vastas as florestas compradas entre mil mortes»[3]. «Os
madeireiros têm parlamentares e nossa Amazónia não tem quem a defenda (…) Mandam
em exílio os papagaios e os macacos (…) Já não será igual a colheita da
castanha»[4].
10. Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes
dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real
libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e
miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje
habita a maior parte da população da Amazónia, crescem também a xenofobia, a
exploração sexual e o tráfico de pessoas. Por isso o clamor da Amazónia não
brota apenas do coração das florestas, mas também do interior das suas cidades.
11. Não é necessário repetir aqui as análises tão
abrangentes e completas que foram apresentadas antes e durante o Sínodo. Mas
lembremos ao menos uma das vozes ouvidas: «Estamos sendo afetados pelos
madeireiros, criadores de gado e outros terceiros. Ameaçados por agentes
económicos que implementam um modelo alheio em nossos territórios. As empresas
madeireiras entram no território para explorar a floresta, nós cuidamos da
floresta para nossos filhos, dispomos de carne, pesca, remédios vegetais,
árvores frutíferas (…). A construção de hidroelétricas e o projeto de hidrovias
têm impacto sobre o rio e sobre os territórios (…). Somos uma região de territórios
roubados»[5].
12. Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava «a devastação
ambiental da Amazónia e as ameaças à dignidade humana das suas populações»[6].
Desejo acrescentar que muitos dramas tiveram a ver com uma falsa «mística
amazónica»: é sabido que, desde os últimos decénios do século passado, a
Amazónia tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser preenchido,
como uma riqueza em estado bruto que se deve aprimorar, como uma vastidão
selvagem que precisa de ser domada. E, tudo isto, numa perspetiva que não
reconhece os direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não
existissem e como se as terras onde habitam não lhes pertencessem. Nos próprios
programas educacionais de crianças e jovens, os indígenas apareciam como intrusos
ou usurpadores. As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e
sobreviver não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que nos
temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer
outro e com direitos adquiridos.
13. Para aumentar esta confusão, contribuíram alguns
slogans, nomeadamente o de «não entregar»[7], como se a citada sujeição fosse
provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios poderes locais,
com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o objetivo de
devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida
que abriga. Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do
ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e
conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido. A
disparidade de poder é enorme, os fracos não têm recursos para se defender,
enquanto o vencedor continua a levar tudo, «os povos pobres ficam sempre pobres
e os ricos tornam-se cada vez mais ricos»[8].
14. Às operações económicas, nacionais ou internacionais,
que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao
território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há
que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas
sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a
própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros,
a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as
florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações
económicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos
desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida
aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios
florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo
isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que
atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter
os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram
expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se
transforme num «novo tipo de colonialismo»[9].
Indignar-se e pedir
perdão
15. É preciso indignar-se[10], como se indignou Moisés (cf.
Ex 11, 8), como Se indignava Jesus (cf. Mc 3, 5), como Se indigna Deus perante
a injustiça (cf. Am 2, 4-8; 5, 7-12; Sal 106/105, 40). Não é salutar habituarmo-nos
ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto
«um rasto de delapidação, inclusive de morte, por toda a nossa região, (…)
coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do habitat dos
camponeses e indígenas»[11]. Os casos de injustiça e crueldade verificados na
Amazónia, ainda durante o século passado, deveriam gerar uma profunda repulsa e
ao mesmo tempo tornar-nos mais sensíveis para também reconhecer formas atuais
de exploração humana, violência e morte. Por exemplo, a propósito do passado
vergonhoso, recolhamos uma narração dos sofrimentos dos indígenas da época da
borracha na Amazónia venezuelana: «Os nativos não recebiam dinheiro, mas apenas
mercadorias, e caras, que nunca acabavam de pagar. (...) Pagava, mas diziam ao
indígena: “Ainda estás a dever tanto” e o indígena tinha que voltar a trabalhar
(...). Mais de vinte aldeias ye’kuana foram completamente arrasadas. As
mulheres ye’kuana foram violadas e seus seios cortados; as grávidas
desventradas. Aos homens, cortavam-lhes os dedos das mãos ou os pulsos, para
não poderem navegar (...), juntamente com outras cenas do sadismo mais
absurdo»[12].
16. Esta história de sofrimento e desprezo não se cura
facilmente. E a colonização não para; embora em muitos lugares se transforme,
disfarce e dissimule[13], todavia não perde a sua prepotência contra a vida dos
pobres e a fragilidade do meio ambiente. Os bispos da Amazónia brasileira
recordaram que «a história da Amazónia revela que foi sempre uma minoria que
lucrava à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das
riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milénios
e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados»[14].
17. Ao mesmo tempo que nos deixamos tomar por uma sã
indignação, lembremo-nos de que sempre é possível superar as diferentes
mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e
desenvolvimento: «o desafio é assegurar uma globalização na solidariedade, uma
globalização sem marginalização»[15]. Podem-se encontrar alternativas de
pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes
dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das
culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais
pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e
empoderamento. É precisamente nestes objetivos que se mede a verdadeira
solércia e a genuína capacidade dos políticos. Não servirá para devolver aos
mortos a vida que lhes foi negada, nem para compensar os sobreviventes daqueles
massacres, mas ao menos para hoje sermos todos realmente humanos.
18. Anima-nos recordar que, no meio dos graves excessos da
colonização da Amazónia, cheia de «contradições e lacerações»[16], muitos
missionários chegaram lá com o Evangelho, deixando os seus países e aceitando
uma vida austera e desafiadora junto dos mais desprotegidos. Sabemos que nem
todos foram exemplares, mas o trabalho de quantos se mantiveram fiéis ao
Evangelho também inspirou «uma legislação, como as Leis das Índias, que
protegiam a dignidade dos indígenas contra as violações de seus povos e
territórios»[17]. E dado que frequentemente eram os sacerdotes que protegiam os
indígenas de ladrões e abusadores, aqueles «pediam-nos insistentemente – contam
os missionários – que não os abandonássemos e faziam-nos prometer que
voltaríamos novamente»[18].
19. E, nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos
comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazónicos, «para
poder exercer com transparência o seu papel profético».[19] Entretanto como não
podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem
sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez «peço
humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos
crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América»[20] e
pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazónia.
Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, «com a vossa
vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão
que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum».[21]
Sentido comunitário
20. A luta social implica capacidade de fraternidade, um
espírito de comunhão humana. Então, sem diminuir a importância da liberdade
pessoal, ressalta-se que os povos nativos da Amazónia possuem um forte sentido
comunitário. Vivem assim «o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos,
os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os espaços particulares –
típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um caminho comunitário onde as
tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem
comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu
território»[22]. Estas relações humanas estão impregnadas pela natureza
circundante, porque a sentem e percebem como uma realidade que integra a sua
sociedade e cultura, como um prolongamento do seu corpo pessoal, familiar e de
grupo:
«Aquele luzeiro se
aproxima revolteiam os beija-flores mais do que a cascata troa meu coração
com esses teus lábios
regarei a terra possa o vento jogar em nós»[23].
21. Isto multiplica o efeito desintegrador do
desenraizamento que vivem os indígenas forçados a emigrar para a cidade,
procurando sobreviver, por vezes de forma não digna, no meio dos costumes
urbanos mais individualistas e dum ambiente hostil. Como sanar um dano tão
grave? Como reconstruir estas vidas desenraizadas? À vista desta realidade, é
preciso valorizar e acompanhar todos os esforços que fazem muitos destes grupos
para preservar os seus valores e estilo de vida e integrar-se nos contextos novos
sem os perder, antes pelo contrário oferecendo-os como uma própria contribuição
para o bem comum.
22. Cristo redimiu o
ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se
relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do
Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto
de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro. A sabedoria
do estilo de vida dos povos nativos – mesmo com todos os limites que possa ter –
estimula-nos a aprofundar tal anseio. Por esta razão, os bispos do Equador
solicitaram «um novo sistema social e cultural que privilegie as relações
fraternas, num quadro de reconhecimento e valorização das diferentes culturas e
dos ecossistemas, capaz de se opor a todas as formas de discriminação e domínio
entre os seres humanos»[24].
Instituições
degradadas
23. Na Encíclica Laudato si’, lembramos que, «se tudo está
relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem
consequências no ambiente e na qualidade de vida humana (…). Dentro de cada um
dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as
relações humanas. Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda
da liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são governados por um
sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo»[25].
24. Como estão as instituições da sociedade civil na
Amazónia? O Instrumentum laboris do Sínodo, que reúne muitas contribuições de
pessoas e grupos da Amazónia, refere-se a «uma cultura que envenena o Estado e
suas instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as
comunidades indígenas. Trata-se de um verdadeiro flagelo moral; como resultado,
perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que
desacredita totalmente a política e as organizações sociais. Os povos
amazónicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais
vítimas»[26].
25. Não podemos excluir que membros da Igreja tenham feito
parte das redes de corrupção, por vezes chegando ao ponto de aceitar manter
silêncio em troca de ajudas económicas para as obras eclesiais. Por isso mesmo,
chegaram ao Sínodo propostas que convidavam a «prestar uma atenção especial à
procedência de doações ou outro tipo de benefícios, assim como aos
investimentos realizados pelas instituições eclesiásticas ou pelos
cristãos»[27].
Diálogo social
26. A Amazónia deveria ser também um local de diálogo
social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas
de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como
«convidados», procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que
enriqueçam a Amazónia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos
últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais
um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores,
dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de
justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas
propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a
voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazónia. E a grande questão
é: Como imaginam eles o «bem viver» para si e seus descendentes?
27. O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção
preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também
respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo
«como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo
de viver e trabalhar. Caso contrário, o resultado será, como sempre, «um
projeto de poucos para poucos»[28], quando não «um consenso de escritório ou
uma paz efémera para uma minoria feliz»[29]. Se tal acontecer, «é necessária
uma voz profética»[30] e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir.
Daqui nasce o sonho sucessivo...
Capítulo II
UM SONHO CULTURAL
28. O objetivo é promover a Amazónia; isto, porém, não
implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora
o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem
desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir.
Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o
mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e
que estão ameaçadas hoje mais do que nunca.
O poliedro amazónico
29. Na Amazónia, vivem muitos povos e nacionalidades, sendo
mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV)[31]. A
sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários
dum tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver
apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna. Temos que
evitar de os considerar como «selvagens não-civilizados»; simplesmente criaram
culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registaram
um nível notável de desenvolvimento[32].
30. Antes da colonização, os centros habitados
concentravam-se nas margens dos rios e lagos, mas o avanço da colonização
expulsou os antigos habitantes para o interior da floresta. Hoje, a crescente
desertificação obriga a novas deslocações muitos, que acabam por ocupar as
periferias ou as calçadas das cidades por vezes numa situação de miséria
extrema, mas também de dilaceração interior devido à perda dos valores que os
sustentavam. Neste contexto, habitualmente perdem os pontos de referência e as
raízes culturais que lhes conferiam uma identidade e um sentido de dignidade e
vão alongar a fila dos descartados. Assim interrompe-se a transmissão cultural
duma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração. As
cidades, que deveriam ser lugares de encontro, enriquecimento mútuo e
fecundação entre diferentes culturas, tornam-se palco dum doloroso descarte.
31. Cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazónia, possui
a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo
multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com
o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de
entender com esquemas mentais alheios:
«Havia outrora uma paisagem que despontava com seu rio, seus
animais, suas nuvens e suas árvores. Às vezes, porém, quando não se via em lado
nenhum a paisagem com seu rio e suas árvores, competia a tais coisas assomar à
mente dum garotinho»[33].
«Do rio, fazes o teu
sangue (…).
Depois planta-te, germina
e cresce que tua raiz se agarre à terra mais e mais para sempre
e, por último, sê
canoa, barco, jangada, solo, jarra, estábulo e homem»[34].
32. Os grupos humanos, seus estilos de vida e cosmovisões
são tão variados como o território, pois tiveram que se adaptar à geografia e
aos seus recursos. Não são iguais as aldeias de pescadores às de caçadores, nem
as aldeias de agricultores do interior às dos cultivadores de terras sujeitas a
inundações. Além disso, na Amazónia, encontram-se milhares de comunidades de
indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua
vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana.
Deus manifesta-Se, reflete algo da sua beleza inesgotável através dum
território e das suas caraterísticas, pelo que os diferentes grupos, numa
síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de
sabedoria. Quantos de nós observamos de fora deveríamos evitar generalizações
injustas, discursos simplistas ou conclusões elaboradas apenas a partir das
nossas próprias estruturas mentais e experiências.
Cuidar das raízes
33. Quero lembrar agora que «a visão consumista do ser
humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a
homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um
tesouro da humanidade»[35]. Isto afeta muito os jovens, quando se tende a
«dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos
manipuláveis feitos em série»[36]. Para evitar esta dinâmica de empobrecimento
humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de
enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios»[37].
Convido os jovens da Amazónia, especialmente os indígenas, a «assumir as
raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e
frutificar»[38]. Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a
história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma
fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e
corajosas.
34. Durante séculos, os povos amazónicos transmitiram a sua
sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas, narrações, como
sucedia com «aqueles primitivos jograis que percorriam as florestas contando
histórias de aldeia em aldeia, mantendo assim viva uma comunidade que, sem o
cordão umbilical destas histórias, a distância e a falta de comunicação teriam
fragmentado e dissolvido»[39]. Por isso, é importante «deixar que os idosos
contem longas histórias»[40] e que os jovens se detenham a beber desta fonte.
35. Enquanto o risco de perder esta riqueza cultural é cada
vez maior, nos últimos anos – graças a Deus – alguns povos começaram a escrever
para contar as suas histórias e descrever o significado dos seus costumes.
Assim, eles próprios podem reconhecer explicitamente que há algo mais do que
uma identidade étnica e que são depositários de preciosas memórias pessoais,
familiares e coletivas. Alegra-me ver aqueles que perderam o contacto com as
suas raízes tentarem recuperar a memória danificada. Por outro lado, nos
próprios setores profissionais, começou a desenvolver-se uma maior perceção da
identidade amazónica, tornando-se a Amazónia – mesmo para eles, muitas vezes
descendentes de imigrantes – fonte de inspiração artística, literária, musical,
cultural. As várias expressões artísticas, particularmente a poesia,
deixaram-se inspirar pela água, a floresta, a vida que se agita, bem como pela
diversidade cultural e os desafios ecológicos e sociais.
Encontro
intercultural
36. As culturas da Amazónia profunda, como aliás toda a
realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente
também as têm. Fatores, como o consumismo, o individualismo, a discriminação, a
desigualdade e muitos outros, constituem aspetos frágeis das culturas
aparentemente mais evoluídas. As etnias que desenvolveram um tesouro cultural
em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente
das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim,
far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida.
37. É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa
comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas. Deste modo a diferença,
que pode ser uma bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A
identidade e o diálogo não são inimigos. A própria identidade cultural
aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo
autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece. Por isso, não é
minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico,
estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode
tornar-se estéril, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas
antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do
homem»[41]. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se
da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas
deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não
progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza
a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta
se abram ingenuamente à «civilização».
38. Na Amazónia, mesmo entre os distintos povos nativos, é
possível desenvolver «relações interculturais onde a diversidade não significa
ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo
a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento
e de reavivamento da esperança»[42].
Culturas ameaçadas, povos em risco
39. A economia globalizada danifica despudoradamente a
riqueza humana, social e cultural. A desintegração das famílias, que resulta
das migrações forçadas, afeta a transmissão dos valores, porque «a família é, e
sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as
nossas culturas»[43]. Além disso, «diante duma invasão colonizadora maciça dos
meios de comunicação», é necessário promover para os povos nativos
«comunicações alternativas, a partir das suas próprias línguas e culturas», e que
«os próprios indígenas se façam protagonistas presentes nos meios de
comunicação já existentes»[44].
40. Em qualquer projeto para a Amazónia, «é preciso assumir
a perspetiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de
compreender que o desenvolvimento dum grupo social (...) requer constantemente
o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem
mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro
do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano»[45]. E se as
culturas ancestrais dos povos nativos nasceram e se desenvolveram em estreito
contacto com o ambiente natural circundante, dificilmente podem ficar ilesas
quando se deteriora este ambiente.
Isto abre passagem ao sonho sucessivo...
Capítulo III
UM SONHO ECOLÓGICO
41. Numa realidade cultural como a Amazónia, onde existe uma
relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre
cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do
seu meio ambiente e defendê-lo[46] e – mais importante ainda – ajudar o coração
do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que
existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que
primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do
ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que
precisamos. Na Amazónia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando
dizia que, «ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos
designar “humana”, a qual, por sua vez, requer uma “ecologia social”. E isto
requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações
existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a
ecologia humana»[47]. Esta insistência em que «tudo está interligado»[48] vale
especialmente para um território como a Amazónia.
42. Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas
são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde «a floresta
não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se
relacionar»[49]. A sabedoria dos povos nativos da Amazónia «inspira o cuidado e
o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o
seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e
irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro»[50]. Os indígenas,
«quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuidam»,[51] desde
que não se deixem enredar pelos cantos das sereias e pelas ofertas
interesseiras de grupos de poder. Os danos à natureza preocupam-nos, de maneira
muito direta e palpável, porque – dizem eles – «somos água, ar, terra e vida do
meio ambiente criado por Deus. Por conseguinte, pedimos que cessem os maus-tratos
e o extermínio da “Mãe Terra”. A terra tem sangue e está sangrando, as
multinacionais cortaram as veias da nossa “Mãe Terra”»[52].
Esse sonho feito de
água
43. Na Amazónia, a água é a rainha; rios e córregos lembram
veias, e toda a forma de vida brota dela: «Ali, no pleno dos estios quentes,
quando se diluem, mortas nos ares parados, as últimas lufadas de leste, o
termómetro é substituído pelo higrómetro na definição do clima. As existências
derivam numa alternativa dolorosa de vazantes e enchentes dos grandes rios.
Estas alteiam-se sempre de um modo assombrador. O Amazonas referto salta fora
do leito, levanta em poucos dias o nível das águas. A enchente é uma paragem na
vida. Preso nas malhas dos igarapés, o homem aguarda, então, com estoicismo raro
ante a fatalidade incoercível, o termo daquele inverno paradoxal, de
temperaturas altas. A vazante é o verão. É a revivescência da atividade
rudimentar dos que ali se agitam, do único modo compatível com uma natureza que
se excede em manifestações dispares tornando impossível a continuidade de
quaisquer esforços»[53].
44. A água encanta no grande Amazonas, que abraça e vivifica
tudo ao seu redor:
«Amazonas, capital das
sílabas d'água, pai patriarca, és a eternidade secreta das fecundações,
chegam-te rios como
pássaros»[54].
45. Além disso é a coluna vertebral que harmoniza e une: «O
rio não nos separa; mas une-nos, ajudando-nos a conviver entre diferentes
culturas e línguas»[55]. Embora seja verdade que, neste território, há muitas
«Amazónias», o seu eixo principal é o grande rio, filho de muitos rios: «Da
altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende,
e traça trémula um risco na pele antiga da pedra: o Amazonas acaba de nascer. A
cada instante ele nasce. Desce devagar, para crescer no chão. Varando verdes,
faz o seu caminho e se acrescenta. Aguas subterrâneas afloram para abraçar-se
com a água que desceu dos Andes. De mais alto ainda, desce a água celeste.
Reunidas elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa
planície (...). É a Grande Amazónia, toda ela no trópico húmido, com a sua
floresta compacta e atordoante, onde ainda palpita, intocada pelo homem, a vida
que se foi urdindo nas intimidades da água (...). Desde que o homem a habita,
ergue-se das funduras das suas águas e dos altos centros de sua floresta um
terrível temor: a de que essa vida esteja, devagarinho, tomando o rumo do
fim»[56].
46. Os poetas populares, enamorados da sua imensa beleza,
procuraram expressar o que este rio lhes fazia sentir e a vida que ele oferece
à sua passagem, com uma dança de delfins, anacondas, árvores e canoas. Mas
lamentam também os perigos que a ameaçam. Estes poetas, contemplativos e
proféticos, ajudam a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que
sufoca a natureza e nos deixa sem uma existência verdadeiramente digna: «Sofre
o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em
pano e da cabeça em aço (...). Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil,
do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autómato
com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões. A esse mundo, só a
poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz»[57].
O grito da Amazónia
47. A poesia ajuda a expressar uma dolorosa sensação que
muitos compartilhamos hoje. A verdade ineludível é que, nas condições atuais,
com este modo de tratar a Amazónia, tanta riqueza de vida e de tão grande
beleza estão «tomando o rumo do fim», embora muitos pretendam continuar a crer
que tudo vai bem, como se nada acontecesse:
«Aqueles que pensavam
que o rio fosse uma corda para jogar, enganavam-se.
O rio é uma veia muito
subtil sobre a face da terra. (…) O rio é uma corda onde se agarram os animais
e as árvores. Se o puxarem demais, o rio poderia rebentar. Poderia explodir e
lavar-nos a cara com a água e com o sangue»[58].
48. O equilíbrio da terra depende também da saúde da
Amazónia. Juntamente com os biomas do Congo e do Bornéu, deslumbra pela
diversidade das suas florestas, das quais dependem também os ciclos das chuvas,
o equilíbrio do clima e uma grande variedade de seres vivos. Funciona como um
grande filtro do dióxido de carbono, que ajuda a evitar o aquecimento da terra.
Em grande parte, o solo é pobre em húmus, de modo que a floresta «cresce
realmente sobre o solo e não do solo»[59]. Quando se elimina a floresta, esta
não é substituída, ficando um terreno com poucos nutrientes que se transforma
num território desértico ou pobre em vegetação. Isto é grave, porque, nas
entranhas da floresta amazónica, subsistem inúmeros recursos que poderiam ser
indispensáveis para a cura de doenças. Os seus peixes, frutos e outros dons
sobreabundantes enriquecem a alimentação humana. Além disso, num ecossistema
como o amazónico, é incontestável a importância de cada parte para a
conservação do todo. As próprias terras costeiras e a vegetação marinha
precisam de ser fertilizadas por aquilo que o rio Amazonas arrasta. O grito da
Amazónia chega a todos, porque a «conquista e exploração de recursos (...) hoje
chega a ameaçar a própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como
“recurso” corre o perigo de ameaçar o ambiente como “casa”»[60]. O interesse de
algumas empresas poderosas não deveria ser colocado acima do bem da Amazónia e
da humanidade inteira.
49. Não basta prestar atenção à preservação das espécies
mais visíveis em risco de extinção. É crucial ter em conta que, «para o bom
funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os fungos, as algas, os
vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de
micro-organismos. Algumas espécies pouco numerosas, que habitualmente nos
passam despercebidas, desempenham uma função censória fundamental para
estabelecer o equilíbrio dum lugar»[61]. E isto facilmente se ignora na
avaliação do impacto ambiental dos projetos económicos de indústrias
extrativas, energéticas, madeireiras e outras que destroem e poluem. Além disso
a água, que abunda na Amazónia, é um bem essencial para a sobrevivência humana,
mas as fontes de poluição vão aumentando cada vez mais[62].
50. Com efeito, além dos interesses económicos de
empresários e políticos locais, existem também «os enormes interesses
económicos internacionais»[63]. Por isso, a solução não está numa
«internacionalização» da Amazónia[64], mas a responsabilidade dos governos
nacionais torna-se mais grave. Pela mesma razão, «é louvável a tarefa de
organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as
populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos
sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e
não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país,
sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais»[65].
51. Para cuidar da Amazónia, é bom conjugar a sabedoria
ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre
intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o
estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes[66]. A estes,
especialmente aos povos nativos, cabe receber, para além da formação básica, a
informação completa e transparente dos projetos, com a sua amplitude, os seus
efeitos e riscos, para poderem confrontar esta informação com os seus
interesses e com o próprio conhecimento do local e, assim, dar ou negar o seu
consentimento ou então propor alternativas[67].
52. Os mais poderosos nunca ficam satisfeitos com os lucros
que obtêm, e os recursos do poder económico têm aumentado muito com o
desenvolvimento científico e tecnológico. Por isso, todos deveríamos insistir
na urgência de «criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e
assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder
derivadas do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a
política, mas também com a liberdade e a justiça»[68]. Se a chamada por Deus
exige uma escuta atenta do grito dos pobres e ao mesmo tempo da terra[69], para
nós «o grito da Amazónia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de Deus no
Egito (cf. Ex 3, 7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que clama por
liberdade»[70].
A profecia da
contemplação
53. Muitas vezes deixamos que a consciência se torne
insensível, porque «a constante distração nos tira a coragem de advertir a
realidade dum mundo limitado e finito»[71]. Se nos detivermos na superfície,
pode parecer «que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta
poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições atuais. Este
comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de
produção e consumo. É a forma como o ser humano se organiza para alimentar
todos os vícios autodestrutivos: tenta não os ver, luta para não os reconhecer,
adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido»[72]-
54. Além de tudo isso, quero lembrar que cada uma das
diferentes espécies tem valor em si mesma. Ora, «anualmente, desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os
nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas
extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por nossa
causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência,
nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o
fazer»[73].
55. Aprendendo com os povos nativos, podemos contemplar a
Amazónia, e não apenas analisá-la, para reconhecer esse precioso mistério que
nos supera; podemos amá-la, e não apenas usá-la, para que o amor desperte um
interesse profundo e sincero; mais ainda, podemos sentir-nos intimamente unidos
a ela, e não só defendê-la: e então a Amazónia tornar-se-á nossa como uma mãe.
Porque se «contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro,
reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres»[74].
56. Despertemos o
sentido estético e contemplativo que Deus colocou em nós e que, às vezes,
deixamos atrofiar. Lembremo-nos de que, «quando não se aprende a parar a fim de
admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto
de uso e abuso sem escrúpulos»[75]. Pelo contrário, se entrarmos em comunhão
com a floresta, facilmente a nossa voz se unirá à dela e transformar-se-á em
oração: «Deitados à sombra dum velho eucalipto, a nossa oração de luz mergulha
no canto da folhagem eterna»[76]. Tal conversão interior é que nos permitirá
chorar pela Amazónia e gritar com ela diante do Senhor.
57. Jesus disse: «Não se vendem cinco passarinhos por duas
pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc
12, 6). Deus Pai, que criou com infinito amor cada ser do universo, chama-nos a
ser seus instrumentos para escutar o grito da Amazónia. Se acudirmos a este
clamor angustiado, tornar-se-á manifesto que as criaturas da Amazónia não foram
esquecidas pelo Pai do céu. Segundo os cristãos, o próprio Jesus nos chama a
partir delas, «porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um
destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado,
contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença
luminosa»[77]. Por todas estas razões, nós, os crentes, encontramos na Amazónia
um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus
filhos.
Educação e hábitos
ecológicos
58. Assim, podemos dar mais um passo e lembrar que uma
ecologia integral não se dá por satisfeita com ajustar questões técnicas ou com
decisões políticas, jurídicas e sociais. A grande ecologia sempre inclui um
aspeto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e
nos grupos humanos. Infelizmente, muitos habitantes da Amazónia adquiriram
costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o
consumismo e a cultura do descarte. Não haverá uma ecologia sã e sustentável,
capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem
incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais
respeitador, menos ansioso, mais fraterno.
59. De facto, «quanto mais vazio está o coração da pessoa,
tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. Em tal
contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe
assinale limites; (…) não pensemos só na possibilidade de terríveis fenómenos
climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes
resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida
consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá
provocar violência e destruição recíproca».[78]
60. A Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua
consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça,
a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de
encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, por sua vez, prestar
a sua contribuição para o cuidado e o crescimento da Amazónia.
Isso dá lugar ao novo sonho, que pretendo partilhar mais
diretamente com os pastores e os fiéis católicos.
Capítulo IV
UM SONHO ECLESIAL
61. A Igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazónia.
Na América Latina, esta caminhada teve expressões privilegiadas, como a
Conferência dos Bispos em Medellín (1968) e a sua aplicação à Amazónia em
Santarém (1972)[79]; e, depois, em Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e
Aparecida (2007). O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser
desenvolver uma Igreja com rosto amazónico, precisa de crescer numa cultura do
encontro rumo a uma «harmonia pluriforme»[80]. Mas, para tornar possível esta
encarnação da Igreja e do Evangelho, deve ressoar incessantemente o grande
anúncio missionário.
O anúncio
indispensável na Amazónia
62. Perante tantas necessidades e angústias que clamam do
coração da Amazónia, é possível responder a partir de organizações sociais,
recursos técnicos, espaços de debate, programas políticos… e tudo isso pode
fazer parte da solução. Mas, como cristãos, não renunciamos à proposta de fé
que recebemos do Evangelho. Embora queiramos empenhar-nos lado a lado com
todos, não nos envergonhamos de Jesus Cristo. Para quantos O encontraram, vivem
na sua amizade e se identificam com a sua mensagem, é inevitável falar d’Ele e
levar aos outros a sua proposta de vida nova: «Ai de mim, se eu não
evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
63. A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao
mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus
direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e
dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas ou um
imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito missionário
que visa o coração e dá sentido a todo o resto. Nem podemos contentar-nos com
uma mensagem social. Se dermos a vida por eles, pela justiça e a dignidade que
merecem, não podemos ocultar-lhes que o fazemos porque reconhecemos Cristo
neles e porque descobrimos a imensa dignidade a eles concedida por Deus Pai que
os ama infinitamente.
64. Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo
àquele primeiro anúncio que se chama querigma e «é o anúncio principal, aquele
que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre
se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra»[81]. É o anúncio de um Deus
que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em
Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida. Proponho voltar a ler
um breve resumo deste conteúdo no capítulo IV da Exortação Christus vivit. Este
anúncio deve ressoar constantemente na Amazónia, expresso em muitas modalidades
distintas. Sem este anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial
transformar-se-á em mais uma ONG e, assim, não responderemos ao pedido de Jesus
Cristo: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc
16, 15).
65. Qualquer proposta de amadurecimento na vida cristã
precisa de ter este anúncio como eixo permanente, porque «toda a formação
cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais
e melhor, fazendo carne»[82]. A reação fundamental a este anúncio, quando o
mesmo consegue provocar um encontro pessoal com o Senhor, é a caridade
fraterna, aquele «mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos
identifica como discípulos»[83]. Deste modo, o querigma e o amor fraterno
constituem a grande síntese de todo o conteúdo do Evangelho, que não se pode
deixar de propor na Amazónia. É o que viveram grandes evangelizadores da
América Latina como São Toríbio de Mogrovejo ou São José de Anchieta.
A inculturação
66. Ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma, a
Igreja deve crescer na Amazónia. Para isso, não para de moldar a sua própria
identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território.
Desta forma, ir-se-á desenvolvendo cada vez mais um processo necessário de
inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazónicas,
mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho[84]. E também não despreza
a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao longo dos séculos, como se
pretendesse ignorar a história na qual Deus operou de várias maneiras, porque a
Igreja possui um rosto pluriforme, vista «não só da perspetiva espacial (…),
mas também da sua realidade temporal»[85]. Trata-se da Tradição autêntica da
Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de museu, mas a raiz duma
árvore que cresce[86]. É a Tradição milenar que testemunha a ação divina no seu
povo e cuja «missão é mais a de manter vivo o fogo, do que conservar as suas
cinzas»[87].
67. São João Paulo II ensinou que a Igreja, ao apresentar a
sua proposta evangélica, «não pretende negar a autonomia da cultura. Antes pelo
contrário, nutre por ela o maior respeito», porque a cultura «não é só sujeito
de redenção e de elevação; mas pode ter também um papel de mediação e de
colaboração»[88]. E, dirigindo-se aos indígenas do Continente Americano,
lembrou que «uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno
acolhida, não inteiramente pensada, nem com fidelidade vivida»[89]. Os desafios
das culturas convidam a Igreja a uma «atitude de prudente sentido crítico, mas
também de atenção e confiança»[90].
68. Vale a pena lembrar aqui o que afirmei na Exortação
Evangelii gaudium a propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de
que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o
recebe»[91]. Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma
dinâmica de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto,
pois «quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo
fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho»[92]; por outro,
a própria Igreja vive um caminho de receção, que a enriquece com aquilo que o
Espírito já tinha misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, «o Espírito
Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspetos da Revelação e
presenteando-a com um novo rosto»[93]. Trata-se, em última instância, de
permitir e incentivar a que o anúncio do Evangelho inexaurível, comunicado «com
categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com
essa cultura»[94].
69. Por isso, «como podemos ver na história da Igreja, o
cristianismo não dispõe de um único modelo cultural»[95] e «não faria justiça à
lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico»[96].
Entretanto, o risco dos evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que
devem não só comunicar o Evangelho, mas também a cultura em que cresceram,
esquecendo que não se trata de «impor uma determinada forma cultural, por mais
bela e antiga que seja»[97]. É necessário aceitar corajosamente a novidade do
Espírito capaz de criar sempre algo de novo com o tesouro inesgotável de Jesus
Cristo, porque «a inculturação empenha a Igreja num caminho difícil mas
necessário»[98]. É verdade que, «embora estes processos sejam sempre lentos, às
vezes o medo paralisa-nos demasiado» e acabamos como «espectadores duma
estagnação estéril da Igreja»[99]. Não tenhamos medo, não cortemos as asas ao
Espírito Santo.
Caminhos de
inculturação na Amazónia
70. Para conseguir uma renovada inculturação do Evangelho na
Amazónia, a Igreja precisa de escutar a sua sabedoria ancestral, voltar a dar
voz aos idosos, reconhecer os valores presentes no estilo de vida das
comunidades nativas, recuperar a tempo as preciosas narrações dos povos. Na
Amazónia, já recebemos riquezas que provêm das culturas pré-colombianas, tais
«como a abertura à ação de Deus, o sentido da gratidão pelos frutos da terra, o
caráter sagrado da vida humana e a valorização da família, o sentido de
solidariedade e a corresponsabilidade no trabalho comum, a importância do
cultual, a crença em uma vida para além da terrena e tantos outros
valores»[100].
71. Neste contexto, os povos indígenas da Amazónia expressam
a autêntica qualidade de vida como um «bem viver», que implica uma harmonia
pessoal, familiar, comunitária e cósmica e manifesta-se no seu modo comunitário
de conceber a existência, na capacidade de encontrar alegria e plenitude numa vida
austera e simples, bem como no cuidado responsável da natureza que preserva os
recursos para as gerações futuras. Os povos aborígenes podem ajudar-nos a
descobrir o que é uma sobriedade feliz e, nesta linha, «têm muito para nos
ensinar»[101]. Sabem ser felizes com pouco, gozam dos pequenos dons de Deus sem
acumular tantas coisas, não destroem sem necessidade, preservam os ecossistemas
e reconhecem que a terra, ao mesmo tempo que se oferece para sustentar a sua
vida, como uma fonte generosa, tem um sentido materno que suscita respeitosa
ternura. Tudo isto deve ser valorizado e recebido na evangelização[102].
72. Enquanto lutamos por eles e com eles, somos chamados «a
ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa
sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles»[103]. Os habitantes das
cidades precisam de apreciar esta sabedoria e deixar-se «reeducar» quanto ao
consumismo ansioso e ao isolamento urbano. A própria Igreja pode ser um veículo
capaz de ajudar esta recuperação cultural numa válida síntese com o anúncio do
Evangelho. Além disso, torna-se instrumento de caridade, na medida em que as
comunidades urbanas forem não apenas missionárias no seu ambiente, mas também
acolhedoras dos pobres que chegam do interior acossados pela miséria. É-o,
igualmente, na medida em que as comunidades estiverem próximas dos jovens
migrantes para os ajudarem a integrar-se na cidade sem cair nas suas redes de
degradação. Tais ações eclesiais, que brotam do amor, são caminhos valiosos
dentro dum processo de inculturação.
73. Mas, a inculturação eleva e dá plenitude. Sem dúvida, há
que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência
de todo o criado, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom,
espiritualidade de sacra admiração perante a natureza que nos cumula com tanta
vida. Apesar disso, trata-se também de conseguir que esta relação com Deus
presente no cosmos se torne cada vez mais uma relação pessoal com um «Tu», que
sustenta a própria realidade e lhe quer dar um sentido, um «Tu» que nos conhece
e ama:
«Flutuam sombras de
mim, madeiras mortas. Mas a estrela nasce sem censura sobre as mãos deste
menino, especialistas que conquistam as águas e a noite. Bastar-me-á saber que
Tu me conheces inteiramente, ainda antes dos meus dias»[104].
74. De igual modo, a relação com Jesus Cristo, verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, libertador e redentor, não é inimiga desta visão do
mundo marcadamente cósmica que carateriza estes povos, porque Ele é também o
Ressuscitado que penetra todas as coisas[105]. Segundo a experiência cristã,
«todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro sentido no
Verbo encarnado, porque o Filho de Deus incorporou na sua pessoa parte do
universo material, onde introduziu um gérmen de transformação definitiva»[106].
Ele está, gloriosa e misteriosamente, presente no rio, nas árvores, nos peixes,
no vento, enquanto é o Senhor que reina sobre a criação sem perder as suas
chagas transfiguradas e, na Eucaristia, assume os elementos do mundo dando a
cada um o sentido do dom pascal.
Inculturação social e espiritual
75. Esta inculturação, atendendo à situação de pobreza e
abandono de tantos habitantes da Amazónia, deverá necessariamente ter um timbre
marcadamente social e caraterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos,
fazendo resplandecer o rosto de Cristo que «quis, com ternura especial,
identificar-Se com os mais frágeis e pobres»[107]. Pois, «a partir do coração
do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e
promoção humana»[108], e isto exige das comunidades cristãs um claro empenho
com o Reino de justiça na promoção dos descartados. Para isso, é sumamente
importante uma adequada formação dos agentes pastorais na doutrina social da
Igreja.
76. Ao mesmo tempo, a inculturação do Evangelho na Amazónia
deve integrar melhor a dimensão social com a espiritual, para que os mais
pobres não tenham necessidade de ir buscar fora da Igreja uma espiritualidade
que dê resposta aos anseios da sua dimensão transcendente. Naturalmente, não se
trata duma religiosidade alienante ou individualista que faça calar as
exigências sociais duma vida mais digna, mas também não se trata de mutilar a
dimensão transcendente e espiritual como se bastasse ao ser humano o
desenvolvimento material. Isto convida-nos não só a combinar as duas coisas,
mas também a ligá-las intimamente. Deste modo resplandecerá a verdadeira beleza
do Evangelho, que é plenamente humanizadora, dá plena dignidade às pessoas e
aos povos, cumula o coração e a vida inteira.
Pontos de partida
para uma santidade amazónica
77. Assim poderão nascer testemunhos de santidade com rosto
amazónico, que não sejam cópias de modelos doutros lugares, santidade feita de
encontro e dedicação, de contemplação e serviço, de solidão acolhedora e vida
comum, de jubilosa sobriedade e luta pela justiça. Chega-se a esta santidade
«cada um por seu caminho»[109], e isto aplica-se também aos povos, onde a graça
se encarna e brilha com traços distintivos. Imaginemos uma santidade com traços
amazónicos, chamada a interpelar a Igreja universal.
78. Um processo de inculturação, que implica caminhos não só
individuais, mas também comunitários, exige um amor ao povo cheio de respeito e
compreensão. Em boa parte da Amazónia, este processo já começou. Há mais de
quarenta anos, os bispos da Amazónia do Perú assinalavam que, em muitos dos
grupos presentes naquela região, «o sujeito de evangelização, modelado por uma
cultura própria, multiforme e mutável, está inicialmente evangelizado», pois
possui «certos traços de catolicismo popular que, embora num primeiro tempo
talvez tenham sido promovidos por agentes pastorais, atualmente são uma
realidade que o povo assumiu e até mudou o seu significado transmitindo-os de
geração em geração»[110]. Não nos apressemos a qualificar como superstição ou
paganismo certas expressões religiosas que nascem, espontaneamente, da vida do
povo. Antes, é necessário saber reconhecer o trigo que cresce no meio do joio,
porque, «na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida
se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se»[111].
79. É possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena
sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido
espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão.
Algumas festas religiosas contêm um significado sagrado e são espaços de
reunião e fraternidade, embora se exija um lento processo de purificação e
maturação. Um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas
que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais
ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir duma espiritualidade
inculturada.
80. Será, sem dúvida, uma espiritualidade centrada no único
Deus e Senhor, mas ao mesmo tempo capaz de entrar em contacto com as
necessidades diárias das pessoas que procuram uma vida digna, querem gozar as
coisas belas da existência, encontrar a paz e a harmonia, resolver as crises
familiares, curar as suas doenças, ver os seus filhos crescerem felizes. O pior
perigo seria afastá-los do encontro com Cristo, apresentando-O como um inimigo
da alegria ou como alguém que é indiferente às aspirações e angústias
humanas[112]. Hoje é indispensável mostrar que a santidade não priva as pessoas
de «forças, vida e alegria»[113].
A inculturação da
liturgia
81. A inculturação da espiritualidade cristã nas culturas
dos povos nativos encontra, nos Sacramentos, um caminho particularmente
valioso, porque neles se unem o divino e o cósmico, a graça e a criação. Na
Amazónia, os Sacramentos não deveriam ser vistos como separação da criação,
pois «constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e
transformada em mediação da vida sobrenatural»[114]. São uma plenificação da
criação, na qual a natureza é elevada para ser lugar e instrumento da graça,
para «abraçar o mundo num plano diferente»[115].
82. Na Eucaristia vemos que, «no apogeu do mistério da
Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria.
(…) [Ela] une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação»[116]. Por isso,
a Eucaristia pode ser «fonte de luz e motivação para as nossas preocupações
pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira»[117]. Assim,
«não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos
com Deus».[118] Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios
da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular
expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio
Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos
indígenas[119], mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos
nesta linha[120].
83. No domingo, «a espiritualidade cristã integra o valor do
repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao
âmbito do estéril ou do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra
realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa atividade, somos
chamados a incluir uma dimensão recetiva e gratuita»[121]. Os povos nativos
conhecem esta gratuidade e este sadio lazer contemplativo. As nossas
celebrações deveriam ajudá-los a viver esta experiência na liturgia dominical e
encontrar a luz da Palavra e da Eucaristia que ilumina as nossas vidas
concretas.
84. Os Sacramentos mostram e comunicam o Deus próximo que
vem, com misericórdia, curar e fortalecer os seus filhos. Por isso, devem ser
acessíveis, sobretudo aos pobres, e nunca devem ser negados por razões de
dinheiro. Nem é admissível, face aos pobres e abandonados da Amazónia, uma
disciplina que exclua e afaste, porque assim acabam descartados por uma Igreja
transformada numa alfândega. Pelo contrário, «nas situações difíceis em que
vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em
compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas
como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e
abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a
misericórdia de Deus»[122]. Segundo a Igreja, a misericórdia pode tornar-se uma
mera expressão romântica, se não se manifestar concretamente no serviço
pastoral[123].
A inculturação do
ministério
85. A inculturação deve desenvolver-se e espelhar-se também
numa forma encarnada de realizar a organização eclesial e o ministério. Se se
incultura a espiritualidade, se se incultura a santidade, se se incultura o
próprio Evangelho, será possível evitar de pensar numa inculturação do modo
como se estruturam e vivem os ministérios eclesiais? A pastoral da Igreja tem
uma presença precária na Amazónia, devido em parte à imensa extensão
territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural,
graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto
não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa
da Igreja.
86. É necessário conseguir que o ministério se configure de
tal maneira que esteja ao serviço duma maior frequência da celebração da
Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas. Em Aparecida,
convidou-se a ouvir o lamento de tantas comunidades na Amazónia «privadas da
Eucaristia dominical por longos períodos de tempo»[124.] Mas, ao mesmo tempo,
há necessidade de ministros que possam compreender a partir de dentro a
sensibilidade e as culturas amazónicas.
87. O modo de configurar a vida e o exercício do ministério
dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários
lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do
sacerdote, aquilo que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da
Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que
este caráter exclusivo recebido na Ordem deixa só ele habilitado para presidir
à Eucaristia[125] .Esta é a sua função específica, principal e não delegável.
Alguns pensam que aquilo que distingue o sacerdote seja o poder, o facto de ser
a máxima autoridade da comunidade; mas São João Paulo II explicou que, embora o
sacerdócio seja considerado «hierárquico», esta função não equivale a estar
acima dos outros, mas «ordena-se integralmente à santidade dos membros do corpo
místico de Cristo»[126]. Quando se afirma que o sacerdote é sinal de «Cristo
cabeça», o significado principal é que Cristo constitui a fonte da graça: Ele é
cabeça da Igreja «porque tem o poder de comunicar a graça a todos os membros da
Igreja»[127].
88. O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama a graça,
antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida
cristã[128]. Este é o seu grande poder, que só pode ser recebido no sacramento
da Ordem. Por isso, apenas ele pode dizer: «Isto é o meu corpo». Há outras
palavras que só ele pode pronunciar: «Eu te absolvo dos teus pecados»; pois o
perdão sacramental está ao serviço duma celebração eucarística digna. Nestes
dois sacramentos, está o coração da sua identidade exclusiva[129].
89. Nas circunstâncias específicas da Amazónia,
especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um
modo para assegurar este ministério sacerdotal. Os leigos poderão anunciar a
Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns Sacramentos,
buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons
que o Espírito derrama neles. Mas precisam da celebração da Eucaristia, porque
ela «faz a Igreja»[130], e chegamos a dizer que «nenhuma comunidade cristã se
edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima
Eucaristia»[131]. Se acreditamos verdadeiramente que as coisas estão assim, é
urgente fazer com que os povos amazónicos não estejam privados do Alimento de
vida nova e do sacramento do perdão.
90. Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os
bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações
sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram
vocação missionária a optarem pela Amazónia[132]. Ao mesmo tempo, é oportuno
rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da
formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e
capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazónicas. Esta formação
deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia
sacerdotal[133].
Comunidades cheias de
vida
91. A Eucaristia é também o grande sacramento que significa
e realiza a unidade da Igreja[134], celebrando-se «para que, de estranhos,
dispersos e indiferentes uns aos outros, nos tornemos unidos, iguais e
amigos»[135]. Quem preside à Eucaristia deve ter a peito a comunhão, que, longe
de ser uma unidade empobrecida, acolhe a múltipla riqueza de dons e carismas
que o Espírito derrama na comunidade.
92. Ora a Eucaristia, como fonte e cume, exige que se
desenvolva esta riqueza multiforme. São necessários sacerdotes, mas isto não
exclui que ordinariamente os diáconos permanentes – deveriam ser muitos mais na
Amazónia –, as religiosas e os próprios leigos assumam responsabilidades
importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de
tais funções, graças a um adequado acompanhamento.
93. Portanto não se trata apenas de facilitar uma presença
maior de ministros ordenados que possam celebrar a Eucaristia. Isto seria um
objetivo muito limitado, se não procurássemos também suscitar uma nova vida nas
comunidades. Precisamos de promover o encontro com a Palavra e o amadurecimento
na santidade por meio de vários serviços laicais, que supõem um processo de
maturação – bíblica, doutrinal, espiritual e prática – e distintos percursos de
formação permanente.
94. Uma Igreja de rostos amazónicos requer a presença
estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade[136], que
conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em
comunidade de cada lugar, ao mesmo tempo que deixem espaço à multiplicidade dos
dons que o Espírito Santo semeia em todos. Com efeito, onde houver uma
necessidade peculiar, Ele já infundiu carismas que permitam dar-lhe resposta.
Isto requer na Igreja capacidade para abrir estradas à audácia do Espírito,
confiar e concretamente permitir o desenvolvimento duma cultura eclesial
própria, marcadamente laical. Os desafios da Amazónia exigem da Igreja um
esforço especial para conseguir uma presença capilar que só é possível com um
incisivo protagonismo dos leigos.
95. Muitas pessoas consagradas gastaram as suas energias e
grande parte da sua vida pelo Reino de Deus na Amazónia. A vida consagrada,
capaz de diálogo, síntese, encarnação e profecia, ocupa um lugar especial nesta
configuração plural e harmoniosa da Igreja amazónica. Mas faz-lhes falta um
novo esforço de inculturação, que ponha em jogo a criatividade, a audácia
missionária, a sensibilidade e a força peculiar da vida comunitária.
96. As comunidades de base, sempre que souberam integrar a
defesa dos direitos sociais com o anúncio missionário e a espiritualidade,
foram verdadeiras experiências de sinodalidade no caminho evangelizador da
Igreja na Amazónia. Muitas vezes «têm ajudado a formar cristãos comprometidos
com a sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega
generosa, até derramar o sangue, de muitos dos seus membros»[137].
97. Encorajo o aprofundamento do serviço conjunto que se
realiza através da REPAM e outras associações com o objetivo de consolidar
aquilo que solicitava Aparecida: «estabelecer, entre as Igrejas locais de
diversos países sul-americanos que estão na bacia amazónica, uma pastoral de
conjunto com prioridades diferenciadas»[138]. Isto vale especialmente para a
relação entre as Igrejas confinantes.
98. Por fim, quero lembrar que nem sempre podemos pensar em
projetos para comunidades estáveis, porque na Amazónia há uma grande mobilidade
interna, uma migração constante, muitas vezes pendular, e «a região
transformou-se efetivamente num corredor migratório»[139]. A «transumância
amazónica não foi bem compreendida nem suficientemente elaborada do ponto de
vista pastoral»[140]. Por isso devemos pensar em grupos missionários
itinerantes e «apoiar a inserção e a itinerância dos consagrados e consagradas
ao lado dos mais desfavorecidos e excluídos»[141]. Por outro lado, isto desafia
as nossas comunidades urbanas, que deveriam cultivar com inteligência e
generosidade, especialmente nas periferias, várias formas de proximidade e
receção às famílias e jovens que chegam ao território.
A força e o dom das
mulheres
99. Na Amazónia, há comunidades que se mantiveram e
transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decénios, sem que algum sacerdote
passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e
generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias,
certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as
mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé
ardente. No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho.
100. Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar
reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este
reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma
participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas,
na realidade, este horizonte limitaria as perspetivas, levar-nos-ia a
clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e
subtilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.
101. Jesus Cristo apresenta-Se como Esposo da comunidade que
celebra a Eucaristia, através da figura de um varão que a ela preside como sinal
do único Sacerdote. Este diálogo entre o Esposo e a esposa que se eleva na
adoração e santifica a comunidade não deveria fechar-nos em conceções parciais
sobre o poder na Igreja. Porque o Senhor quis manifestar o seu poder e o seu
amor através de dois rostos humanos: o de seu divino Filho feito homem e o de
uma criatura que é mulher, Maria. As mulheres prestam à Igreja a sua
contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a
ternura de Maria, a Mãe. Deste modo não nos limitamos a uma impostação
funcional, mas entramos na estrutura íntima da Igreja. Assim compreendemos
radicalmente por que, sem as mulheres, ela se desmorona, como teriam caído aos
pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres,
sustentando-as, conservando-as e cuidando delas. Isto mostra qual é o seu poder
caraterístico.
102. Não podemos deixar de incentivar os talentos populares
que deram às mulheres tanto protagonismo na Amazónia, embora hoje as
comunidades estejam sujeitas a novos riscos que outrora não existiam. A
situação atual exige que estimulemos o aparecimento doutros serviços e carismas
femininos que deem resposta às necessidades específicas dos povos amazónicos
neste momento histórico.
103. Numa Igreja sinodal, as mulheres, que de facto realizam
um papel central nas comunidades amazónicas, deveriam poder ter acesso a
funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e
permitam expressar melhor o seu lugar próprio. Convém recordar que tais
serviços implicam uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por
parte do bispo. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real
e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das
comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil
feminino.
Ampliar horizontes
para além dos conflitos
104. Frequentemente sucede que, num determinado lugar, os
agentes pastorais vislumbram soluções muito diferentes para os problemas que
enfrentam e, por isso, propõem formas aparentemente opostas de organização
eclesial. Quando isto acontece, é provável que a verdadeira resposta aos
desafios da evangelização esteja na superação de tais propostas, procurando
outros caminhos melhores, talvez ainda não imaginados. O conflito supera-se num
nível superior, onde cada uma das partes, sem deixar de ser fiel a si mesma, se
integra com a outra numa nova realidade. Tudo se resolve «num plano superior
que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em
contraste»[142]. Caso contrário, o conflito fecha-nos, «perdemos a perspetiva,
os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada»[143].
105. Isto não significa de maneira alguma relativizar os
problemas, fugir deles ou deixar as coisas como estão. As verdadeiras soluções
nunca se alcançam amortecendo a audácia, subtraindo-se às exigências concretas
ou buscando culpas externas. Pelo contrário, a via de saída encontra-se por
«transbordamento», transcendendo a dialética que limita a visão para poder
assim reconhecer um dom maior que Deus está a oferecer. Deste novo dom recebido
com coragem e generosidade, deste dom inesperado que desperta uma nova e maior
criatividade, brotarão, como que duma fonte generosa, as respostas que a
dialética não nos deixava ver. Nos seus primórdios, a fé cristã difundiu-se
admiravelmente seguindo esta lógica que lhe permitiu, a partir duma matriz
judaica, encarnar-se nas culturas grega e romana e adquirir na sua passagem
fisionomias diferentes. De forma análoga, neste momento histórico, a Amazónia desafia-nos
a superar perspetivas limitadas, soluções pragmáticas que permanecem
enclausuradas em aspetos parciais das grandes questões, para buscar caminhos
mais amplos e ousados de inculturação.
A convivência
ecuménica e inter-religiosa
106. Numa Amazónia plurirreligiosa, os crentes precisam de
encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos
mais pobres. Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem de
escondermos as convicções próprias que nos apaixonam, para podermos
encontrar-nos com outros que pensam de maneira diferente. Se uma pessoa
acredita que o Espírito Santo pode agir no diverso, então procurará deixar-se
enriquecer com essa luz, mas acolhê-la-á a partir de dentro das suas próprias
convicções e da sua própria identidade. Com efeito, quanto mais profunda,
sólida e rica for uma identidade, mais enriquecerá os outros com a sua
contribuição específica.
107. Nós, católicos, possuímos um tesouro nas Escrituras
Sagradas que outras religiões não aceitam, embora às vezes sejam capazes de as
ler com interesse e inclusive apreciar alguns dos seus conteúdos. Algo
semelhante, procuramos nós fazer face aos textos sagrados doutras religiões e
comunidades religiosas, onde se encontram «preceitos e doutrinas que (…)
refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens»[144].
Temos também uma grande riqueza nos sete Sacramentos, que algumas comunidades
cristãs não aceitam na sua totalidade ou com idêntico sentido. Ao mesmo tempo
que acreditamos firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos
uma profunda devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em
todas as confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazónia a riqueza
deste ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários. De facto,
terminarei esta Exortação com algumas palavras dirigidas a Maria.
108. Nada disto teria que nos tornar inimigos. Num
verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido
daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção
própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que
acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo
trabalhar e lutar juntos pelo bem da Amazónia. A força do que une a todos os
cristãos tem um valor imenso. Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às
vezes, já não apreciamos nem valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o
que nos permite estar no mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o
vazio espiritual, o cómodo egocentrismo, o individualismo consumista e
autodestrutivo.
109. Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que
nos dá a vida e tanto nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor,
que nos libertou com o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa.
Une-nos o desejo da sua Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do
Espírito que nos impele para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos
deixou, a busca duma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos
chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção
de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste,
onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos
que sofrem.
110. Tudo isto nos une. Como não lutar juntos? Como não
rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia,
mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?
Conclusão
A MÃE DA AMAZÓNIA
111. Depois de partilhar alguns sonhos, exorto todos a
avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazónia
e libertá-la dos males que a afligem. Agora levantemos o olhar para Maria, a
Mãe que Cristo nos deixou. E, embora seja a única Mãe de todos, manifesta-Se de
distintas maneiras na Amazónia. Sabemos que «os indígenas se encontram vitalmente
com Jesus Cristo por muitos caminhos; mas o caminho mariano contribuiu mais que
tudo para este encontro»[145]. Perante a beleza da Amazónia, que fomos
descobrindo cada vez melhor durante a preparação e o desenrolar do Sínodo,
penso que o melhor será concluir esta Exortação dirigindo-nos a Ela:
Mãe da vida,
no vosso seio materno formou-Se Jesus,
que é o Senhor de tudo o que existe.
Ressuscitado, Ele transformou-Vos com a sua luz
e fez-Vos Rainha de toda a criação.
Por isso Vos pedimos que reineis, Maria,
no coração palpitante da Amazónia.
Mostrai-Vos como mãe de todas as criaturas,
na beleza das flores, dos rios,
do grande rio que a atravessa
e de tudo o que vibra nas suas florestas.
Protegei, com o vosso carinho, aquela explosão de beleza.
Pedi a Jesus que derrame todo o seu amor
nos homens e mulheres que moram lá,
para que saibam admirá-la e cuidar dela.
Fazei nascer vosso Filho nos seus corações
para que Ele brilhe na Amazónia,
nos seus povos e nas suas culturas,
com a luz da sua Palavra, com o conforto do seu amor,
com a sua mensagem de fraternidade e justiça.
Que, em cada Eucaristia,
se eleve também tanta maravilha
para a glória do Pai.
Mãe, olhai para os pobres da Amazónia,
porque o seu lar está a ser destruído
por interesses mesquinhos.
Quanta dor e quanta miséria,
quanto abandono e quanto atropelo
nesta terra bendita,
transbordante de vida!
Tocai a sensibilidade dos poderosos
porque, apesar de sentirmos que já é tarde,
Vós nos chamais a salvar
o que ainda vive.
Mãe do coração trespassado,
que sofreis nos vossos filhos ultrajados
e na natureza ferida,
reinai Vós na Amazónia
juntamente com vosso Filho.
Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono
da obra de Deus.
Em Vós confiamos, Mãe da vida!
Não nos abandoneis
nesta hora escura.
Amen.
Dado em Roma, na Basílica de São João de Latrão, a 2 de
fevereiro – Festa da Apresentação do Senhor – do ano 2020, sétimo do
pontificado.
Franciscus
[1] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 49: AAS
107 (2015), 866.
[2] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[3] Ana Varela Tafur, «Timareo», in: Lo que no veo en
visiones (Lima 1992).
[4] Jorge Vega Márquez, «Amazónia solitária», in: Poesía
obrera (Cobija-Pando: Bolívia 2009), 39.
[5] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Síntese da
contribuição para o Sínodo, 120; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial
para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[6] Discurso no encontro com os jovens (São Paulo, Brasil
10/V/2007), 2: Insegnamenti III/1 (2007), 808.
[7] Cf. Alberto C. Araújo, «Imaginário amazónico», in:
Amazónia real. Ver amazoniareal.com.br (29/I/2014).
[8] São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio
(26/III/1967), 57: AAS 59 (1967), 285.
[9] São João Paulo II, Discurso à Academia Pontifícia das
Ciências Sociais (27/IV/2001), 4: AAS 93 (2001), 600.
[10] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a
Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 41.
[11] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 473.
[12] Ramón Iribertegui, Amazonas: El hombre y el caucho, ed.
Vicariato Apostólico de Puerto Ayacucho – Venezuela, Monografia n.º 4 (Caracas
1987), 307ss.
[13] Cf. Amarílis Tupiassú, «Amazônia, das travessias
lusitanas à literatura de até agora», in Estudos Avançados, vol. 19, n. 53 (São
Paulo, janeiro/abril 2005): «De fato, depois de findar a primeira colonização,
a Amazônia continuou seu trajeto de região açulada pela antiquíssima ganância,
agora sob novas impostações retóricas (…) por agentes civilizatórios que nem
precisam de corporificação para gerar e multiplicar as novas facetas da antiga
dizimação, agora por via da morte devagar».
[14] Bispos da Amazónia do Brasil, Carta ao Povo de Deus
(Santarém – Brasil 6/VII/2012).
[15] São João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz
em 1998 (8/XII/1997), 3: AAS 90 (1998), 150.
[16] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 6.
[17] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 6. O Papa Paulo III, com o Breve Veritas
ipsa (2/VI/1537), condenou as teses racistas, reconhecendo aos índios, cristãos
ou não, a dignidade de pessoa humana, reconheceu-lhes o direito aos seus bens e
proibiu que fossem reduzidos à escravidão. Afirmava: «Sendo homens como os
outros, (...) não podem de modo algum ser privados da sua liberdade e da posse
dos seus bens, nem mesmo aqueles que estão fora da fé de Jesus Cristo». Este
ensinamento foi reiterado pelos Papas Gregório XIV, com a Bula Cum Sicuti
(28/IV/1591), Urbano VIII, com a Bula Commissum Nobis (22/IV/1639), Bento XIV,
com a Bula Immensa Pastorum Principis, dirigida aos bispos do Brasil
(20/XII/1741), Gregório XVI, com o Breve In Supremo (3/XII/1839), Leão XIII, na
Epístola aos Bispos do Brasil sobre a escravatura (5/V/1888), São João Paulo
II, na Mensagem aos indígenas da América (Santo Domingo 12/X/1992), 2:
Insegnamenti XV/2 (1992), 341-347.
[18] Frederico Benício de Sousa Costa, Carta Pastoral
(1909), ed. Imprensa do governo do Estado de Amazonas (Manaus 1994), 83.
[19] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 7.
[20] Francisco, Discurso por ocasião do II Encontro Mundial
dos Movimentos Populares (Santa Cruz da Serra – Bolívia 09/VII/2015):
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/VII/2015), 13.
[21] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da
Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 25/I/2018), 8.
[22] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 24.
[23] Yana Lucila Lema, Tamyahuan Shamakupani (Com a chuva
estou vivendo), 1. Ver
http://siwarmayu.com/es/yana-lucila-lema-6-poemas-de-tamyawan-shamu-ku-pa-ni-con-la-lluvia-estoy-viviendo/
[24] Conferência Episcopal Equatoriana, Cuidemos nuestro
planeta (20/IV/2012), 3.
[25] N. 142: AAS 107 (2015), 904-905.
[26] N. 82.
[27] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 83.
[28] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
239: AAS 105 (2013), 1116.
[29] Ibid., 218: o. c., 1110.
[30] Ibidem.
[31] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a
Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 57.
[32] Cf. Evaristo Eduardo de Miranda, Quando o Amazonas
corria para o Pacífico (Petrópolis 2007), 83-93.
[33] Juan Carlos Galeano, «Paisajes», in: Amazonia y otros
poemas (ed. Universidade Externato de Colômbia - Bogotá 2011), 31.
[34] Javier Yglesias, «Llamado», in: Revista peruana de
Literatura, 6 (junho 2007), 31.
[35] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS
107 (2015), 905.
[36] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit
(25/III/2019), 186.
[37] Ibid., 200.
[38] Francisco, Mensagem em vídeo para o Encontro Mundial da
Juventude Indígena, (Soloy – Panamá 17-21/I/2019): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 22/I/2019), 4.
[39] Mario Vargas Llosa, Prólogo de El Hablador (Madrid
08/X/2007).
[40] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit
(25/III/2019), 195.
[41]São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus
(1/V/1991), 50: AAS 83 (1991), 856.
[42] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 97.
[43] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da
Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 25/I/2018), 9.
[44] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 123-e.
[45] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS
107 (2015), 906.
[46] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate
(29/VI/2009), 51 [AAS 101 (2009), 687]: «A natureza, especialmente no nosso
tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não
constitui uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva de
algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que
as habitam e do seu atraso».
[47] Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2007
(8/XII/2006), 8: Insegnamenti, II/2 (2006), 776.
[48] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015),
16.91.117.138.240: AAS 107 (2015), 854.884.894.903.941.
[49] Documento Bolívia: Relatório do País. Consulta
pré-sinodal (2019), 36; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a
Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 23.
[50] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 26.
[51] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 146: AAS
107 (2015), 906.
[52] Documento com contribuições para o Sínodo da Diocese de
San José del Guaviare e da Arquidiocese de Villavicencio y Granada (Colombia);
cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica,
Instrumentum laboris, 17.
[53] Euclides da Cunha, Os Sertões (São Paulo 2003), 110.
[54] Pablo Neruda, «Amazonas», in: Canto General (1938), I,
IV.
[55] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Documento
Eixo da Fronteira. Preparação para o Sínodo da Amazónia (Tabatinga – Brasil
13/II/2019), 3; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 8.
[56] Amadeu Thiago de Mello, Amazonas, pátria da água.
[57] Vinícius de Moraes, «A transformação pela poesia», in:
jornal A Manhã (Rio de Janeiro 1946).
[58] Juan Carlos Galeano, «Los que creyeron», in: Amazonia y
otros poemas (ed. Universidade Externato de Colombia - Bogotá 2011), 44.
[59] Harald Sioli, A Amazônia (Petrópolis 1985), 60.
[60] São João Paulo II, Discurso aos participantes num
Congresso Internacional sobre «Ambiente e saúde» (24/III/1997), 2: Insegnamenti
XX/1 (1997), 521.
[61] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 34: AAS
107 (2015), 860.
[62] Cf.
ibid., 28-31: o. c., 858-859.
[63] Ibid.,
38: o. c., 862.
[64] Cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano
e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 86.
[65] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 38: AAS
107 (2015), 862.
[66] Cf.
ibid., 144.187: o. c., 905-906.921.
[67] Cf.
ibid., 183: o. c., 920.
[68] Ibid.,
53: o. c., 868.
[69] Cf.
ibid., 49: o. c., 866.
[70] Documento preparatório do Sínodo dos Bispos para a
Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, 8.
[71] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 56: AAS
107 (2015), 869.
[72] Ibid.,
59: o. c., 870.
[73] Ibid.,
33: o. c., 860.
[74] Ibid.,
220: o. c., 934.
[75] Ibid.,
215: o. c., 932.
[76] Sui Yun, Cantos para o mendigo e o rei (Wiesbaden
2000).
[77] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 100: AAS
107 (2015), 887.
[78] Ibid., 204: o. c., 928.
[79] Cf. Documentos de Santarém (1972) e Manaus (1997), in:
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Desafio missionário. Documentos da
Igreja na Amazônia (Brasília 2014), 9-28.67-84.
[80] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
220: AAS 105 (2013), 1110.
[81] Ibid.,
164: o. c., 1088-1089.
[82] Ibid.,
165: o. c., 1089.
[83] Ibid., 161: o. c., 1087.
[84] Assim o refere o Concílio Vaticano II, no n. 44 da
Constituição Gaudium et spes, quando diz: «[A Igreja] aprendeu, desde os
começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos
e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico.
Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos
e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada
deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito,
suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo
segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio
vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos».
[85] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na
Alemanha (29/VI/2019), 9.
[86] Cf. São Vicente de Lerins, Commonitorium primum, cap.
23: PL 50, 668: «Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur
aetate – fortalece-se com o decorrer dos anos, desenvolve-se com o andar dos
tempos, cresce através das idades».
[87] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na
Alemanha (29/VI/2019), 9; cf. a expressão atribuída a Gustav Mahler: «A
tradição é a salvaguarda do futuro, não a conservação das cinzas».
[88] Discurso no encontro com os professores universitários
e os homens de cultura (Coimbra 15/V/1982), 5: Insegnamenti V/2 (1982),
1702-1703.
[89] Mensagem aos indígenas do Continente Americano (Santo
Domingo 12/X/1992), 6: Insegnamenti, XV/2 (1982), 346; cf. Discurso aos
participantes no I Congresso Nacional do Movimento Eclesial de Empenho Cultural
(16/I/1982), 2: Insegnamenti, V/1 (1982), 131.
[90] São João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita
consecrata (25/III/1996), 98: AAS 88 (1996), 474-475.
[91] N. 115: AAS 105 (2013), 1068.
[92] Ibid., 116: o. c., 1068.
[93] Ibidem.
[94] Ibid.,
129: o. c., 1074.
[95] Ibid.,
116: o. c., 1068.
[96] Ibid., 117: o. c., 1069.
[97] Ibidem.
[98] São João Paulo II, Discurso à Assembleia Plenária do
Pontifício Conselho para a Cultura (17/I/1987), 5: Insegnamenti X/1 (1987),
125.
[99] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
129: AAS 105 (2013), 1074.
[100] IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, Documento de Santo Domingo (12-28/X/1992), 17.
[101] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
198: AAS 105 (2013), 1103.
[102] Cf. Joseph Ratzinger, Diálogos sobre a Fé,
apresentados por Vittorio Messori (Ed. Verbo – Lisboa 2005), 159-165.
[103] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
198: AAS 105 (2013), 1103.
[104] Pedro Casaldáliga, «Carta de navegar (pelo Tocantins
amazónico)», in: El tiempo y la espera (Santander 1986).
[105] Como explica São Tomás de Aquino, «a maneira como Deus
está nas coisas é tríplice: uma é comum, por essência, presença e poder; outra,
pela graça nos seus santos; a terceira, singular de Cristo, pela união» (Ad
Colossenses, c. II, lectio 2).
[106] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235:
AAS 107 (2015), 939.
[107] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e
do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 196.
[108] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
178: AAS 105 (2013), 1094.
[109] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 11; cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018),
10-11.
[110] Vicariatos Apostólicos da Amazónia Peruana, «Segunda
asamblea episcopal regional de la selva» (San Ramón – Perú 05/X/1973), in:
Éxodo de la Iglesia en la Amazonia. Documentos pastorales de la Iglesia en la
Amazonia peruana (Iquitos 1976), 121.
[111] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013),
123: AAS 105 (2013), 1071.
[112] Cf.
Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018), 126-127.
[113] Ibid., 32.
[114] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235:
AAS 107 (2015), 939.
[115] Ibidem.
[116] Ibid., 236: o. c., 940.
[117] Ibidem.
[118] Ibid., 235: o. c., 939.
[119] Cf. Const. sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium,
37-40.65.77.81.
[120] No Sínodo, surgiu a proposta de se elaborar um «rito
amazónico».
[121] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 237:
AAS 107 (2015), 940.
[122] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia
(19/III/2016), 49: AAS 108 (2016), 331; cf. ibid., 305: o. c., 436-437.
[123] Cf. ibid., 296.308: o. c., 430-431.438.
[124] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e
do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 100-e.
[125] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos
Bispos da Igreja Católica sobre algumas questões concernentes ao Ministro da
Eucaristia Sacerdotium ministeriale (6/VIII/1983): AAS 75 (1983), 1001-1009.
[126] Carta ap. Mulieris dignitatem (15/VIII/1988), 27: AAS
80 (1988), 1718.
[127] São Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, q. 8, a. 1,
resp.
[128] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a
vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 5; São João Paulo II, Carta enc.
Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 22: AAS 95 (2003), 448.
[129] Também é próprio do sacerdote administrar a Unção dos
Enfermos, por estar intimamente ligada ao perdão dos pecados: «E, se tiver
cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5, 15).
[130] Catecismo da Igreja Católica, 1396; cf. São João Paulo
II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 26: AAS 95 (2003), 451;
Henry de Lubac, Meditation sur l’Église (Paris 1968), 101.
[131] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida
dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 6.
[132] Impressiona o facto de haver, em alguns países da
bacia amazónica, mais missionários para a Europa ou os Estados Unidos do que
para ajudar nos próprios Vicariatos da Amazónia.
[133] No Sínodo, falou-se também da falta de Seminários para
a formação sacerdotal de pessoas indígenas.
[134] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen gentium, 3.
[135] São Paulo VI, Homilia na Solenidade do Santíssimo
Corpo e Sangue de Cristo (17/VI/1965): Insegnamenti III (1965), 358.
[136] É possível, por escassez de sacerdotes, que o Bispo
confie uma «participação no exercício do serviço pastoral da paróquia (…) a um
diácono ou a outra pessoa que não possua o caráter sacerdotal, ou a uma
comunidade» (Código de Direito Canónico, 517-§ 2.
[137] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e
do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 178.
[138] Ibid., 475.
[139] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região
Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 65.
[140]
Ibid., 63.
[141]
Ibid., 129-d 2.
[142]
Francisco,Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 228: AAS 105
(2013), 1113.
[143] Ibid., 226: o. c., 1112.
[144] Conc. Ecum. Vat.
II, Decl. sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs
Nostra aetate, 2.
[145] CELAM, III Simposio latinoamericano sobre Teología
india (Cidade de Guatemala 23-27/X/2006).
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