Leiam e façam uma boa reflexão. Excelente texto
Saudosismo infértil – Por Érica Daiane Mauri
É comum ao ser humano, principalmente em períodos de maior
adversidade, um saudosismo de tempos mais propícios e menos dolorosos.
Entretanto, parece haver neste período de quarentena e restrições um saudosismo
inútil.
É frequente nos momentos de celebrações, sejam elas orações,
meditações, celebrações da Palavra e mesmo nas celebrações eucarísticas
realizadas e transmitidas pelas mídias sociais falas, ações e gestos que
expressam a saudade do período pre-pandemia. Muitos são os esforços para
retomar minimamente o ambiente vivido pelas nossas comunidades até dias atrás,
sejam fotos, mensagens, vídeos, o mesmo espaço litúrgico, congregar os
leitores, cantores, MECE, o seminarista... o mais próximo possível do habitual.
Se há nestes gestos uma tentativa de expressar cuidado e pastoreio, há também o
risco da fuga a um recente passado cada dia mais amalgamado numa perfeição e
glória.
A ordinária fala: “Que saudade de ter essa igreja cheia,
como é triste celebrar com os bancos vazios”. Reconheçamos que, na nossa
realidade eclesial, há muito não temos nossas igrejas cheias, celebrar para
vários bancos vazios era habitual para muitos sacerdotes, mas não me recordo de
nessas ocasiões lamentarem as ausências em suas celebrações. Ou então: “que
saudade do calor humano, logo estaremos juntos novamente”. Quantas de nossas
comunidades pre-pandemia tinham seus pastores “junto” a elas? Quantos destes se
permitiam dar ou receber “calor humano”? É provável que a fala se refira aos
atendimentos com hora marcada na secretaria; às “passadas” nas reuniões e
eventos; ao dia da semana para visita aos doentes; às refeições partilhadas com
seletos membros da comunidade paroquial atual ou não; aos cumprimentos na porta
da igreja... tudo dentro da aceitável conveniência, entretanto estas
corriqueiras ações eram realmente suficientes? Bem, é fato que muitas de nossas
comunidades careciam daquele que se “aproxima e se põe a caminhar com eles” (cf
Lc 24,15), daquele que está disposto a percorrer um caminho e a gastar tempo e
“calor” principalmente com os membros que deixam “Jerusalém”. Uma fala recente
expressa bem o formato de comunidade que construímos e o qual parece se ter
saudade: “logo estaremos novamente unidos para as celebrações da missa e para
nossas reuniões”. Tragicamente nisso se sintetiza grande parte de nossa vida em
comunidade: missas e reuniões.
Compreendo que de modo repentino todos tivemos nossas
rotinas alteradas, e encontrar meios de ser comunidade em meio a esta pandemia
é o desafio diário de todos nós. Porém, o maior desafio que se apresenta, aos
meus olhos, consiste em encontrar meios de ser comunidade pós-pandemia. O mundo
pós-pandemia tem sido a utopia e esperança de muitos e deveria ser também a de
nós cristãos. Entretanto, as recorrentes referências a um passado que não era
tão ideal assim, mas era o nosso habitual, desvia nosso olhar da realidade e
põe nossa atenção e esperança no passado e não no futuro a ser construído desde
já. Este saudosismo não tem fertilizado o hoje de nossas comunidades com
criatividade e esperança de modo a florir novas comunidades pós-pandêmicas. Que
possamos permitir que nossas comunidades descubram em si a ação criativa e
fecunda do Espírito Santo, capaz de fazer “novas todas as coisas” (cf Ap 21,5).
Que o saudosismo da nossa “rotina comunitária” não seja empecilho para o
necessário novo modo de SER COMUNIDADE de hoje e de amanhã.
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Érica Daiane Mauri
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade
Estadual de Maringá (2007). Especialização Lato Sensu em Teologia Bíblica (PUCPR-Maringá).
Mestrado em Teologia (PUCPR - Curitiba). Doutoranda em Teologia (PUCPR -
Curitiba), sendo integrante do Grupo de Pesquisa Bíblia e Pastoral (PUCPR).
Atua como Professora na Escola de Teologia para Cristãos Leigos da Arquidiocese
de Maringá; Professora visitante no curso de Especialização em Bíblia e em
Catequese da FAVI, realizado em Maringá.
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