O que segue a baixo, é newsletter, recebido em meu e-mail, do "Brasil de Fato (19/12/2025)
Quem merece ficar preso no Brasil?
A questão da Justiça brasileira é curiosa e, com frequência, um pouco confusa. Nos últimos meses, a palavra dosimetria passou a fazer parte do cotidiano da população, mesmo que pessoas sejam presas há décadas. Aparentemente, o tema da redução da pena de alguém condenado por cometer um crime só é interessante dependendo da pessoa.
Este ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi preso por ter participado — ou até organizado — de uma tentativa de golpe de Estado. Não foi pela ineficiência e deboche enquanto milhares de brasileiros morriam na pandemia de covid-19. Tampouco por sua associação com milícias, rachadinha ou roubo de joias. Foi porque ele produziu provas de que planejava matar o presidente Lula, o vice Alckmin e até ministros do Supremo Tribunal Federal.
O que, para muitos, significa que a justiça finalmente foi feita, para outros, é motivo de escândalo e drama. Tudo para reduzir os 27 anos e três meses que Bolsonaro deve ficar preso. E ele até poderia reduzir este tempo lendo alguns livros específicos, mas não, o meio encontrado por seus aliados é o de um projeto de lei.
Para o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, o PL da dosimetria é “uma forma de anistia” e “um convite aos cidadãos brasileiros que queiram fazer um golpe de Estado”. Para ele, “uma redução da pena do Bolsonaro significa dizer que a porta do inferno está aberta” e deixa uma brecha para “outras possibilidades de golpe”, já que futuros golpistas poderiam ficar “no máximo, presos dois, três anos, não mais que isso”.
Já juristas ouvidos pelo Brasil de Fato analisam que essa aprovação pode ter um efeito massivo, beneficiando outros criminosos. Eles apontam que, ao mexer em normas gerais de aplicação e progressão de pena, o texto criou um efeito colateral inesperado: a possível libertação e o benefício de milhares de condenados por crimes comuns.
A população também não concorda: no último domingo (14), milhares foram às ruas de todo o país, unindo-se a políticos e artistas contra os “inimigos do povo”, ou seja, o Congresso Nacional que aprovou o projeto de lei na madrugada do dia 10. Votaram a favor da matéria 291 deputados federais. Contra, 148.
Em seguida, Davi Alcolumbre enviou o PL à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para apreciação, cujo relator foi o senador Espiridião Amim. Na CCJ, o texto também foi aprovado, com 17 votos favoráveis e 7 contrários.
Foi neste momento, inclusive, que o relator incluiu uma emenda proposta pelo senador Sergio Moro que limita o alcance do projeto aos golpistas do 8 de janeiro e retira crimes comuns dessa redução das penas. Ou seja: realmente existe uma agenda nesta pauta, não é um assunto de interesse geral dos brasileiros.
Chegando ao Senado, o texto foi aprovado por 48 a favor a 25 contrários e o próximo passo é a sanção presidencial. O presidente Lula, por sua vez, após evitar o assunto diretamente, finalmente afirmou que vai vetar o PL quando o projeto chegar até ele, e que não houve acordo com o governo para aprovação.
Não houve acordo, mas houve “falha de comunicação”. Essa foi a justificativa para o atrito entre o senador Jaques Wagner (BA) e a cúpula do PT, em uma situação que também envolveu a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Então, mesmo o momento da votação foi, novamente, confuso.
Ainda assim, além da perspectiva de veto do presidente, quatro bancadas partidárias da Câmara ingressaram com mandado de segurança junto ao STF pedindo a suspensão da tramitação do PL da Dosimetria, que contestado diretamente no STF caso seja sancionado.
O cientista político Pedro Arruda acredita que a aprovação por parte do Senado se enquadra em uma “tentativa de demonstração de força do campo conservador no Brasil”, para “enfraquecer e fustigar” o governo Lula, como uma maneira de se preparar para as eleições presidenciais de 2026.
As forças que governam o país se digladiam de forma institucional, e a população só observa. Na verdade, não. A população observa, sim, mas sai às ruas, grita, se expressa, e faz acontecer para impedir o que é considerado abuso, manipulação, injustiça.
Enquanto Brasil de Fato, cabe a nós seguirmos informando essa população sobre os desdobramentos de projetos de lei como o da dosimetria, para que cada um possa formar sua opinião e lutar pelo que realmente importa, que é a pauta do povo. Se você está conosco, apoie o nosso trabalho doando pelo pix: doe@brasildefato.com.br (Centro Popular de Mídias Cpmidias).
--------------------------------------------
Rafaella Coury
Coordenadora de redes sociais
Nenhum comentário:
Postar um comentário