31 março, 2020

Nos bastidores, Planalto planeja permitir cortes nos salários

Nova MP pode liberar redução de até 70% e ainda prevê suspensão de contratos por dois meses. Leia também: ministro da Saúde proibido de comentar atitudes de Bolsonaro.

Lá vem mais uma

A justificativa é sempre a de preservar os empregos. Primeiro foi a medida provisória 927, que, entre outras coisas, autorizava a suspensão de salários dos trabalhadores celetistas por quatro meses e gerou tanto barulho que, no dia seguinte, veio a MP 928limando essa possibilidade de suspensão.
A informação é publicada por Outra Saúde, 31-03-2020.
Agora, há uma nova MP trabalhista em discussão no Planalto… E essa vai permitir cortes em faixas de 25%, 50% e 70% nos salários, segundo informações da Folha e d’O Globo. A manchete da Folha, aliás, engana: “Governo prevê ajuda a todo trabalhador formal com corte salarial, mas regras mudam com renda”. A “ajuda” se refere à contrapartida dada pelo governo, que garantiria aos trabalhadores uma parcela do seguro-desemprego na mesma proporção do corte.
O problema, de cara, é que o valor do seguro-desemprego não é igual ao do salário regular. Vamos a um exemplo. O trabalhador que ganha R$ 2,8 mil e tiver uma supressão de 70% passa a receber R$ 840 do empregador (30% de 2,8 mi) e mais R$ 1.270 do governo (70% do seguro-desemprego). Fica com R$ 2,1 mil. Em outras palavras, perde 700 reais por mês. Quem ganha mais, perde mais – um empregado com R$ 10 mil de salário que tivesse uma redução de 70% receberia no total R$ 4.260.
A proposta parece ainda pior do que uma outra, veiculada na semana passada, que permitia o corte de 65%. Não só pela possibilidade de maior redução, mas também porque antes a ideia era ter uma trava evitando que a ela atingisse todos os funcionários de uma empresa. No novo texto, não mais. “O recurso poderá ser adotado de microempresas a empresas de grande porte, em qualquer tipo de salário, sem tratamento diferenciado entre os setores da economia”, explica O Globo. Empregados domésticos celetistas também entram na jogada.
Mais uma vez, aparecem os “acordos individuais”. Para quem ganha até R$ 3,1 mil ou mais que R$ 12,2 mil, a decisão sobre a redução se daria em acordos entre patrões e empregados. Só entre esses dois valores, e só para reduções superiores a 25%, seria necessária intermediação de sindicatos.
E, não menos importante: a nova MP volta a prever suspensão de contratos, mas agora não por quatro meses, e sim por dois. Isso seria permitido para todas as micro e pequenas empresas, mesmo as que ainda estiverem funcionando. No caso das grandes, só as que forem obrigadas a fechar por determinação dos governos locais.
O “impacto” da proposta para os cofres públicos está estimado em R$ 51,2 bilhões. Para a massa dos trabalhadores, desconhecemos a cifra.

Rapidinhos

Assim que Bolsonaro começou a defender regras mais frouxas de isolamento, os Correios começaram a descontar parte do salário de funcionários que estão em casa. Segundo a empresa pública – cujo presidente, indicado por Bolsonaro, é o general de reserva Floriano Peixoto Vieira Neto –, o teletrabalho só está autorizado para empregados classificados em grupos de risco ou que morem com alguém desses grupos, como pessoas maiores de 60 anos, com diabetes ou asma.
Tem outra. O artigo da MP 927 que permitia suspender os contratos por quatro meses ficou em vigor por menos de 24 horas. Foi suficiente para que uma empresa (a Rotas de Viação do Triângulo) adotasse a medida e mandasse 700 dos seus 855 funcionários embora. O dono da companhia, Flavio Maldonado, diz que agora alguns consideram que ela está em uma “situação jurídica peculiar”, mas que a suspensão segue valendo.

Se é pela economia...

Saiu uma estimativa do Ipea de que o isolamento social vai levar o PIB brasileiro a uma queda de 0,4% a 1,8%, dependendo da duração.
Mas uma nova pesquisa, baseada na experiência dos Estados Unidos durante a gripe espanhola, mostra que medidas restritivas e duradouras de isolamento podem levar a uma recuperação econômica mais rápida depois que a pandemia acaba. Sergio CorreiaStephan Luck (do Fed, o Banco Central americano) e Emil Verner (do MIT) viram que, um século atrás, cidades que adotaram maiores restrições à movimentação registraram depois um aumento de 5% a mais no emprego industrial. Em relação à duração das medidas, cada 50 dias adicionais (em comparação à média) corresponderam a um crescimento extra de 6,5% no setor manufatureiro. Além de, é claro, o confinamento contribuir para reduzir a mortalidade.
Os autores notam que, embora o impacto econômico do isolamento seja grande, “a pandemia em si provoca consequências econômicas severas, decorrentes do aumento na mortalidade, dos afastamentos dos doentes do trabalho e dos custos elevados com a saúde, como as que eles próprios mensuraram”. O estudo ainda é preliminar. Se a solidez for confirmada, será mais um forte argumento contra o negacionismo de Bolsonaro – ou seria, caso o presidente fosse movido a argumentos, é claro.
Fonte: IHU

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